sábado, 25 de abril de 2020

NÃO SE DEIXE ILUDIR POR DELÍRIOS TOSCOS DOS ANORMAIS DA POLÍTICA. PREFIRA O PRODUTO ORIGINAL: ZÉ DO CAIXÃO!

Este personagem é coveiro assumido...
O Brasil vai se transformando num imenso cemitério, com cadáveres amontoados ao léu e um doido de pedra empoderado, totalmente descontrolado, tudo fazendo para maximizar os óbitos nossos de cada dia. 

Nada mais oportuno, portanto, do que aproveitarmos a quarentena para reavaliarmos um filme e um personagem que agora chegam a parecer até premonitórios, inclusive por ter um coveiro demente como grande atração: Delírios de um anormal (d. e c/ José Mojica Marins, 1978). 

De 1979 a 1984, quando eu escrevia sobre cinema, eram frequentes minhas andanças pela rua do Triunfo e adjacências, alguns quarteirões decadentes do centro velho de São Paulo que concentravam duas atividades: as produtoras/montadoras/distribuidoras de filmes tinham como vizinhas as esforçadas profissionais da... baixa prostituição. 

Era uma convivência sem atritos, salvo quando algum(a) representante desses grupos bebia além da conta e a coisa descambava em gritaria, cadeiras voando e olhos roxos.   

Dificilmente eu deixava de cruzar com o Zé e/ou seu fiel escudeiro, o Satã, um mulato fortão com cabeça raspada e cavanhaque (daí o nome artístico) misto de vilão coadjuvante de seus filmes, guarda-costas e faz-tudo no dia-a-dia. 

Eram gente boa, ambos. Mas, foi um período no qual o Zé só fez um filme de terror e vários de sexo explícito (um filão que eu não abordava), então apenas nos cumprimentávamos e dizíamos rápidas palavras. Era cordial o tratamento entre os habitués da boca do cinema
...mas bem pior é o coveiro enrustido da vida real

Uns 20 anos depois levei minha então esposa e uma colega dela para entrevistá-lo e fiquei surpreso com sua amabilidade e suas respostas que vinham bem ao encontro das necessidades de repórteres. Ficou uma moleza para ela escrever a matéria. 

Filho de um projecionista de cinema, assistia de graça tantos filmes quanto queria e passava horas lendo os gibis daquele tempo, principalmente os macabros. 

Aos 12 anos ganhou uma câmara e não parou mais de fazer filmes artesanais; aos 17, montou uma escola de interpretação, passando a formar ele próprio seus futuros astros e estrelas; aos 22 concluiu um faroeste caboclo, aos 27 um drama piegas e aos 28, no ano maldito de 1964, estourou com À meia-noite levarei a sua alma, iniciando a saga do Zé do Caixão.

Se os projetos anteriores foram mais aquilo que ele conseguiu viabilizar com as parcas fontes de financiamento que encontrou, atores principiantes e técnicos que davam uma força nas brechas de seus empregos principais, À meia-noite... era exatamente o filme que queria fazer. Mas, teve até de vender um caminhão para bancá-lo.

Em São Paulo ocorreu de eu passar diante do cine Art Palácio, enorme mas decadente, e me surpreender com uma fila extensa como aquele pulgueiro nunca tinha, formada por gente mais pobre do que a que costumava frequentar os cinemas da região. 

Era o início do fenômeno Zé do Caixão, um personagem que tinha tudo a ver com os filmes B de terror estadunidenses dos anos 50 e com gibis da editora La Selva que marcaram época, como  O terror negro

Como eu também curti intensamente tais filmes e tais gibis, os filmes do Zé não me surpreenderam. O próprio visual do personagem, no qual críticos e scholars enxergaram as mais estapafúrdias inspirações, eu logo percebi assemelhar-se ao de uma entidade da umbanda, o Exu Capa Preta. 

Quando os moralistas rançosos de 1964 começaram a perseguir o Zé como um mau exemplo para nossa angelical sociedade, a intelectualidade, em contrapartida, o adotou. Tornou-se cult para os transgressores artísticos, desde o Zé Celso Martinez Correa até a turma do cinema marginal

Nem tanto cá, nem tanto lá, admirei o Zé como um batalhador incansável, adorava vê-lo chocar carolas e quatrocentões, vi algum charme no seu primitivismo, mas não a genialidade absoluta que lhe atribuíam, fascinados, na verdade, com alguns momentos inspirados e com o exotismo de um universo que desconheciam. (por Celso Lungaretti)
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Toque do editor — não estava prevista, mas acabei produzindo uma continuação deste post, que os leitores podem acessar teclando aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro, CL

Esses "anormais" da política não seriam o espelho de um traço do caráter cafajeste do brasileiro médio ?

Não me interprete mal, porém, à parte as concessões ao capital feitas pelo (des)governo bozo para lhe dar sustentação, fica claro que os 30% dos "anormais" que lhe dão apoio incondicional identificam-se com o desvio de caráter do "mico", bem como com a omissão do interesse público para a satisfação dos interesses particular e familiar em todos os seus atos.

É como se esse brasileiro médio dissesse que se fosse eleito também faria rachadinhas, nomearia ministros, secretários e delegados com a prioridade de blindar a si próprio e aos seus...E que se dane projeto de nação, a decência e as gerações futuras.

celsolungaretti disse...

Anônimo das 18h57,

tudo no capitalismo estimula as pessoas a só se preocuparem consigo mesmas e com alguns entes queridos, a quererem levar vantagem dentro ou fora da lei, a tentarem se colocar em plano superior ao dos seus iguais, a mentirem, enganarem, manipularem, imporem sua vontade, etc.

Quando saí das prisões da ditadura, ainda peguei o finzinho da época das comunidades alternativas e vi pessoas esforçando-se ao máximo para se tornarem melhores do que aquilo a que eram conduzidos pela educação e condicionamentos recebidos, a dividirem equitativamente ao invés de quererem o melhor para si, a ajudarem e a compreenderem os semelhantes.

Então, eu penso que, numa sociedade na qual as prioridades forem positivas e não eminentemente negativas como ocorre sob o capitalismo, é possível, sim, tornarmo-nos todos homens novos.

Exatamente como naquelas comunidades: movidos por exemplos, desprendimento e convicções, não por leis, regras rígidas e autoritarismo.

Chegará o dia em que tocaremos adiante tais experiências, retomando o fio da meada exatamente onde elas pararam na década de 1970.

Pois é assim, e só assim, que nossa espécie conseguirá sobreviver aos múltiplos e terríveis desafios que enfrentará ao longo da atual década.

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