quinta-feira, 30 de abril de 2020

MAIS QUE NUNCA É PRECISO DE MÚSICA PARA ENTRETER E ANIMAR OS RECLUSOS!

Já que tantos leitores deste blog deverão (que remédio?) ficar em casa neste período em que a pandemia aproxima-se do seu ápice por aqui, tendo portanto pelo menos mais um mês de reclusão pela frente até as coisas (tomara!) voltarem ao normal, é um bom momento para reeditar esta série de três anos atrás, que lancei dividida em quatro partes com dez tópicos cada, reunindo-as depois num post  só.

Minha intenção era apenas recordar os artistas e conjuntos de música brasileira mais admirei ao longo do tempo. Mas, para não chover no molhado, quebrei a cabeça até encontrar um enfoque diferente do convencional. Creio tê-lo conseguido. 

Optei pela personalização, transmitindo minhas impressões individuais e intransferíveis sobre os músicos enfocados e disponibilizando os vídeos de canções que geralmente passaram despercebidas para o grande público, mas me sensibilizaram profundamente.

Não tinha uma noção da canseira que isto me causaria, pois minha passagem pelo jornalismo musical encerrou-se no final de 1984 e, desde então, não acompanhara com muita atenção a carreira da maioria desses artistas.

Naqueles tempos eu tinha tudo na minha cabeça. Em 2017 precisei atualizar-me (e muito!).

O resultado está aí. Espero que sirva para vocês pairarem um um tempinho acima da desoladora realidade deste momento. (por Celso Lungaretti)
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Alceu Valença vem dos confins de Pernambuco, mas tem formação universitária e conseguiu até uma bolsa para cursar durante três meses a Universidade de Harvard, no Massachusetts, o que o levou a aproximar-se do pessoal do flower power  e a interpretar músicas nordestinas nas praças e campus, sendo qualificado de "o Bob Dylan brasileiro" por um jornal local.
No Festival Abertura, acompanhado pelo Zé Ramalho.

Em 1975 foi um dos destaques do Festival Abertura da Globo, com "Vou danado pra Catende". E a notoriedade alavancou as vendas do seu superlativo álbum de estréia, Molhado de suor (1974), que até então passara despercebido. 

Por uns tempos ele foi ídolo de universitários, boêmios e outros apreciadores da vanguarda musical, com suas letras fortemente impregnadas de experiências vividas e sofridas, e sua síntese perfeita dos ritmos nordestinos com o rock e o blues. 

Mas, tal público envelheceu e se distanciou. E, como os novos consumidores tinham a cabeça feita pela indústria fonográfica e só queriam o trivial simples,  Alceu optou por continuar profissional da música em detrimento da fidelidade à arte; passou a fazer as bobagens alegres e dançantes em voga, inclusive folclorizando seu visual à maneira de Luiz Gonzaga.

"Solibar" é uma amostra de tão alto ele se alçou antes da aterrissagem imposta pela torre de controle do mercado. Foi bom demais enquanto durou.
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Com Jair Rodrigues no Fino da Bossa
Ary Toledo é outro grande talento que o Deus Mercado matou: passou a ganhar dinheiro como nunca depois que passou a explorar o filão das baixarias para pessoas reprimidas (que jamais ousariam ir ver uma exibição de sexo explícito na boca-do-lixo, mas quase chegavam ao orgasmo com as piadas e músicas misturando obscenidades preconceituosas e escatologia grosseira, pagando uma nota preta para assistii-lo em teatros chiques). 

Na década de 1960, antes de se tornar mais um devoto do bezerro de ouro, Ary Toledo teve participação destacada no programa Fino da bossa (e sucessores), com suas hilárias interpretações de músicas repletas de farpas políticas e sociais, como "Pau de arara", "Hey, mister", "Tiradentes", "Canção do subdesenvolvido", "O anúncio" e esta "Descobrimento do Brasil".
  
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A Banda de pau e corda é um conjunto instrumental-vocal formado em 1972 com a proposta de fazer uma leitura sofisticada dos ritmos de raízes nordestinas. 

Mais despojado do que o também pernambucano Quinteto Violado (que o precedeu em dois anos), cria seu repertório e tem um trabalho poético muito interessante, como se constata em "Lampião", uma música que grudou no meu ouvido desde a primeira vez em que a escutei.
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A barca do sol é uma banda progressiva carioca que produziu uma síntese interessantíssima entre o rock e ritmos brasileiros. Seu álbum de estréia, em 1974, foi do tipo que deixava qualquer crítico da época de queixo caído: era roqueiro, acústico e fortemente influenciado por... Egberto Gismonti (que, inclusive, dá o ar de sua graça em duas faixas)! 

