domingo, 27 de setembro de 2020

INVESTIGAÇÃO EM 88 PAÍSES COMPROVA A CONIVÊNCIA DOS GRANDES BANCOS COM LAVAGEM TRILIONÁRIA DE DINHEIRO – 2

(continuação deste post)
N
ão deve, portanto, nos causar surpresa que transite livremente por contas bancárias, acobertado pelo sistema financeiro internacional, o dinheiro do tráfico de entorpecentes.

Até porque se trata de uma mercadoria que gera lucros tentadores para os seus produtores e traficantes, daí a impossibilidade de lhe darmos fim  enquanto enquanto não superarmos o próprio dinheiro...

Ora, se o dinheiro da máfia dos traficantes de entorpecentes é bem aceito pelos bancos, o que dizer do dinheiro da corrupção política e da sonegação de impostos pagos pelos trabalhadores assalariados mas que não chegam ao Estado opressor, além de outras atividades ilícitas (privadas e estatais)??? 

Os arquivos do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos revelaram, recentemente, que algumas das maiores instituições financeiras do mundo facilitaram por anos a lavagem de dinheiro, cujo valor se estima em USS 2 trilhões.

Foi a investigação de um consórcio internacional de jornalistas que analisou os documentos secretos do governo dos Estados Unidos, acabando por comprovar que bancos multinacionais permitiram que o dinheiro sujo fosse movimentado livremente.

O princípio negativo que leva um pequeno supermercado da esquina a sonegar impostos nas suas atividades mercantis, como forma de proteção contra a concorrência a que é submetido, é o mesmo princípio negativo que leva os grandes bancos que se apoiam em créditos podres a tolerarem a circulação do dinheiro sujo, mas com valor de troca palpável. 

Só se pode acumular capital com um roubo (o tempo de valor produzido numa jornada diária por um trabalhador assalariado). Como, então, pretender-se que, daí em diante, tudo seja feito segundo um critério moral diferente???

A maior parte das atividades está concentrada em seis grandes bancos multinacionais (mas, em escala menor e proporcional, também nos menores):
— Bank of New York Mellon;
— Barclays;
— Deustsche Bank;
— HSBC; 
— JP Morgan; e
— Standard Chartered Bank.
O SARs (que corresponde ao nosso Coaf, recentemente rebaixado pelo governo do capitão Boçalnaro, o ignaro, a mero instrumento de investigação subordinado ao governo, sem a independência necessária a um órgão de auditagem), foi quem efetuou os relatórios que denunciaram as atividades ilegais. 

Como ditos bancos têm inseparável interdependência com a financiamento da dívida pública estatal, calcanhar de Aquiles de todo o sistema capitalista (não a sua causa primária, pois esta é a própria lógica de produção de mercadorias), tudo tender a ser devidamente abafado para evitar-se uma repercussão negativa que certamente causaria mal maior ao sistema do que os impostos sonegados. 
Eles sempre raciocinam que é melhor deixar o carrapato sugando o sangue da vaca (o capital) do que matá-lo com um remédio forte que também mate a vaca leiteira. Não é por menos que Jimmy Kirby, conselheiro-chefe do FInCEN (organismo estadunidense responsável pelo arquivamento das informações), se recusou a comentar o caso e condenou o vazamento dos documentos.

Nada menos do que 400 jornalistas de 88 países pesquisaram, durante 16 meses, informações extraídas de documentos secretos vazados relativos ao período de 1999 a 2017, ouviram investigadores e vítimas, acessaram registros judiciais em processos criminais, comprovando a lavagem de dinheiro muito sujo (observe-se, dizemos nós, que não há dinheiro limpo) e reunindo evidências suficientes para denunciar consistentemente tais práticas. 

Graham Barrow, especialista em investigação de lavagem de dinheiro, explica:
"Não são os próprios criminosos que lavam o dinheiro. Portanto, os bancos têm um papel realmente importante, porque são o sistema pelo qual o dinheiro está sendo transferido de seu país para um lugar seguro".
Ou seja, sem a ajuda dos bancos, tais operações não seriam possíveis. É que o dinheiro, valor abstrato que compra objetos concretos transformados em mercadorias (e, portanto, com concomitante valor abstrato), fazendo o luxo e o poder dos criminosos, só poderia ficar acessível para os ditos cujos em condições de utilização segura desde que os bandidos do sistema financeiro com eles compactuassem. 

Alguém tem dúvida de que a origem ilícita do dinheiro repatriado pelos bancos internacionais para o Brasil, proveniente das contas de políticos e seus testas-de-ferro, fosse ignorada por tais bancos quando receberam ditos depósitos em transferências bancárias sigilosas??? 

O dinheiro da corrupção no Brasil não foi transportado fisicamente, mas transferido eletronicamente, com registros bancários e contas numeradas, razão pela qual pôde ser minimamente rastreado pelos complacentes mecanismos de fiscalização.

A superação do dinheiro certamente que não significará a superação definitiva da corrupção, que pode se dar por diversas formas, mas certamente que a corrupção no que diz respeito ao acesso coletivo à produção social será substancialmente reduzida. 

Diz-se que, enquanto houver dinheiro, não será suficiente para todos. 

Dizemos nós que, enquanto houver dinheiro, a corrupção, da qual ele é a substância propiciadora e primária, não deixará de existir, em escala cada vez maior. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Dalton!

Na sua concisa e primorosa definição de capital a partir do conceito de mercadoria, e não a pouco percebida "mais-valia", disse tudo.
E por ser abstrata a mercadoria "dinheiro" se presta a todo tipo de falcatruas posto que falhas no histórico de cada unidade de valor e sua característica de resolução de litígios na intermediação de trocas consideradas lícitas, permite a interpolação e acréscimo de dinheiro de origem ilícita pelos operadores financeiros, e com relativa facilidade.

Não estou muito confiante de que superaremos o dinheiro, mas o surgimento dos protocolos de certificação blockchain, e as consequentes criptomoedas, permitirá o rastreamento de cada unidade de valor abstrato desde sua origem.

Isso já deve estar sendo posto em prática, pois o único fato novo a respeito das práticas bancárias transnacionais é a divulgação pela grande imprensa.

Em comunicado ao mercado o FED concedeu até setembro (ora em curso) para alguns dos bancos que apareceram na reportagem explicarem algumas deficiências...

https://www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/bcreg20200506a.htm

De resto, na série "Dirt Money" (Netflix) as patifarias dessa turma estão escancaradas, em especial o HSBC, em relação ao tráfico de drogas.

Como eles são um clube, esse movimento dos repórteres deve valer como um aviso de que as coisas estão mudando no mundo do dinheiro.

Minha aposta é que será uma criptomoeda supranacional a substituta da moeda fiduciária emitida pelos estados-nação.

***
SF

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