quarta-feira, 23 de setembro de 2020

FÚRIA RETÓRICA DO$ PREGADORE$ É IGUAL, DESDE A IDADE MÉDIA ATÉ O BRASIL ATUAL!

E
u poderia começar dizendo que, na época de Martinho Lutero, já havia Edir Macedo, Silas Malafaia e outros. 

Eram os evangélicos daquele tempo conhecido como Idade Média: conservadores, reacionários e, pior do que isso, exploradores da fé. O mais famoso, que ficou na História, se chamava Tetzel (mais precisamente, Johann Tetzel).

O forte desse padre pregador dominicano (naqueles anos, os dominicanos nada tinham a ver com os de hoje) era a verve, sabia usar a força das palavras e era capaz de enrolar quem o ouvisse. 

Para tornar mais fortes seus argumentos diante da populaça ignara naquele ano de 1517, Tetzel gritava (para não dizer, berrava), com seu dedo indicador apontando seu público de pecadores, bons para irem arder uma eternidade no Purgatório, na fila para o Inferno.

Com sua fúria oratória (que chegou mesmo a merecer um destaque num filme hollywoodiano), Tetzel, dizem os historiadores, personificou todo o catolicismo medieval, naqueles anos de mobilização geral do Vaticano para a construção da Basílica de São Pedro, em Roma. 

Rosto arredondado, com seu ventre proeminente sobressaindo sob a batina, João Tetzel acabou ficando mais famoso do que seu superior, o papa Leão X.

A História não teria sido toda bem contada se esquecêssemos de revelar que foi desviada parte do dinheiro subtraído dos fiéis e que Tetzel respondeu a processo por imoralidade. Se houver semelhança também nisso com os Tetzel evangélicos de hoje, será mera coincidência.

Naquela época não havia os vídeos do YouTube e nem os blogs visualizados centenas de milhares de vezes (como hoje), mas a gritaria ameaçadora do Tetzel se propagou por toda Alemanha. Mesmo se o leitor não souber alemão, vai entender esta frase predileta por ele vociferada: Wenn das Geld im Kasten klingt, die Seele aus dem Fegefeur springt!.

Noutras palavras, como poderiam traduzir Malafaia e Macedo, quando as moedas caem e ressoam no cofre, sua alma sai ou escapa do Purgatório!.

A força de persuasão de Tetzel era tamanha que a campanha pelas indulgências ou perdões comprados por dinheiro alvoroçou toda Alemanha e acabou criando um opositor, menos oral e mais cerebrino: Martinho Lutero, também padre mas professor de teologia, que respondeu com suas 95 teses contra as indulgências.

A Basílica de São Pedro foi construída, os cofres se encheram de moedas, tantas e tantas a ponto de Tetzel ser repreendido por seus superiores, porém, o que foi pior para a Igreja, a estrutura monolítica do cristianismo derreteu com a Reforma. Roma ganhou uma basílica mas perdeu sua primazia.

De divisões em divisões o cristianismo chegou ao evangelismo dos nossos dias no Brasil, no qual a maioria dos chamados pastores (de gado?) sequer fez estudos de teologia. Extraordinários vendedores de barbatanas para colarinho na praça da Sé, em São Paulo, converteram-se em anunciadores do céu para todos, desde que pagos os dízimos e feitas as ofertas generosas para Deus. Como se Deus fosse um coletor de impostos.
Será que Malafaia e Macedo possuem o código sagrado capaz de abrir a porta dos céus? Não há uma Basílica de São Pedro em construção, mas igrejas evangélicas surgem e se multiplicam, aumentando o tilintar das moedas nos cofres dos Tetzel de nossos dias.

Nenhum Lutero à vista, para salvar nossa riqueza folclórica de crendices e benzeduras, de maus olhados, de sacis-pererês, substituídas pela crueza das interpretações literais de uma bíblia estadunidense traduzida sem fantasias. Nesse cemitério de mortos pelo coronavírus, também serão enterradas nossa música substituída por gospels, nossa poesia, nossa literatura profana, nossas piadas picantes, nosso prazer de viver e de pecar.

Acabaram-se empregos, o auxílio emergencial vai ser reduzido, o custo de vida dispara, mas Malafaia Macedo Tetzel continuará trocando moedas por promessas de chalés e casebres nos céus, bastando aos pobre de espírito doarem suas ofertas e se resignarem a comer seu pão seco, sem mortadela e sem presunto.

As igrejas evangélicas, além de uma série de isenções, não querem também pagar impostos – um bilhão de reais acumulados, num país de desempregados e de pobres que aceitam tirar leite dos filhos para pagarem seus pastores Tetzels, especialistas em contar lorotas sobre céus, pecados, perdões e salvações de almas.

Ainda há alguns anos, podíamos sonhar com castelos, rainhas, príncipes, cinderelas, brancas de neve, cavalos voadores, animais falantes e outras tantas fantasias, sem pagar dízimos, sem precisar fazer ofertas, sem sermos roubados por nossa ingenuidade.
(por Rui Martins)

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