A balada de Narayama (d. Keisuke Kinoshita, 1958, c/ Kinuyo Tanaka) é sobre uma matriarca que, próxima de completar a idade-limite de 70 anos, começa a preparar-se para subir ao topo de uma montanha sagrada e aguardar a morte, como faziam os moradores de sua aldeia isolada e miserável, a fim de que sobrassem mais alimentos para os jovens.
O primogênito, contudo, não se conforma com sua plácida aceitação do sacrifício e tudo faz para dissuadi-la de seguir a tradição, daí resultando a tensa dramaticidade deste clássico do cinema nipônico que aborda uma situação então já pertencente ao passado (final do século 19), quando havia mesmo carência de alimentos e muitas outros requisitos da vida civilizada no Japão.
A economia do país só decolaria na segunda metade do século 20, graças:
— à assistência para a reconstrução concedida pelos Estados Unidos (até porque precisavam minorar os terríveis danos à sua imagem acarretados pelos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki); e,
— depois, aos maciços investimentos em tecnologia, que permitiram ao Japão inundar o mundo com bilhões de rádios Spica, o primeiro, e por isso mesmo popularíssimo, instrumento de comunicação eletrônica portátil da História.
Lembrei-me de disponibilizar este filme cá no blog porque, em pleno século 21, temos um presidente com visão idêntica à dos japoneses daquele vilarejo do século 19: ele não deixa nenhuma dúvida quanto à sua convicção de que os idosos são descartáveis e, se forem dizimados pela covid, não farão nenhuma falta.
Além da desumanidade chocante do genocida, é sempre bom lembrar que o Japão, conjunto de quatro ilhas rochosas e parcialmente impróprias para a agricultura, sofria muito com a escassez, algo que decididamente não ocorre com o Brasil do século 21, onde em se plantando, tudo dá e onde a pecuária pode oferecer proteínas mais do que suficientes para cada um dos aproximadamente 212 milhões de habitantes.
O nosso problema não é a escassez, mas a péssima distribuição da fartura, devido a uma das desigualdades econômicas mais acentuadas e pornográficas do planeta. Para a qual em muito concorre, sem dúvida, o palhaço sinistro – que, este sim, prestaria um inestimável serviço aos brasileiros e à humanidade indo para o topo de uma montanha aguardar que o diabo o carregasse. (por Celso Lungaretti)
Este filme tem legendas em inglês mas, em configurações, elas podem
ser trocadas por espanholas, se alguém preferir. Depois, em 1983,
foi feita nova versão, que recebeu a Palma de Ouro de melhor
filme do Festival de Cannes, mas não está disponibilizada
com legenda nenhuma no Youtube.
2 comentários:
Oi Celso, tudo bem por aí contigo?!
Obrigado ao cronista e ao cidadão, que coloca as informações, o equilíbrio e sensatez, acima das ideologias e das divergências.
Boas festas, Saúde a você e aos seus, Forte abraço do Hebert!!
Um forte abraço e tudo de bom, Hebert. E que 2021 seja um ano de verdade, pois este é melhor esquecermos o quanto antes...
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