quinta-feira, 16 de julho de 2020

NÃO, MILTON RIBEIRO, VOCÊ NÃO É DIETRICH BONHOEFFER...

Ambos calvos e miopes, mas...
Olhem bem para esta foto de 1939 do alemão Dietrich Bonhoeffer. 

Não é exagero se dizer que nas fotos divulgadas do pastor brasileiro Milton Ribeiro, indicado para ministro da Educação, ele se parece com o seu congênere germânico.

Mas, atenção! O pastor presbiteriano santista Milton Ribeiro não é nem de longe o pastor alemão Dietrich Bonhoeffer.

Arrependo-me mesmo da ideia  de escrever um texto comparando os dois pastores. Isto porque, antes de iniciar este quarto parágrafo, fui fazer uma pesquisa sobre o teólogo Milton Ribeiro e agora me sinto constrangido por haver ousado citar Bonhoeffer no título deste artigo.

Por quê? Porque o pastor luterano alemão Bonhoeffer é um herói nacional e também europeu, com estátuas construídas em sua homenagem, não só na Alemanha como na Inglaterra, Estados Unidos e países que lutaram na 2ª Guerra Mundial contra o nazismo e seu criminoso líder, Adolf Hitler.

Porque Bonhoeffer foi um corajoso combatente da resistência alemã, quando a própria igreja luterana daquele país havia aderido ao nacional-socialismo de Hitler.

Porque Bonhoeffer foi dos primeiros a denunciar o risco do nazismo de Hitler provocar uma 2ª Guerra Mundial. E pagou caro por isso: preso num campo de concentração, foi enforcado, por ordem de Hitler, pouco antes da derrota da Alemanha.

Ainda mais, Bonhoeffer era um teólogo erudito, que não se satisfazia com interpretações fáceis e evidentes dos textos bíblicos. Estudioso da teologia de Kart Barth, não deixava de lado Hegel e Max Weber. 

Bolsista durante um ano, em Nova York, logo depois da Grande Depressão, descobriu a importância do Evangelho Social ao constatar a miséria em que viviam principalmente os negros estadunidenses.
...que enorme diferença de postura!
Seu retorno à Alemanha, depois de exercer o pastorado na Inglaterra, coincidiu com a ascensão de Hitler e da ideologia nazista. Um de seus primeiros combates foi contra o controle da Igreja Luterana por Hitler.

E o que se sabe sobre o pastor Milton Ribeiro? Alguma semelhança com a resistência de Bonhoeffer ao nazismo de Hitler na Alemanha? Não, nenhuma.

Muito ao contrário. Embora não sejam de hoje as declarações extremistas de direita do ex-deputado federal e do candidato à presidência Jair Bolsonaro, isso não impediu o pastor Milton Ribeiro lhe dar seu apoio na campanha eleitoral. E sabemos que os apoios dos pastores evangélicos em geral equivalem aos de cabos eleitorais.

O culto às armas; a afirmação de que deveriam ter sido mortos uns 30 mil opositores do regime; a linguagem violenta e suja; a defesa de uma política indígena contrária às reservas; a destruição da Amazônia; os gracejos racistas contra os negros; os achincalhes contra os homossexuais, além das denúncias veiculadas na imprensa sobre as tendências nazifascistas do candidato, não foram obstáculos ao apoio do pastor Milton Ribeiro a Jair Bolsonaro.

A recompensa não tardou: Ribeiro foi contemplado com um cargo na Comissão de Ética do governo. 

Agora, a cereja em cima do bolo é a atual indicação para cuidar da Educação, sem levar em conta tratar-se de um pastor ultra-conservador e fundamentalista, que não aprovará nenhum projeto, promoção ou atividade artística fora dos rígidos padrões morais puritanos presbiterianos, dignos dos passageiros do Mayflower e das primeiras colônias inglesas na América do Norte.

O Ministério da Educação entrará em plena Idade Média, com o risco de tentar-se modificar a Lei das Diretrizes e Bases da Educação, em vigor desde 1996, que considerou fundamentais valores como estes:
— igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; 
— liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
— pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
— respeito à liberdade e apreço à tolerância;
— coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
— gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
— gestão democrática do ensino público;
— vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; e
—  consideração com a diversidade étnico-racial.