Dissolveu-se em 1981, mas vários membros seguiram carreiras individuais, com destaque para a cantora Olívia Byington. 

Deixou várias canções marcantes como legado, mas nenhuma se equipara à enérgica "Brilho da noite", com seus versos cinematográficos a plantarem imagens fortes na nossa cabeça ("Fico rodando nessa estrada,/ com o grito na garganta,/ os olhos na navalha!/ O aço brilhando no escuro!").
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O que dizer, ainda, de Caetano Veloso? Superlativo letrista, revolucionário da música ao encabeçar com Gilberto Gil o movimento tropicalista, o mais polêmico de todos os grandes nomes da MPB.

Destaco, dentre tudo, o que mais me tocou: 
– no começo, seu jeitão tímido, como se pedisse desculpas, ao arrasar todos os concorrentes no programa Esta noite se improvisa (em que artistas do cast da TV Record tentavam lembrar em qual música era encontrada determinada palavra);
– no tempestuoso 1968, a ousadia de criar uma canção-manifesto no espírito das barricadas parisienses e tendo como título um de seus slogans; 

– depois, o fato de haver me antecedido em alguns meses no inferno da PE da Vila Militar, lá sofrendo terríveis agravos morais que um sargento fanfarrão fazia questão de recordar a todo momento; e 
– a dor pungente, perceptível em cada linha dos textos que mandava do seu exílio londrino para o Pasquim
Mesmo em tempos mais amenos, foi um ato de muita dignidade ele ter prestado o tributo abaixo ao imprescindível Carlos Marighella.
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O cantor e compositor baiano Carlos Pitta entra nesta relação por conta, principalmente, do seu belíssimo álbum de estréia, Águas do São Francisco (1979), fruto de uma pesquisa sobre como o feudalismo europeu impregnava o imaginário popular na região Norte do Brasil, com suas histórias de dragões, princesas, cavaleiros solitários e cantadores errantes, expressões de uma realidade bem diferente da amazônica.

Os temas foram todos compostos em linguagem de cordel e alguns deles são de cristalina beleza, como "A história do cavaleiro sertanejo com a princesa do clarear".
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O lado blueseiro do Cazuza era o que mais me atraía nele como integrante do Barão Vermelho e artista-solo. 

No seu final de vida, contudo, as insistentes notícias sobre a agonia lenta que protagonizava, de tão deprimentes que eram, fizeram com que eu me distanciasse inclusive de suas músicas. 

Para mal dos meus pecados, contudo, fui incumbido pela Agência Estado de redigir previamente seu obituário, de forma que, com alguns ajustes finais, pudesse ser colocado no telex pouco depois da confirmação do óbito. Senti-me como o próprio abutre da notícia...

Mas, sua debochada "Brasil" jamais poderia faltar nesta relação, ainda mais quando a festa, além de pobre,  se evidencia podre, mais podre ainda do que nossas piores suposições!
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Chico Buarque é outro sobre o qual já se falou e escreveu demais. Trata-se de um extraordinário letrista, tanto que foi, inclusive, o mais bem sucedido em incursionar pelo concretismo (na música "Construção", brilhante!), superando concorrentes do peso de Caetano Veloso e Walter Franco.

Mas, é-me difícil gostar de quem está quase sempre com uma percepção atrasada da realidade – como em 1968, quando permitiu que os militares o erigissem em exemplo positivo, ou seja, o bom menino cujo lirismo elogiavam enquanto desciam o porrete retórico em Vandré e nos tropicalistas, preparando o terreno para o outro porrete, que viria em seguida. 

Só em 1970, no auge do terrorismo de estado, a ficha caiu e Chico fez sua autocrítica ("Agora falando sério, eu queria não mentir/ Não queria enganar, driblar, iludir tanto desencanto").

Daí a minha preferência por suas canções de amor, que, além de primorosas, me parecem mais sinceras.

