terça-feira, 6 de outubro de 2020

FIRME E FORTE AOS 70, COMO BEM DIZIA O RAULZITO: A GENTE AINDA NEM COMEÇOU!

Era menino inquieto,
inteligente e tímido,
projetando mais que fazendo,
sonhando mais que vivendo,
buscando nos versos
o que faltava em atos.
Conheci o amor
junto com a revolução:
era o espírito da época.
Mergulhei nos livros,
descobri os profetas,
me encontrei na luta.
Vencer ou morrer
era nosso lema.
Ter sobrevivido
aos companheiros
e ao sonho –
que fardo terrível!
Reconstruir-me durante
a grande prostração.
Inventar motivos
para continuar vivendo.
Loucos sonhos dourados.
Liberdade em microcosmo.
Depois das tempestades,
a insossa rotina.
Ao invés do amor maior,
o mero prazer.
Após a redenção do homem,
a ascensão profissional.
Meio século escorreu
entre os dedos,
mas não aceitei
envelhecer e definhar,
nem me deixei abalar
pelo atual retrocesso.
Não plantei árvore,
livros, sim, alguns!
Minhas filhas são tudo de bom
(que Brasil lhes vou legar?!).
Amor tive e mais buscarei.
"A gente ainda nem começou!".
Observação – O que eu teria de relevante a dizer, no dia em que me torno septuagenário? 

Depois de refletir um bocado, cheguei a esta conclusão: cabia um balanço da minha trajetória (incompleto, porque a conta ainda não fechou e tenho a esperança de cumprir algumas missões que me atribuí e por enquanto estão inconclusas), mas o principal seria uma profissão de fé: o fato de eu continuar até hoje honrando opção revolucionária que fiz na virada de 1967 para 1968. Aqueles cujas opções são conscientes, não trocam de causas como quem troca de sapatos...

As décadas transcorridas só fizeram aumentar a minha convicção de que é imperativo superarmos o capitalismo, até porque agora é a própria salvação da espécie humana que está em xeque.

De resto, sou um genuíno herdeiro da Geração 68 (ao contrário de tantos que se fizeram passar por tais, mas, na verdade, detestavam aquelas ousadias todas e depois agiram sempre em sentido contrário, ressuscitando a esquerda velha que havia sido varrida de cena naquele momento culminante de ascenso revolucionário). 

Então, ocorreu-me que o melhor complemento para a minha poesia seriam canções do artista brasileiro mais sintonizado com o espírito dos anos rebeldes: o Raulzito, de quem guardo a lembrança dos nossos papos etílicos varando a noite.

Saiu assim. Espero que tenham gostado. (CL)   

2 comentários:

celsolungaretti disse...

Caro Celso,

agora você se junta ao clube dos setentões ao qual eu me juntei em abril. Temos a felicidade de olharmos para trás e nos sentirmos confortáveis por termos lutado por aquilo que sempre acreditamos, ou seja, contestação das mazelas sociais de uma sociedade estratificada em classes sociais que cada vez mais provoca um fosso profundo entre os que comem e os que trabalham como consequência de uma lógica escravista que martiriza a humanidade há milênios e que agora dá sinais de profunda inviabilidade como relação social minimamente eficaz.

É isso que compensa todas as dificuldades materiais de que somos vítimas em razão de nossa nobre opção. Esse é o combustível que nos dá forças para continuar vivos e contributivos. Você se inclui entre aqueles a quem Bertold Brecht classificou como imprescindíveis.
Parabéns e vida longa! (Dalton Rosado)

Mário Gomes disse...

Parabéns.

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