sexta-feira, 29 de maio de 2020

MALAFAIA, SUA VERSÃO DA BÍBLIA CONTÉM O VERBO 'FORNICAR' EM LINGUAJAR CHULO?

"Resistam ao Diabo, e ele fugirá de vocês" (Tiago 4:7)
Um dia depois da divulgação do vídeo da reunião de 22 de abril último, do presidente Jair Bolsonaro com seus ministros, eu quis saber qual tinha sido a reação dos bolsonarianos. 

Levei um susto: tinham ficado eufóricos e, nas mensagens sociais circulando pela Internet, afirmavam: "Com esse vídeo, Bolsonaro está reeleito!”. Até evangélicos defendiam a baixaria.

A deputada Janaína Paschoal, fazendo-se de ingênua, saiu-se com esta: "Eu não sei se eu estou vendo a fita que vinha sendo anunciada. Realmente não sei". O próprio The Intercept cravou um placar 7 a 1 de Bolsonaro sobre Moro! 

Haveria duas versões do vídeo autorizado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal? Eu teria visto a versão hard e os outros uma soft

Não, só existe mesmo um vídeo, o mostrado nas televisões e transcrito, em suas  partes principais, pelo jornais. Será que eu pirei, não entendi, ouvi mal?

Numa hora dessas, o melhor é ir à fonte. Ouvir alguém representante do maior grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro, os evangélicos. Ora, neste caso, um dos mais indicados seria o chamado pastor Silas Malafaia, cujo canal no Youtube ultrapassa um milhão de seguidores.

Cheguei na hora certa. Malafaia tinha acabado de entrar no Youtube e estava eufórico, batia mesmo palmas de satisfação e alegria. Depois de assistir ao tão falado vídeo, Malafaia berrava: “Obrigado Moro, obrigado ministro Celso de Mello, que se transformou no maior marqueteiro do presidente Bolsonaro!”.
Foram quase três minutos de júbilo do líder evangélico. Daí não entendi mais nada. Meu pai que era presbiteriano sério e severo, me teria repreendido e me passado um sabão se, para explicar alguma coisa, por falta de vocabulário, eu utilizasse um palavrão ou uma maneira chula ou vulgar de falar.

Por mais que force a memória, não me lembro de nenhum de meus colegas da Escola Dominical ou da União da Mocidade Presbiteriana usar o que se chamava de uma “palavra feia” ou palavra de baixo calão, num jogo esportivo ou num momento de raiva.

Por isso, como o tempo mudou e os hábitos junto, quero me dirigir ao pastor Malafaia para lhe fazer algumas perguntas. A primeira delas é relacionada com a Bíblia. Quem sabe me tornei careta e estou por fora do que se passa hoje no mundo evangélico?!

A Bíblia do meu pai, que acabou ficando comigo, é uma tradução de João Ferreira de Almeida, editada no começo do século passado. 

A edição da primeira Bíblia na língua portuguesa é toda uma história. O João nasceu em 1628,  numa aldeia de Portugal e foi criado pelo tio padre. Sem grandes distrações, aprendia latim e grego com o tio; aos 14 anos já dominava esses idiomas.

Portugal vivia um período de crise econômica com a ascensão da Holanda (que chegaria a invadir o Brasil) e da Inglaterra. Mesmo na terrinha chegavam os ecos do protestantismo, tanto que João Ferreira de Almeida, ainda adolescente, se tornou protestante, foi para a Holanda e acabou missionário na Indonésia, colônia holandesa, onde passou sua vida a traduzir a Bíblia para o português.

Dessa época para cá, a tradução Almeida passou por diversas revisões para se adaptar ao português do Brasil. E surgiram outras traduções.

Por isso pergunto, pastor Malafaia, se nessas revisões se decidiu, para se popularizar a Bíblia e torná-la mais acessível ao povo, adotar a atual linguagem vulgar e chula, corrente em certas camadas da população. 

Lembro-me de que, nas descrições bíblicas de atos sexuais gerando filhos, se costumava dizer "fulano conheceu sicrana". 

Terá agora também se adotado "fulano fodeu com sicrana e ela pariu"? E, na mesma toada, “que os inimigos de Deus se fodam!'?

Se já existem versículos assim na Bíblia, entendo sua conivência com a enxurrada de palavrões pronunciada pelo presidente Bolsonaro, e imagino que alguns pastores talvez usem linguagem chula e vulgar ao atacarem o diabo, os comunistas e os homossexuais no púlpito das igrejas.

Mas, se a Bíblia ainda não se vulgarizou, imagino qual seria a reação do severo reverendo Boanerges Ribeiro, antigo presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e da Universidade Mackenzie (em São Paulo), à linguagem vulgar do presidente. Ainda que ele tenha sido também cristão de direita, apoiador do golpe de 1964 e criador do equivalente aos inquéritos policiais militares, IPMs, dentro dos seminários presbiterianos da época.

