sábado, 21 de novembro de 2020

NEM EVANGÉLICOS ESTAVAM A SALVO DAS CAÇAS ÀS BRUXAS NOS ANOS DE CHUMBO

Foto de Anivaldo Padilha ilustrando chamada da revista IstoÉ (junho/2011)
rui martins
TEREMOS UMA ESQUERDA EVANGÉLICA NO BRASIL?
Diante do crescimento dos evangélicos no Brasil e de sua atual interferência na vida pública e política do país, não se limitando portanto aos sermões e hinos nas igrejas, seria oportuno saber em que direção agem os chamados homens e mulheres de Deus.

Para isto, seria importante separar as igrejas evangélicas tradicionais, implantadas no Brasil há mais de um século (como as presbiterianas, metodistas, batistas, chamadas de protestantes tradicionais), dos movimentos evangélicos mais recentes, derivados do pentecostalismo estadunidense, introduzido no Brasil no começo do século passado e representado pelas igrejas Congregação Cristã, Assembleia de Deus e, mais recentemente, a Igreja Universal.

De maneira geral, os evangélicos tradicionais pertencem à classe média ou com uma renda mensal de três salários mínimos, enquanto os evangélicos recentes se compõem de igrejas populares, congregando, na quase totalidade, fiéis de baixa renda ou pobres. 

Talvez por isto sintam-se atraídos pela doutrina básica evangélica, o Evangelho da Prosperidade (ou seja, numa melhora econômica de vida propiciada por Deus aos seus seguidores).

A Igreja Presbiteriana chegou ao Brasil pelo missionário estadunidense Ashbel Green Simonton, na metade do século 19; em meados do século passado, já possuía dois conhecido deputados estaduais por São Paulo, Osny Silveira e Camilo Ashcar. Advogado, eleito em grande parte pelos presbiterianos, o segundo era da UDN, partido da elite paulistana visceralmente oposto aos trabalhistas.

Pouco antes do golpe militar de 1964, o Brasil fervia com o movimento pelas reformas de base, durante a presidência de João Goulart. Era a discussão de medidas sociais necessárias para acabar com a miséria e a desigualdade social na sociedade brasileira. 

Tal efervescência chegou até à juventude das igrejas protestantes, geralmente nas capitais como São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte.

Talvez pela primeira vez, os jovens líderes presbiterianos que dirigiam a União da Mocidade Presbiteriana ousaram propor no seu congresso nacional e na sua revista nacional, Mocidade, uma variante aos costumeiros textos religiosos de salvação eterna pela crença em Cristo –um outro tipo paralelo de salvação da miséria e da inegabilidade social pelas reformas de base.

Isto acabou provocando um golpe dentro da Igreja, determinado pelo Supremo Concílio Presbiteriano: foi extinta a Confederação da Mocidade, anulados os congressos nacionais da Mocidade, fechada a revista Mocidade e demitidos os seus funcionários. Alegou-se suspeição de desvios políticos de esquerda, termo não muito utilizado na época, preferia-se chamar de comunista.

Logo a seguir, houve praticamente uma intervenção nos seminários presbiterianos com demissão dos seminaristas suspeitos de apoiarem o movimento pelas reformas de base, acusados de criptocomunistas. Uma figura se destacou nessa caça aos esquerdistas, o reverendo Boanerges Ribeiro, que chegou a ser diretor do Instituto Mackenzie.

Entre os metodistas, o jovem jornalista Anivaldo Padilha (foto no topo) foi preso no Rio de Janeiro, denunciado pelo bispo e pastor metodista de sua igreja como comunista, José e Isaias Sucasas. Preso e torturado, conseguiu se exilar.

Seu filho, Alexandre Padilha, foi mais tarde ministro no governo de Dilma Roussef. O depoimento que prestou à Comissão da Verdade e sua história, juntamente com a de outros denunciados e perseguidos pelas igrejas protestantes na época da ditadura militar, foram enfocados em longa reportagem da revista IstoÉ  na primeira quinzena de junho/2011. 

Poderíamos terminar afirmando não existirem evangélicos de esquerda no Brasil. Mas seria esquecer de João Dias de Araújo, pastor da Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, já falecido, um dos expulsos do seminário de Recife, autor do livro Inquisição sem Fogueiras.

Além de pregar a participação de cristãos na luta por conquistas sociais, ele se destacou também por haver composto a letra do hino religioso de fundo social cantado na sua igreja, Que estou fazendo, no qual uma estrofe diz:
"Há muita fome no meu país/ Há tanta gente que é infeliz/ Há criancinhas que vão morrer/ Há tantos velhos a padecer/ Milhões não sabem como escrever/ Milhões de olhos não sabem ler/ Nas trevas vivem sem perceber/ que são escravos de um outro ser/ Que estou fazendo se sou cristão/ se Cristo deu-me o seu perdão?"
São minoritários, mas há dentro do protestantismo tradicional religiosos de esquerda.

E agora, no seio do evangelismo popular recente, um dos sustentáculos e apoios do presidente Bolsonaro, de ideologia nazifascista? Tirando-se a Marina Silva, declaradamente de esquerda, não deve haver.
A própria ideologia, o Evangelho da Prosperidade, de concepção capitalista, uma espécie de negócio ou acordo lucrativo com Deus, elimina o conceito de esquerda, em favor de uma teologia popular individualista. Ao contrário de esquerda, é um incentivo aos movimentos de extrema-direita.

Na Alemanha dos anos 30, Adolf Hitler organizou uma Igreja Cristã Alemã, que o apoiou na guerra. A maioria aceitou, mas, felizmente, nem todos. E havia o teólogo Karl Barth. 

Desgraçadamente, aqui no Brasil não temos Karl Barth, mas sim Edir Macedo e Silas Malafaia apoiando um governo nazifascista.

Não, não há um evangelismo popular de esquerda no Brasil! (por Rui Martins)

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