sexta-feira, 22 de maio de 2020

FILMES SOBRE EPIDEMIAS EXISTEM AOS MONTES. NENHUM É TÃO PERTURBADOR QUANTO "O EXÉRCITO DO EXTERMÍNIO"

George A. Romero é sempre lembrado como o relançador dos filmes sobre zumbis em 1968, quando estavam quase esquecidos, após terem sido sempre uma vertente secundária da cinema de terror, bem atrás dos vampiros, dos lobisomens, dos monstros criados por cientistas loucos, das múmias, etc.

Com sobras de celuloide em preto-e-branco que os grandes estúdios já não utilizavam porque as fitas coloridas monopolizavam o mercado e um elenco amador, de colegas de curso de cinema, ele criou A noite dos mortos-vivos, cuja grande sacada foi desvincular os zumbis da macumba haitiana e colocar contaminações ambientais como sua causa (vazamentos radiativos em primeiro lugar). 

Aí o medo distante se tornou próximo das plateias estadunidenses, entrelaçando-se com receios que elas já sentiam graças a episódios como a crise dos mísseis cubanos.

Mas, se hipóteses inverossímeis lhe trouxeram grana e fama, Romero (1940-2017) nunca foi um mero fornecedor de catarses e sustos baratos, como quase todos os cineastas que seguiram suas pegadas no filão dos zumbis. 

Tivera a cabeça feita pela geração das flores, daí ecos da contracultura serem claramente perceptíveis em alguns dos seus filmes menos famosos (os melhores em termos artísticos!), como Cavaleiros de aço (1981) e este O exército do extermínio (1973, seu quarto longa-metragem). 
Cidadãos reagem à ocupação militar de sua cidade

Trata-se de uma produção de baixo orçamento, com elenco de ilustres desconhecidos, que vale sobretudo pela história, extremamente perturbadora, pois coloca em questão os abusos cometidos pelas autoridades quando ocorre uma emergência dessas, passando por cima de uma infinidade de dispositivos constitucionais. Os ingredientes políticos colocam esta pequena pérola de Romero a anos-luz de distância dos sci-fi banais.

Avião transportando uma arma bacteriológica cai e libera um vírus que faz os contaminados se tornarem loucos furiosos. A cidade atingida é imediatamente submetida a total bloqueio militar, tanto pela necessidade de circunscrever a epidemia, como de esconder dos EUA e do mundo o tipo de experiências que os fardados daquele país andavam realizando.

Algo semelhante à atitude do governo chinês quando o coronavírus surgiu em Wuhan: não existe nenhuma prova real de que tenha sido um vírus criado intencionalmente pela China, mas sobram as evidências de que o governo esforçou-se ao máximo para esconder a notícia, o que acabou facilitando sua disseminação pelo resto do país.

É exatamente o dilema que os militares do filme enfrentam quando percebem que não conseguirão evitar que o vírus transponha as barreiras por eles erguidas, apesar de toda a truculência que empregam. O que fazer? (por Celso Lungaretti)

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