segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

QUE FALTA FAZEM OS CAMARADAS DA VELHA GUARDA, QUE VIVIAM PARA A CAUSA E ERAM IMUNES ÀS TENTAÇÕES DO PODER!

Marcello Mastroianni no papel de um professor comunista
U
ma militante importante na minha trajetória, que aparece com destaque no livro
 Náufrago da Utopia, é a Maria das Graças Lima, a jovem baiana que recruta Júlio no Colégio MMDC, fazendo com que sua trajetória mude radicalmente.

O que não está no livro: ela casou com o líder do Colégio de Aplicação, Marcos Palácios. Radicaram-se na Bahia. Viveram juntos uns 25 anos. Tiveram uma bela filha. E a Maria se tornou professora universitária e socióloga respeitada, com o nome de Maria Palácios.

Não a vejo há décadas, mas andei trocando e-mails com ela. Cheguei a pedir-lhe informações sobre o pai, comunista da velha guarda.

Parecia um personagem dos primórdios de Jorge Amado: o trabalhador sujo de graxa, imbuído dos melhores ideais. Humilde, quase apagado, mas com um brilho inconfundível no olhar: a esperança de que um dia a justiça social prevaleceria, apesar de todos os percalços e decepções. Aceitando estoicamente a necessidade de mudar para bem longe da Bahia, em meio às trevas que haviam descido sobre o País naquele terrível 1964.

Junto com a resposta, a Maria me enviou uma crônica de Antônio Torres, publicada muitos anos atrás no Jornal do Brasil (RJ): Tributo a um comunista.

É um depoimento sensível sobre um tipo de militante generoso e idealista que quase não existe mais. Abaixo reproduzo os trechos principais. (por Celso Lungaretti)
O lendário Apolônio de Carvalho,
herói da resistência a duas ditaduras
 
"As exéquias de Apolônio de Carvalho me fizeram lembrar do comunista que conheci longe dos fervores religiosos. E em nada ele se assemelhava a um monstro. A bem dizer, foi o meu anjo da guarda. 
Descobri isso no meio de uma conversa que tivemos num banco de uma praça, na cidade de Alagoinhas, Bahia. Ano: 1959. Eu estava lá pensando na vida, sem saber o que fazer dela.
Havia terminado o curso ginasial e o serviço militar. E estava sobrevivendo com o salário-mínimo de vendedor-pracista de uma indústria de bebidas.
Cansado de rodar o dia inteiro em cima de uma bicicleta com uma pasta na garupa, recheada de mostruários, um talão de pedidos e um maço de promissórias vencidas, sentei-me naquele banco para fazer um balanço.
Foi então que chegou o comunista, com um pacote do jornal Novos Rumos, que lhe era enviado daqui do Rio para distribuição naquelas bandas. Chamava-se Mário, figura de utilidade reconhecida por se tratar do dono de uma mecânica e borracharia, tão socialmente aceitável quanto os espíritas, os crentes e os maçons. Ele sentou-se ao meu lado. Acendeu um cigarro, deu uma baforada nele, pigarreou e puxou assunto.
Depois de dizer que havia lido uns artigos que eu vinha escrevendo para uma gazetinha da cidade, perguntou-se se tinha algum plano para o futuro. 'Escrever.' Não se mostrou surpreso com a minha resposta. 'Quer ser jornalista?' Não foi a sua pergunta que me surpreendeu, mas a sua garantia de que, se era isso o que eu queria, ele poderia me abrir uma porta. Na capital!
O estoico Hermínio Sacchetta (mais sobre ele aqui)

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, aquele borracheiro que vivia todo sujo de graxa, estava à minha espera na estação ferroviária, de acordo com o combinado. De banho tomado e vestido num impecável terno branco. 
E já com dois bilhetes para o trem mais caro e mais bonito, tanto que era chamado de Marta Rocha, em alusão à beldade baiana que por duas polegadas a mais ou a menos (já não me lembro) não conquistou o cetro de rainha da beleza universal.

Ao chegar a Salvador, logo nos vimos diante de uma recepcionista. 'Quem deseja falar com o doutor João Falcão?' Não foi preciso anunciar o nome. Uma voz veio lá de dentro: 'É você, Mário?'. Em questão de minutos atravessamos uma rua. E chegamos ao prédio do Jornal da Bahia, na companhia do seu dono.
Lá fiquei. Mário se foi. Deixando-me um forte motivo para querer bem aos comunistas". 
 
Clássico do cinema político, Os companheiros (1963) resgata o
idealismo fervoroso do movimento operário de outrora e dos ativistas
que organizavam as lutas dos explorados. Mais sobre o filme aqui

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