Vale a pena dar uns pitacos sobre a coluna desta semana do cronista, cientista político e escritor português João Pereira Coutinho, publicada pela Folha de S. Paulo (acessem-na aqui).
Ele aborda duas mazelas brasileiras. Uma é o que ele chamou de literalismo, provavelmente acreditando que a avalanche de processos movidos em todo o país pelos zumbis que obedecem cegamente aos pastores da fé mercantilizada se devesse a uma indignação autêntica com este gracejo do escritor J. P. Cuenca, parafraseando Jean Meslier:
"O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal".
Trata-se uma prática odiosa, é claro, mas Coutinho erra ao levar a sério os proponentes de tais ações, cuja esmagadora maioria jamais tomaria dela conhecimento por si própria nem teria a mínima noção do que a frase significa, se não viesse ilustrada por figurinhas...
Não é a primeira vez que tais zumbis são levados a fazerem brotar denúncias como cogumelos, sem sequer a originalidade de utilizarem arrazoados diferentes entre si. Recebem o pacote fechado e apenas cumprem as ordens daqueles que são donos de suas vontades.
Aliás, o Judiciário já conta com uma ferramenta para evitar que a vítima de tal chantagem seja obrigada a ir defender-se em todo o território nacional: o incidente de resolução de demandas repetitivas, que permite unificá-los e julgá-los todos de uma vez só.
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LOBATO E OS RATOS QUE RUGEM – Bem mais séria é a campanha de difamação do escritor que ensinava os jovens a pensarem, estimulando-lhes o desenvolvimento de um espírito crítico desde a meninice.
Uma consequência tardia dessa micareta foi a iniciativa de uma bisneta que, com a melhor das intenções, deturpou irremediavelmente a obra de Monteiro Lobato, ao efetuar correções para uma reedição de todos os volumes. Amarelou diante da grita dos incultos, traindo a memória do bravo guerreiro que foi seu bisavô!
Se há algo de que me orgulho é ter sempre identificado desde cedo os ovos de serpente e haver feito tudo que podia para esmagá-los antes que eclodissem.
Além dos superlativos méritos intelectuais, Lobato tem de ser respeitado pela firmeza com que enfrentou a ditadura varguista na vida real, sendo perseguido como escritor e preso como cidadão por haver honrado suas convicções. Ou seja, era bem diferente dos que tentaram imputar-lhe racismo, esses caçadores de holofotes que passam a vida inteira escarafunchando em arquivos empoeirados, na esperança de encontrarem algum ouro de tolo que sirva para, mediante óbvias forçações de barra, ser acrescentado a esse index montado pelas hordas de fanáticos iletrados e que só é acreditado nas redes insociáveis...
Então, estive entre os primeiros a posicionarem-se contra essa nova forma de censura e patrulhamento ideológico. E foram muitos os artigos que escrevi contra tais caçadores de bruxas (eis, p. ex., aquele em relatei o final vitorioso da batalha, embora os derrotados se comportassem exatamente como o Trump faz agora, insistindo em não reconhecer o óbvio ululante).
Sem falsa modéstia, creio ter, ao longo dessa cruzada em defesa do respeito à integridade das criações artísticas:
— cunhado a expressão que melhor qualifica esses diletantes maquiladores do passado (patrulheiros cricris); e
— lançado o argumento mais irrespondível de toda essa polêmica, qual seja o de que temos é de mudar o mundo, e não a maneira como nos referimos às coisas do mundo.
Pois o segundo caminho é bem mais fácil e menos arriscado, mas não resolve absolutamente nada, só servindo para dar a pusilânimes a ilusão de que estão sendo inconformistas. Pobres ratos que rugem, como são patéticos! (por Celso lungaretti)
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