sexta-feira, 24 de julho de 2020

SÉRGIO RICARDO (1932-2020): BOM DE MÚSICA E COM MUITO CARÁTER

A foto mais publicada pela mídia e o episódio mais lembrado pelo público da trajetória do compositor, músico, cantor e cineasta Sérgio Ricardo, falecido na manhã desta 5ª feira (23) de insuficiência cardíaca, são do III Festival de MPB, realizado pela TV Record em outubro/1967.

Foi quando um público esnobe, que considerava o futebol um ópio do povo, tanto vaiou sua Beto bom de bola que ele, cansado de não conseguir interpretá-la até o fim, chamou os intolerantes de animais, arrebentou seu violão e atirou-o na direção deles.

Enorme injustiça: não havia nada de alienação nesse seu tributo a Mané Garrincha e outros craques que foram espremidos até a última gota pela engrenagem capitalista do futebol e depois jogados fora.
"E foi-se a Copa/ E foi-se a glória/ E a nação esqueceu o maior craque da História"
.
Quanto a Sérgio Ricardo, merece ser lembrado, isto sim, como:
— um dos maiores nomes da MPB engajada no protesto político e social; 
— autor de trilhas sonoras impecáveis para cinema e TV;
— diretor de um curta e três longa metragens marcantes, com destaque para o criativo musical nordestino A noite do espantalho (no qual um Alceu Valença de antes da fama mandou bem como ator); e
— até como um raro exemplo de artista tão fiel à sua ideologia a ponto de, quando a radicalização da ditadura militar o tornou um artista maldito, ter ido morar junto com o povo explorado na favela do Vidigal (RJ). 
Brincadeira de Angola é mesmo uma grande música de Sérgio Ricardo 
.
Paulista de Marília, mudou aos 18 anos de idade para o Rio de Janeiro, onde foi locutor de rádio e tocava piano em casas noturnas. Ao longo dos anos 50 chegou até a trabalhar como ator de teleteatro, além de gravar alguns compactos e um LP de bossa-nova, mas sua carreira decolou mesmo foi no início da década seguinte, quando partiu para as músicas com temática social, começando por Zelão.

Em 1963 uniu-se ao Centro Popular de Cultura da UNE, entrando em contato com o pessoal do cinema novo. Como consequência, dirigiu seu primeiro longa, Esse mundo é meu, cuja canção-tema fez algum sucesso na voz de Elis Regina. 
"...brotada no teu sorriso que nem mesmo a morte arranca. E que siga
em tua estrada outro irmão com tua mão, com teu fuzil
retomado, com teu risco e decisão"
.
Em seguida, foi convidado por Glauber Rocha para compor e interpretar, em estilo de cantador nordestino, as músicas de Deus e o diabo na terra do sol

O cineasta baiano teve até de ofendê-lo ("Canta como homem, porra!") para arrancar dele uma interpretação rude, ao invés do habitual balanço sofisticado de bossa-nova. Mas compensou: parte do sucesso dessa obra-prima se deve à impactante trilha de sua autoria e na sua voz.
Aqui ele interpreta como homem o tema final de Deus e o diabo... 
.
Atravessou a época áurea da MPB como um artista consistente e respeitado pela crítica, mas que nunca obteve sucesso popular à altura do seu talento. P. ex., jamais se deu bem nos festivais, embora apresentasse trabalhos consistentes e inovadores (como o uso de versos concretistas em Girassol e Canto do amor armado).

E se manteve sempre corajoso, ousando, em plena ditadura, reverenciar o mártir guerrilheiro na canção Aleluia (Che Guevara não morreu) e criar o libelo contra a censura que foi Calabouço. (por Celso Lungaretti)
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