domingo, 15 de novembro de 2020

NÃO ADIANTA REZAR A DEUS NO INFERNO – 2

(continuação deste post)
A
s revoluções armadas sempre tiveram a contradição de sua vitória e sustentação obtidas por um poder armado como forma de defender o desarmamento justamente porque necessitavam manter a guerra de posição como defesa ante a contrarrevolução; revolução é, sobretudo, consciência social coletiva e sedimentada sobre um querer determinado contra o que está posto e envelhecido.

Governar com mecanismos constitucionais e institucionais de sustentação de uma ordem econômica que atinge o seu limite de expansão e vive momento de implosão da própria forma, que é a causa da crise econômica sistêmica e mundial, somente deve interessar aos beneficiários dessa ordem e não ao povo (esse povo martirizado, como estão a denunciar as estatísticas dos próprios governos legitimados sob tais critérios). 

A nós cabem outras proposições, ainda que elas demorem a se consolidar na consciência popular como proposições válidas, de vez que cada indivíduo social ainda age dentro do seu interesse mais imediato, seja para conseguir um calçamento para a sua rua, um posto de saúde no bairro; para salvar o seu emprego público ou privado mais imediato; para escolher entre o péssimo e o tolerável; e até para escolher ver a árvore ao invés de olhar para a floresta.

Torci pela derrota do presidente destrumpelhado, assim como estou feliz por ver a desilusão de tantos eleitores do Boçalnaro, o ignaro à medida que o dito cujo vai deixando pelo caminho as bandeiras de combate à corrupção, superação da velha política, retomada do desenvolvimento econômico,  melhora da renda per capita, equilíbrio das contas públicas, etc., etc., etc.

Estão também desmascaradas as proposições dele de práticas políticas antiglobalistas num mundo marcado pela competitividade capitalista autofágica internacional: ainda que elas sejam mesmo depressivas, representando uma desesperada fuga para a frente, os pretendidos retrocessos ao status quo ante apenas agravariam as mazelas atuais, antecipando o colapso que se anuncia.

A saída seria um transnacionalismo sob critérios de ajuda intercontinental e de uma produção voltada para o atendimento ecologicamente sustentável de necessidades de consumo mundiais.

Ora, é evidente que tal proposição não pode se circunscrever a processos eleitorais nos quais repetidamente se escolhe entre projetos políticos ruins ou péssimos. 

Governar com olhos voltados para a solução de problemas sociais que se avolumam (na economia e na ecologia) é como querer que o Estado opere milagres, ou seja, faça o bolo sem ingredientes necessários; ou querer que o diabo seja bonzinho. 

Os Estados estão cada vez mais falidos, portanto governar significa administrar a escassez. Tal gestão somente deve interessar:
— aos que se beneficiam das atividades econômicas; 
— aos que têm a ingenuidade de acreditar que a institucionalidade possa conspirar contra o capital que a formatou; e
— aos partidos de esquerda que agradecem as migalhas concedidas pelo poder burguês ao segmento político legitimador da ordem política que dá sustentação à ordem econômica, o verdadeiro poder.

A nós cabe negar o Estado enquanto instituição vertical que jamais poderá ser pró-povo, e quem participa do processo político-eleitoral jamais pode negar aquilo a que pertence, até porque começa jurando fidelidade à constituição burguesa. 

Respeito a opinião bem intencionada dos que fazem o apoio crítico aos candidatos que estão no campo das lutas populares, principalmente quando esclarecem sobre o day after de tal apoio. 

Combato o sectarismo maniqueísta que iguala conservadores e progressistas como se fossem inimigos comuns; mas entendo que o caminho da contestação consequente, ainda que de difícil sedimentação, é o único eficaz, pois terminará por prevalecer diante de uma conjuntura que se transforma numa velocidade nunca antes ocorrida. 

Daí a minha negação ao voto, que se foi importante numa conjuntura social da fase de ascensão capitalista contra governantes autocráticos e na busca de participação social de segmentos segregados (como p. ex., o voto das mulheres na primeira metade do século passado, e contra a ditadura militar de 1964/1985), já não o é no momento atual, quando vivemos a era da ingovernabilidade. 

O povo está sofrendo e é nosso dever emancipá-lo, ao invés de lhe darmos remédios paliativos que não atenuam a dor e somente desgastam os que assim lhe acodem.

Se os alicerces estão erodidos, porque seremos nós a fortalecê-los? (por Dalton Rosado)

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