quinta-feira, 15 de outubro de 2020

ATENÇÃO, MORALISTAS RANÇOSOS E RANCOROSOS: É PROIBIDO PROIBIR A IRREVERÊNCIA MUSICAL BRASILEIRA!

rui martins
DEUS QUER GOSPEL 
E NÃO MPB
A música brasileira é pagã, imoral, idólatra, esquerdista, degenerada ou coisa parecida? 

Imagino como reagiria o ministro da Educação Milton Ribeiro, um presbiteriano dos bons, da linha reacionária, acusado de homofóbico, se escutasse ou visse pelo Youtube o Johnny Hooker interpretando Flutua ou, na mesma linha, A Gente Junto com Ana Vitória.

Se pudesse, no mínimo tiraria do ar, do som, da imagem e do mercado.

Agora, qual seria a reação dos líderes evangélicos Silas Malafaia (que berrava querer um ministro tremendamente de direita, ou seja, de extrema-direita ou neo-nazifascista) e do Edir Macedo diante das sem-vergonhices, quando não esquerdices, cantadas e mostradas nos clips de música brasileira dos novos compositores da safra em formação?

Por estas e outras, a direção dos evangélicos tem um objetivo — transformar a música popular brasileira, MPB, pagã e pecadora, em GLD, ou gospel de louvores a Deus.

Composições para serem cantadas em festinhas de aniversários, noivados e casamentos, sem agarrações e beijações, como mandam a Bíblia e as atuais autoridades sanitárias para nos proteger do coronavírus.
Só se… Só se a reconversão do presidente Bolsonaro ao Centrão repercutir mal na expansão do evangelismo que, há alguns meses, se previa como capaz de ultrapassar, os 50% da população brasileira.

Porém, na hipótese de prosseguir a evangelização brasileira, nos moldes estadunidenses, não serão mais possíveis, por ofenderem a Deus, os grandes sucessos carnavalescos populares irreverentes como o capcioso Mamãe eu quero mamar, cantado por Carmen Miranda, em 1950, e o irreverente Eva me leva pro paraíso agora, de Haroldo Lobo, desrespeitoso com a história bíblica de Eva no Paraíso. 

Esses dois sucessos seriam colocados no index, e ficaríamos com aquela dúvida — se Deus existisse seria um cara sério demais, sem jogo de cintura?
Seria assim, tipo tristeza não tem fim? Como dizia Vinicius de Moraes, a felicidade do pobre parece a grande ilusão do Carnaval. Mesmo assim, A Felicidade, esse grande poema seria condenado ao ostracismo por não falar no amor de Deus e pecar por citar o Carnaval.

Nessa destruição iconoclasta da nossa cultura musical, não escapariam nem aqueles versos poéticos pungentes do Humberto Teixeira quando a lama virou pedra e mandacaru secou, contando o drama dos retirantes da seca nordestina, na voz do Luiz Gonzaga. Assim como Asa branca.

Muito menos as canções da boemia, como a do apaixonado pela mulher do cabaré, Quem há de dizer, cantada pelo rei da voz, como era conhecido Chico Alves.
Mas a música popular brasileira, tem sido de resistência — Chico Buarque com Construção, Geraldo Vandré com Caminhando, Gilberto Gil com Procissão, Caetano Veloso cantando É proibido proibir. Com uma pausa romântica de Roberto Carlos, da jovem guarda, buzinando seu Calhambeque em plena ditadura militar.

E há as músicas da bossa nova, como Chega de saudade, de João Gilberto, e Garota de Ipanema, de Tom Jobim. 

Existem ainda as canções bregas, a música sertaneja, Tom Jobim, Jair Rodrigues, Nara Leão, Elis Regina, Raul Seixas, Marisa Monte, a Legião Urbana (com Que país é este) e Cazuza e tantos outros cantores, compositores, condenados ao ostracismo musical para dar lugar aos gospels.

Será mesmo? Não acredito! A inspiração brasileira é mais forte e mais livre. (por Rui Martins)

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