segunda-feira, 26 de outubro de 2020

EM VEZ DE VITÓRIA FINAL DO CAPITALISMO, A QUEDA DO MURO DE BERLIM FOI O INÍCIO DE SUA DEBACLE EM ESCALA GLOBAL – 3

(continuação deste post)
         Maria Luíza Fontenele reunida com seu secretariado: contradições insolúveis. 
C
omo secretário de Finanças de Fortaleza/CE, fiz parte do poder político, mas tendo uma referência revolucionária. Pude então comprovar as (e me deparar com as) contradições irresolúveis que tal exercício nos impunha. 

Um bom exemplo é o da empresa de transporte municipal sob nossa responsabilidade, naquele período da inflação galopante pós-fracasso do Plano Cruzado. 

Eis alguns aspectos dessa emblemática experiência:
— os insumos (pneus, peças sobressalentes, combustível, manutenção, etc.) aumentavam de preço todos os dias, e muitas vezes duas vezes ao dia, e assim, obrigando-nos a aumentar o preço da tarifa sob pena de inviabilizarmos a prestação de serviços de transporte por nossa própria empresa;
— os trabalhadores estavam sofrendo com a perda de poder aquisitivo diária causada pela inflação (como agora ocorre com os alimentos) e não podíamos reajustar seus salários ao mesmo tempo, pois tais aumentos só podiam ser concedidos em datas adrede fixadas (e assim mesmo abaixo da inflação, por conta da precariedade das receitas);
— a alternativa era aumentarmos as tarifas, salvarmos  a empresa e sacrificarmos  seus trabalhadores, ou não darmos o aumento das tarifas e privarmos os trabalhadores em geral do sagrado direito de se locomoverem para o trabalho.
       Dá para imaginar Lênin discursando em pé sobre uma carroça na Moscou de hoje?
.
Optamos por não dar a tarifa e, assim, sofremos não só a necessidade de suprimento financeiro com subsídios a nossa empresa municipal, retirando verba de rubricas de demandas sociais importantes e nos endividando ainda mais, como também tivemos o locaute de empresa privadas de transporte. 

O resultado é que a população se voltou contra nós, pois ela tinha todo o direito de cobrar um transporte eficaz e a preços compatíveis com seus combalidos salários. 

As contradições inerentes à insolúvel equação capitalista contida no binômio exploração versus satisfação cômoda das necessidades de consumo caíra no nosso colo, como revolucionários que éramos e somos. 

Esta e outras situações ainda mais graves nos ensinaram que não nos cabia participarmos de algo (o poder político burguês, privado ou estatal) que, para nós, é tão estranho como o são, para os trabalhadores, os objetos por eles fabricados sem que tenham direito à propriedade dos ditos cujos. 
O ESTADO MARXISTA TRADICIONAL  Se se pode atribuir à revolução russa de 1917 e à revolução chinesa de 1949 algum mérito, foi o de resgatar ditos países da condição de periferia da periferia do capitalismo ocidental. 
       
Ou Mao, com aquela túnica tradicional, recebendo mega-investidores em Xangai?
.
Não devemos nos esquecer que a monarquia czarista mantinha a Grande Rússia num atraso considerável em relação aos países europeus. Apenas São Petersburgo era um pouco mais industrializada no início do século 20. 

Com a revolução bolchevique de 1917, que instalou a primeira experiência mundial de um Estado dito proletário, fecharam-se as fronteiras internacionais russas e o país pôde, graças ao seu imenso território e potencialidades materiais (tal como ocorre com o Brasil nestes termos) manter-se materialmente viável e impulsionar o seu desenvolvimento cultural e tecnológico, que foi capaz de se contrapor ao poderio militar germânico na 2ª Guerra Mundial, iniciada em 1939.

Mas, como o uso do cachimbo entorta a boca, a continuidade de prática dos pressupostos capitalistas monopolistas num regime político extremamente fechado, no qual se praticavam as mais cruéis formas de injustiças e deformações de direitos civis, acabou gerando tamanha perda de dinamismo econômico e social que o regime teve de se conformar com uma abertura política e com a volta do mercantilismo tradicional. 
     Mas, aderentes ao capitalismo agônico,  Rússia e China compartilharão seu destino
.
Contudo, a pretensa vitória da reação e do capitalismo mundial, que se expressou simbolicamente na queda do muro de Berlim em 1989, coincide, exatamente, com o início da debacle capitalista mundial e com seu ponto de inflexão para baixo, prenunciando um colapso político e econômico mundial sem precedentes na história. 

Seguiu a mesma trilha a China de Mao Tse-tung (um admirador inveterado de Stalin), país que continua mantendo uma ordem política fechada, ditatorial, mas que trilhou o mesmo caminho na questão econômica, sendo hoje um gigante (ainda que com os pés de barro) da economia capitalista mundial.

Ela está solapando o capitalismo por seus próprios fundamentos (sem o desejar conscientemente, pois dele se tornou dependente)  e vai sucumbir ao seu lado, juntamente com toda a lógica à qual aderiu.

A China de hoje, comparativamente ao final dos anos 1940, é um outro país. Mas,  cumprida essa etapa desenvolvimentista vertiginosa, já começa a experimentar a indigestão representada pela própria ilogia capitalista que a fez superar a miséria dos tempos dos mandarins chineses. 

A verdadeira revolução está em curso, cabendo a nós criarmos, conscientemente, os pressupostos de sua consecução emancipatória definitiva. 
(por Dalton Rosado) 

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Dalton.

Muito boa sua análise do "estado marxista tradicional" que é, segundo entendi, um capitalismo de estado, pois não abdicou das categorias fundamentais do capital, dinheiro, trabalho assalariado, propriedade privada (estatal). Daí, a sua reversão em capitalismo real, mas com regimes políticos fechados.
***
O documentário American Factory mostra as condições a que são submetidos os operários chineses. A cena que mais me impressionou foi a que mostra duas mulheres recolhendo cacos de vidro (era uma fábrica de para-brisas) sem luvas ou quaisquer outros materiais de proteção. Isso no interior da fábrica e contratados pelo dono da empresa.
Então, na China, ao capitalismo mais feroz associou-se o mais draconiano dos regimes políticos.
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Em honra ao grande Marx queria lhe contar que em um das contas que sigo no Twitter uma pessoa asseverou que ele seria "lixo".
Ocorre que hoje, dia do COPOM, estava a dita cuja perguntando se os juros subiriam.
Senti um certo prazer malsão em mandar um print da capa de "Para a Crítica da Economia Política - Salário, Preço e Lucro - O Rendimento e suas Fontes" e perguntei se leu.
Silêncio sepulcral.
Para ser honesto, só li O Rendimento e suas Fontes o que basta para qualquer um entender que não haverá alta nos juros.
As alternativas do Estado são: aumentar impostos e/ou emitir moeda (inflação = imposto indireto).
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Impressionante força da negação nessa turma.
O barco do capital encalhou na praia da mesquinharia e não tem mais como navegar.
Kabousse!
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Decerto a revolução está se fazendo. E o capitalismo não tem nada a oferecer para a solução dos problemas sociais.
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As fictícias curvas de juros futuros me fazem perguntar por que os caras não pensam em como será paga a dívida indexada por esses juros?

SF


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