Daí minha primeira surpresa – a conivência total com tal inovação de linguagem mesmo num encontro ministerial. Espero que o chanceler Ernesto Araújo não vá mandar tomar no c... um colega seu de um país europeu que critique o desmatamento da Amazônia.

Bom, dizem que educação não se aprende na rua. Isso me lembra que, na época do Almeida tradutor da Bíblia, devia ser rei um Afonso VI, cuja diversão era ficar travando batalhas de pedradas diante do Palácio com os arruaceiros da época (como, hoje, os carreteiros à frente do Alvorada). 

Afonso VI, logo se percebeu, era maluco e acabou tendo de ceder o reinado. Qualquer semelhança é ou será mera coincidência.

Um pastor tolerante com palavrões me lembra um comentário no Facebook de uma evangélica: "Prefiro quem diz palavrão do que quem é ladrão". Ora, não acho que seja uma questão de oito ou oitenta. Eu não tenho preferência nem pelo palavrão nem pelo ladrão.

Agora, vamos às coisas mais séria, pastor. Nesse mesmo encontro ministerial, foram cometidos crimes verbais muito graves. E como o pastor aplaudiu com euforia, gostaria de saber se, passado o momento da alegria, continua aprovando tudo quanto ali foi dito.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, vai ser provavelmente processado e perderá seu cargo de ministro, por ter feito declarações grosseiras e inaceitáveis aos membros do STF. Não preciso acentuar o caráter ofensivo de tais afirmações porque o próprio ministro Celso de Mello se considerou agredido, assim como seus pares.

Pergunto ao pastor Malafaia se ainda aprova, como líder cristão, as falas beligerantes do ministro da Educação. Isto porque, como tais declarações têm um caráter anti-institucional e antidemocrático, sua cumplicidade, que pode influir sobre seu milhão de seguidores e outros milhões de evangélicos, talvez nem Deus lhe perdoe. São pecado grave.

Mais grave, porém, pastor, é sua conivência com o apelo do presidente aos seus ministros, no sentido de ser preciso se armar o povo. O pastor, matreiro como é, deve ter percebido qual o objetivo deste apelo. Ninguém arma o povo para festejar São João em junho. Armar o povo só pode ter por objetivo criar uma base civil, um apoio armado, no caso de o golpe pretendido provocar uma guerra civil.

O pastor não é surdo para se eximir. Ouviu muito bem o presidente falar em armar o povo. Como não condena tal apelo às armas, será que também deixará de reprovar o uso dessas armas por seus seguidores contra irmãos brasileiros, em contradição com os ensinos pacíficos dos Evangelhos? 

Veja bem, pastor, aqui não se trata de palavrão, nem de ofender os ministros do STF, mas de matar. Matar para defender um golpe. Foi o que entendi ao ver seu Youtube.

Porém, não é só isso. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez, no famigerado encontro, uma proposta indecorosa, desonesta, digna de bandido – Vamos aproveitar a crise do coronavírus para aprovar as leis que favorecerão a pecuária? Noutras palavras, o ministro quer favorecer a doação de terras da União para invasores de terras da Amazônia, a fim de transformar a região num imenso pasto de gado.

O pastor também aprova isso, mesmo porque forçando os indígenas a sair de suas reservas ou mesmo de suas tribos, ficará mais fácil convertê-los para Cristo? Mas, pôr em prática essas medidas exigirá violência, assassinatos e a destruição de nossas florestas. O pastor também concorda com Ricardo Salles, mesmo estando a comunidade internacional revoltada com tal crime anunciado? Isto seria cristão? Isto seria um ato evangélico?

Muitos de nós brasileiros temos ancestrais autênticos brasileiros, cuja memória não nos permitirá aceitar esses crimes e assassinatos.
Lembro-me aqui de minha bisavó índia guarani, pegada a laço aos seis anos numa floresta paulista na metade do século 19. Conceição foi assim cristianizada. 

É isto, pastor, que recomenda e aprova para a Amazônia? Vamos acabar com o povo indígena, limpar o terreno, plantar capim e milho para o gado e erguer templos evangélicos, em cima dos cemitérios dos nossos irmãos nativos?

É isto, pastor?

Se concorda também com a prisão dos governadores, proposta pela ministra Damares, por terem implantado a quarentena e protegido sua população, evitando assim a contaminação e morte de muito mais pessoas, se está eufórico com tudo isso, como vi no  Youtube, me desculpe, mas não posso nem lhe considerar cristão, mas um impostor e cúmplice de todos os erros e abusos já cometidos e dos crimes que virão. 

E o pior: cometidos em nome da Bíblia, do Evangelho e de Cristo. (por Rui Martins)

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