.Com a quebra do princípio da laicidade e a pressão dos evangélicos, o novo ministro poderá permitir a influência da religião na fixação dos currículos escolares, num tipo de censura velada mas que poderá desvirtuar e corromper todo o programa educacional do Brasil. Foi isso o que ocorreu durante as ditaduras de Franco e Salazar, com prejuízo cultural enorme para Espanha e Portugal. 
É evidente que alterada a maneira de se educar, sob pressão religiosa nos princípios pedagógicos, haverá consequências noutra área – na maneira de se propor a cultura ao povo, e isto inclui espetáculos, música, cinema, teatro e literatura.

Caso continue o governo Bolsonaro ou, pior ainda, no caso de uma reeleição, a censura educacional se alastrará e vai repercutir nos programas culturais do Brasil sob o controle de igrejas e pastores, num retrocesso cultural alarmante.

E a influência do privatismo educacional estadunidense poderá chegar às universidades brasileiras, colocando em perigo sua gratuidade, o que tornaria o acesso às universidades um privilégio das classes alta e média.

Do retrocesso educacional ao retrocesso cultura bastará um passo. Haverá queima de livros considerados amorais ou imorais? Quem sabe do que será capaz o novo defensor da verdade e da moral bíblicas... 

Haverá apoio à montagem de espetáculo musicais que não sejam gospels? Até onde irá a censura ao teatro, ao cinema e à televisão?

Será punido o ato sexual sem casamento? Em todo caso, reviveremos a época antepassada em que amigar sem casar era malvisto. Num dos quatro vídeos do pastor puritano moralista Ribeiro, só vale sexo no casamento. E a punheta masculina e a masturbação feminina? Sem dúvida levam ao inferno.

Se eu não tivesse visto o vídeo do próprio pastor Milton Ribeiro não acreditaria – p. ex., nos casos de pedofilia, seriam culpadas as vítimas, por provocarem o pedófilo.

Quando sai da ordem moral, o pastor condena o bolsa-família por incentivar a vagabundagem.

Deve haver ainda muitos outros absurdos, suficientes para impedir esse pastor de dirigir um Ministério da Educação, porém um só deles bastaria para os pais e mães saírem às ruas e exigirem a demissão, antes mesmo da posse,  dessa figura: é quando Ribeiro nos revolta ao defender com voz de anjo o retorno do castigo corporal nas crianças, talvez influenciado por textos do Velho Testamento. 

Ou seja: teremos um ministro contrário ao Estatuto Nacional das Crianças, que, numa igreja, prega para seus fiéis aplicarem corretivo corporal no seu filho ou filha, a fim de andarem no bom caminho. 

O Estatuto, no seu quinto artigo, diz:
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
POR ÚLTIMO, UM ADENDO Em 1964, por influência do pastor Boanerges Ribeiro, ex-pastor da Igreja Presbiteriana de Santos, logo depois do golpe militar, foi instaurado um Inquérito Policial Militar no Seminário Presbiteriano de Campinas (hoje Seminário do Sul) e no de Recife. 

Boanerges Ribeiro é até hoje a mais importante figura do presbiterianismo brasileiro. Teólogo, intelectual e escritor, conservador fundamentalista, homem de direita, dirigiu durante 12 anos o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e, logo depois, assumiu a direção e a reitoria da Universidade Mackenzie, sempre imprimindo suas convicções religiosas e políticas.

O IPM nos seminários presbiterianos significou o desligamento de numerosos seminaristas e professores que eventualmente tivessem mostrado qualquer interesse ou entusiasmo pelas chamadas reformas de base que agitavam o Brasil da época ou que tivessem escrito ou apoiado críticas ao chamado evangelho fundamentalista, nos jornais Brasil Presbiteriano ou Mocidade.

Por Rui Martins

Depois da limpeza, com novos professores sem a mesma formação teológica inspirada nos grandes teólogos europeus, sem o mesmo espírito crítico que caracterizou a Reforma de Lutero e Calvino, não se pode esperar de Campinas, que lá voltem a surgir teólogos da têmpera de Bonhoeffer.

Outra coisa a lamentar é ter sido a defesa da laicidade no poder público uma bandeira do protestantismo, hoje ignorada no Brasil pelos evangélicos em geral. Assim, como ignoram a defesa de nossas florestas, de nossos indígenas e dos direitos humanos dos homossexuais, numa rejeição do legado conceitual da Reforma. 

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