Retomando a linha de suas composições amargas e desencantadas do início de carreira, Chico lançou em 1978 esta "Trocando em miúdos", a melhor música que conheço sobre separação de casais. Ela foi então ofuscada pela contundente "Cálice", mas tem seu lugar nesta relação.
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Ednardo é um dos melhores frutos da efervescência musical cearense nos anos 70, companheiro de geração de Fagner, Belchior, Amelinha, Rodger, Teti. 

Seu LP O romance do pavão mysteriozo (1974) o projetou nacionalmente, graças à inclusão da faixa principal na trilha da novela Saramandaia, mas era muito mais do que uma moeda que caiu em pé: contava a saga de um nordestino tentando a sorte no Sul Maravilha, com versos característicos da literatura de cordel narrando a partida, a viagem, a chegada e os desafios que foi superando no novo ambiente. Um arraso.

O sucesso de maiores proporções não sorriu de novo para ele, mas continuou fazendo um dos trabalhos mais consistentes da MPB de então, inclusive embutindo conceitos psicanalíticos em suas letras, como nesta "Manga rosa", que remete à visão de Freud sobre amamentação e prazer oral.
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O cantor, compositor e instrumentista Edu Lobo deu contribuição importantíssima à MPB, começando pelo engajamento no trabalho político-cultural da UNE, antes do golpe de 1964. 

Depois, tendo Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Vinícius de Moraes como letristas, foi quem criou todas as músicas de Arena conta Zumbi, uma das culminâncias do teatro brasileiro em todos os tempos (três delas se tornaram sucessos avulsos: "Zambi", "Upa, neguinho" e "Estatuínha"). 

Venceu dois dos maiores festivais de MPB, com "Arrastão" (1965) e "Ponteio" (1967), fez trilhas para vários filmes, um balé, uma missa, etc. É um músico completo.

Adoro suas "Lero lero" e "Viola fora de moda", mas trouxe para cá uma canção bem mais rara, a belíssima "Pra você que chora", também composta para a peça Arena conta Zumbi, mas que, sabe-se lá por qual motivo, não entrou no disco homônimo. Fazia-me bem escutá-la quando minhas companheiras estavam grávidas e eu, cheio de ansiedade e esperança.
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O compositor, cantor e multi-instrumentista  Egberto Gismonti deu sequência ao trabalho do grande Heitor Villa-Lobos, de fazer uma releitura erudita das raízes musicais brasileiras; com a vantagem de ser também o intérprete de suas criações e de atingir os admiradores de uma MPB mais sofisticada, enquanto o maestro Villa-Lobos ficava mais restrito aos apreciadores da música clássica.

Ambos, inclusive, realizaram magníficos trabalhos com canções indígenas. Em 1978, Gismonti chegou a morar durante algum tempo com os índios Iaualapitis, do Alto Xingu, com os quais dialogava sobretudo através da música, tendo tal vivência marcado profundamente seu álbum Sol do meio-dia.

Ele despontara para o grande público no Festival Internacional da Canção de 1968, com a belíssima "O sonho", interpretada pelos Três Morais. Era, ainda, uma canção com letra, mas Gismonti se voltaria cada vez mais para a música exclusivamente instrumental.

Durante algum tempo a Emi-Odeon lhe garantia o lançamento de pelo menos um álbum por ano, mas a fonte foi secando, ao mesmo tempo em que gravadoras jazzísticas europeias lhe davam guarida, tanto para realizar discos solos como para projetos conjuntos com outros artistas de vanguarda de vários países. 

Daí resultou, p. ex., o pungente álbum Mágico (1979), cuja melancolia parece refletir o próprio clima gelado de Oslo, onde foi gravado – mas, claro, se deve em maior parte à performance superlativa do saxofonista norueguês Jan Garbarek (o baixista estadunidense Charlie Haden completou o trio).

A faixa "Bailarina" é a melhor do álbum, na minha opinião.

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Sorriso tímido aos 11 anos... 
Elis Regina teve seu grande momento na era dos festivais. Nascida em 1945 na capital gaúcha, começou a cantar aos 11 anos num programa de rádio para crianças, gravou seu primeiro LP aos 16 (na linha do rock água-com-açúcar de Celly Campello) e passou em 1964 a ser atração das boates do Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, famoso reduto da bossa-nova.

Sua interpretação visceral de "Arrastão", no Festival da Excelsior de 1965, escancarou-lhe as portas do sucesso, tendo sua condição de apresentadora e atração maior do principal programa de TV dedicado ao gênero (O fino da bossa) feito dela o grande nome da MPB na segunda metade dos anos 60.

Após a assinatura do AI-5, quando a intimidação e a censura esvaziaram aquele movimento musical, Elis aprimorou-se na técnica do seu ofício: fez belos álbuns,  continuou obtendo sucesso de público e crítica, conseguiu 
emplacar mais de 1.200 apresentações com seu show Falso brilhante, mas...
...e escancarado na fase do Furacão Elis.

Mas nunca voltou a emocionar tanto aos que a tínhamos visto despontar para o estrelato! Até porque a emoção havia sido praticamente suprimida da arte e da vida dos brasileiros.

Sua morte como consequência de overdose em 1982 lembrou muito a tragédia de grandes roqueiros (Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, etc.) que pareceram sair do palco da vida quando já não conseguiam igualar seus fulgurantes desempenhos anteriores e arrancavam os cabelos por isto.

Eis o que aficionados conseguiram reconstituir da atuação que transformou Elis numa estrela:
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Elomar Figueira Melo é um compositor, cantor e violonista baiano que se tornou conhecido por um público mais amplo a partir do festival MPB 80 da Rede Globo, no qual Dércio Marques defendeu sua "O peão (ou pinhão) na amarração". 

Nascido e criado no sertão, conseguiu formar-se arquiteto em 1964, lançou seu primeiro compacto em 1968 e o primeiro LP em 1972. Encarava a música como sua principal ocupação, buscando na arquitetura apenas um "suporte financeiro". 

Caracterizava-se por manter o visual sertanejo na carreira artística e por utilizar o jargão regional nas suas letras, que mostravam o cotidiano sofrido dos nordestinos e questionavam as injustiças sociais (algo como um Vandré dizendo as mesmas coisas no linguajar do povão).  

Ao mesmo tempo, partia para experimentos musicais sofisticados, compondo óperas e gravando discos com expoentes eruditos como Arthur Moreira Lima. Ele aqui comparece com a fundamental "O peão na amarração":
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O cearense Fagner é, como Alceu Valença, outro compositor e cantor talhado para voos altos, que foi capaz de criar verdadeiras obras-primas na década de 1970 e início da seguinte, mas não tentou manter a qualidade do seu trabalho quando deixaram de existir consumidores em número suficiente no nicho da MPB sofisticada. 

Prostrou-se ao mercado e, aderindo ao som banal que a indústria fonográfica martela dia e noite na cabeça de suas vítimas, tornou-se mais um dentre tantos e tantos fabricantes de ruídos populares (como disse Paulo Francis a respeito de Caetano Veloso). Antes era artista e era único.

Quem quiser saber quão grande ele foi um dia, deve escutar o álbum que gravou em 1981 na Espanha, Traduzir-se, com a participação de monstros sagrados do flamenco como Joan Manoel Serrat e Camarón de la Isla;  e seu superlativo LP de 1975, Ave noturna, trazendo pérolas como "Astro vagabundo", "Beco dos baleiros", "Estrada de Santana" e esta dilacerante "Última mentira".
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Ela era assim em 1967...
Quando, entre outubro e novembro de 1968, a TV Record realizou seu 4º Festival da Música Popular Brasileira, o céu carregado indicava a iminência de uma tempestade. Algumas semanas antes, no dia 15 de setembro, acontecera a célebre eliminatória paulista do 3º FIC, na qual a "Questão de Ordem" de Gilberto Gil fora desclassificada e Caetano Veloso, após fazer um discurso inesquecível, retirou sua "É proibido proibir" em protesto contra as vaias que recebia. 

Gatos escaldados, ambos não quiseram mais expor-se à imbecilidade ululante. Então, para surpresa geral, quem apareceu para defender a composição que ambos haviam inscrito, "Divino maravilhoso", foi uma desconhecida com visual agressivo e cabelos desgrenhados, introduzida como Gal Costa

Passada a surpresa, espalhou-se a notícia de que se tratava de uma transfiguração da meiga e tímida Maria da Graça Costa Penna Burgos, que ainda no ano anterior estreara em LP dividindo com Caetano Veloso os vocais de canções suaves, com arranjos acústicos.
...e ficou assim no ano seguinte.

Para estupefação geral, ela não só tinha voz potente, como desandou a usá-la até quando não deveria. Sua fase tropicalista é marcada por interpretações gritadas (quase arrebentava nossos tímpanos em "Meu nome é Gal"!), como se tentasse ser a Janis Joplin brasileira. Não passou nem perto, mas, sem dúvida, deixou uma forte marca na MPB.

Uma das canções que melhor se adequaram ao estilo que ela estava tentando adotar foi "Vapor barato", um clássico de Jards Macalé e Wally Salomão.
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"O que foi que fizeram com ele? Não sei...
A música de Geraldo Vandré entrou na minha vida em 1966, quando dava os primeiros passos nas trilhas revolucionárias. 

Cantores/compositores correndo na faixa do protesto político e social havia outros, como Sérgio Ricardo e Gilberto Gil; eu percebia, contudo, algo diferente na forma como Vandré dizia praticamente as mesmas coisas: a emoção. 

Seu canto passava a impressão de que ele acreditava profundamente na mensagem transmitida em cada verso. 

Caso do grito que ele solta no meio da "Canção nordestina", começando lá embaixo e subindo, subindo, acabava nos arrepiando até o fundo da alma ("E essa dor no coração/ aaaaaaAAAAAAIIIIIIIII, QUANDO É QUE VAI SE ACABAR?!"). Não se faziam tais coisas na música popular daquele tempo.

Também suas canções de amor sofrido são tocantes ao extremo. "Pequeno concerto que ficou canção" é um arraso: "Ah, eu vou voltar pra mim,/ seguir sozinho assim,/ até me consumir ou consumir toda essa dor,/ até sentir de novo o coração capaz de amor!".

Ele era o único dos compositores revolucionários que se colocava invariavelmente como personagem de suas músicas, o que lhes aumentava muito o impacto. Mas, não percebia o perigo embutido em versos como "Se um dia eu lhe enfrentar,/ não se assuste, capitão:/ só atiro pra matar/ e nunca maltrato, não": o de os ouvintes passarem a ver mesmo nele um guerrilheiro e dele cobrar uma postura de guerrilheiro. Noblesse oblige, Vandré até tentou corresponder a tais expectativas.
...só sei que esse trapo, esse homem foi um rei"

Como no tempestuoso 1968, quando ele ousou o que nenhum outro ousara nem ousaria: atirar uma estrofe na fuça dos milicos, lançando-lhes um desafio altaneiro: "Há soldados armados, amados ou não,/ quase todos perdidos de armas na mão./ Nos quartéis lhes ensinam antigas lições,/ de viver pela pátria e morrer sem razões".

Teve de deixar o País e, no exílio, percebeu como lhe fazia falta a firmeza ideológica de um autêntico revolucionário. Era um artista dos melhores, mas, ainda assim, apenas um artista. E não aguentou a barra de ser estranho em terra estranha, com a saúde debilitada e cheio de problemas psicológicos, amplificados pelas drogas.

Tomou a decisão desastrosa de negociar com os militares a volta ao Brasil, tendo, na chegada, sido praticamente sequestrado e confinado durante 58 dias numa clínica carioca. Não tenho a mais remota dúvida de que sofreu uma lavagem cerebral e reprogramação mental. O resultado é que nunca mais foi o mesmo. 

Considero-o um caso similar aos de Garcia Lorca e Victor Jara, que foram abatidos como cães pelos fascistas; a Vandré causaram a morte espiritual, que talvez seja pior ainda.

O LP que gravou em 1973 na França, Das terras de benvirá, é com certeza o mais doloroso que escutei na vida – e, ainda, assim, de cristalina beleza. Ouçam a faixa-título e saibam por quê.
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Com os Mutantes, em 1967: "Domingo no parque".
No contato profissional que tive com ele certa vez, Gilberto Gil me causou ótima impressão. Boa gente como costumam ser os baianos da gema, brincalhão, aberto para abordar qualquer tema. 

No final da maratona (eu colhia informações para escrever uma revista inteira sobre ele), a coisa parecia mais uma conversa de velhos amigos do que uma entrevista propriamente dita.

Por ele ser a simpatia em pessoa, até evitei mais tarde criticá-lo por haver aceitado ser ministro da Cultura sem real disposição para lutar contra os poderosos interesses que avassalavam o setor e o reduziam à inocuidade e mediocridade. 

Sei que é ingenuidade, mas sempre sonho com músicos fazendo o que pregam nas suas letras. O Gil, com certeza, não cumprirá aquilo a que se propunha meio século atrás, lá no comecinho de sua trajetória: "Ainda viro este mundo/ em festa, trabalho e pão!". 
Exílio londrino em 1971: o preço da coerência.

São também da esquecida canção "Viramundo" estes versos que me inspiram até hoje: "Prefiro ter toda a vida/ a vida como inimiga/ a ter na morte da vida/ minha sorte decidida". Parece que eu acredito mais neles do que o autor.

Enfim, como ninguém é perfeito, mais vale lembrarmos a coragem que Gil teve para peitar a ditadura em 1968, lançando contra ela uma contestação global (política, ideológica, estética, moral, sexual, o escambau...); sua enorme contribuição para que os brasileiros nos percebêssemos como realmente somos, eternos explorados e irmãos siameses de outros explorados como os povos africanos, por mais que vivamos com a cabeça em Hollywood e Miami; e os muitos biscoitos finos que saíram do seu forno ao longo das décadas, inspirando-nos sonhos, ideias e ações.

Como esta sensível e nostálgica "A rua" (tomara que ele tenha mesmo voltado para matar a saudade!).  
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bruxo Hermeto Pascoal é outro dos grandes nomes brasileiros da música instrumental, misturando no seu caldeirão sonoridades da natureza, ruídos que extrai de utensílios caseiros ou instrumentos exóticos por ele inventados, raízes nordestinas, influências jazzísticas, etc. 

O resultado é a alternância de passagens brilhantes e outras nem tanto. 

Sua originalidade artística e figura bizarra o tornaram arroz de festa de festivais internacionais, principalmente o de Montreux, na Suíça. Mas, às vezes ficava a impressão de que todas aquelas esquisitices eram mais pirotecnias para disfarçar uma falta de espinha dorsal nas suas músicas.

Como esta "Gaio da roseira", que começa e acaba com o mesmo refrão nordestino, tendo muito experimentalismo musical no meio (fórmula que até o rock já utilizou largamente, começando por "In-A-Gadda-Da-Vida", do Iron Buterfly, em 1968). Enfim, é interessante e chega a ser bem agradável em certos trechos, então vale a pena conhecermos, mas sem expectativas exageradas. 
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Itamar Assumpção entra aqui como representante dos artistas de vanguarda da capital paulista que, entre 1979 e 1986, se uniram num movimento para alavancar a produção independente e sacudir o monopólio das grandes gravadoras, tendo o teatro Lira Paulistana como seu quartel general. Também estavam nesta jogada o Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Grupo Rumo, Premeditando o Breque e Língua de Trapo, entre outros.

O Arrigo Barnabé era o mais aclamado da turma, mas sempre me pareceu um genérico nacional do Frank Zappa & The Mothers of Invention. 

Já o Itamar foi mais autêntico, com sua mistura de rock, funk e gafieira. "Nego Dito", auto-louvação de um marginal pé de chinelo, é uma graça.
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O cantor, pianista e compositor Ivan Lins se tornou conhecido a partir do 2º lugar que obteve no decadente Festival Internacional da Canção de outubro de 1970, com "O amor é meu país". Ele e o Gonzaguinha foram as únicas revelações, cabendo  a vitória à intragável "BR-3".

Mês e meio depois, a Globo lançava o programa semanal Som Livre Exportação, comandado por Ivan Lins e Elis Regina, que durou quase nove meses, tendo projetado, p. ex., Tim Maia, Aldir Blanc e César Costa Filho.

Músico cujas influências principais eram a bossa-nova, o jazz e o soul, destacava-se pelas performances empolgadas, sem ser particularmente original nem brilhante. Tinha como principal parceiro Vitor Martins, cujas letras muitas vezes eram de esquerda soft

"Começar de novo", contudo, é uma bela canção da dupla que não poderia faltar aqui – até porque, nestes tristes trópicos, somos eternos Sísifos, obrigados a sempre recomeçar, sem que jamais a pedra se mantenha no topo da montanha.

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Jards Macalé chamou a atenção do grande público em 1969, com sua experimental "Gotham City", muito vaiada no decadente 4º FIC da TV Globo (poucos notaram que o refrão "Cuidado! Há um morcego na porta principal!" era uma alusão velada ao terror ditatorial). 

Cantor, compositor, arranjador, violonista e produtor musical, o carioca Macalé crescera num ambiente muito ligado à música (filho de um acordeonista com uma pianista) e fizera vários cursos de aprimoramento. 

Já em 1965 aparecia no lendário Show Opinião, como violonista na temporada paulistana. Depois integrou o movimento tropicalista como músico e produtor, tendo atuado com Caetano Veloso e Gal Costa, principalmente. 

Sua grande fase de deu na década de 1970, quando lançou LPs memoráveis, em especial o de estréia: Jards Macalé (1972), com canções que fundiam na medida exata o samba do morro, a bossa-nova, o blues e o brega (seresta, samba-canção e outras reminiscências dos anos 50). Dele constam as clássicas "Vapor barato", "Movimento dos barcos", "Rua Real Grandeza", "Mal secreto", "Anjo exterminado" e "Let's play that". Um arraso!

Mas, a canção do Macalé que mais mexeu comigo foi "Soluços", de um compacto duplo que ele lançou em 1969 e continuava sendo intensamente curtido nas rodas e comunidades alternativas quando fiz parte de uma, em 1972. 

Era a fase em que, após a derrota da luta armada, tentávamos sobreviver espiritualmente nos nossos refúgios, amparando-nos uns aos outros e buscando nas drogas uma alternativa à realidade devastadora. 

Está tudo em "Soluços": as referências à maconha (os "lenços de papel" que "se desfazem quando molham", os olhos "vermelhos, irritados", os "óculos escuros" para disfarçar) e também o desespero que nos deixava com ganas de gritar e de chorar.
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Jorge Ben Jor despontou no cenário da bossa-nova como um sambista diferente, com muito swing na música e uma cativante ingenuidade nos versos.

Carioca nascido em Madureira e criado no Rio Comprido, ganhou seu primeiro violão aos 18 anos e logo estava se apresentando nos bares e boates do famoso Beco das Garrafas.

Daí para o primeiro grande sucesso foi um pulo: "Mas que nada", por ele definida (na própria letra) como um "samba que é misto de maracatu", o projetou até nos Estados Unidos...

Muito prolífico, conseguia inventar músicas para cada uma de suas incontáveis namoradas, sem tornar-se repetitivo. Vale até lembrar um episódio de 1983, quando minha amiga Rosi Campos, que ainda se dividia entre sua vocação de atriz e o ganha-pão na gravadora Som Livre, encomendou-me o press release de um LP ao vivo do Jorge Ben Jor que não trazia absolutamente nada de novo. 

Quebrei a cabeça até encontrar um gancho: como nele havia canções de todas as suas fases, inventei que seria um disco comemorativo dos 20 anos de carreira e explanei longamente sobre sua trajetória. Colou, jornais do Brasil inteiro entraram na minha onda, publicando textos enormes. Mas, o artista se queixou à Rosi: "Pô, esse cara entregou a minha idade. Agora as namoradas ficaram sabendo que eu não sou tão jovem como dizia..."

Mas, ao enveredar por assuntos sérios, ele era capaz de criar um clássico como "Charles Anjo 45", reverenciando um tipo de marginal estimado pela comunidade ("Robin Hood dos morros/ Rei da malandragem/ Um homem de verdade/ Com muita coragem") que foi sumindo a partir do boom das drogas pesadas, mas deixou saudades entre o povão e na música – em 1933 já era imortalizado por Wilson Batista em "Lenço no pescoço".

E em 1971, quando o Mohammed Ali era um símbolo da luta pela afirmação social dos negros, compôs esta notável "Cassius Marcelo Clay", vergastando os racistas com versos insolentes como "Sucessor de Batman, Capitão América e Superman", "Tem a postura da Estátua da Liberdade e a altura do Empire State", bem no espírito do homenageado.
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Luiz Vieira, natural de Caruaru, é outro superlativo compositor pernambucano que mostrou ao Sul Maravilha a realidade sofrida e a riqueza musical do Nordeste, tão importante na época quanto Luiz Gonzaga, embora o rei do baião hoje seja mais lembrado porque os baianos tropicalistas enchiam a sua bola e colocavam o outro em segundo plano.

Foram injustos, talvez porque os grandes sucessos de Luiz Vieira tenham sido canções românticas e/ou singelas, inclusive a que não pode faltar  em nenhuma relação das 10 melhores músicas brasileiras de todos os tempos: "Menino de Braçanã". Eis outras: "Prelúdio pra ninar gente grande", "Paz do meu amor", "Inteirinha" e "Balada do amor sublime"

Mas, Luiz Vieira compôs grande parte de suas músicas com ritmos nordestinos, só que elas geralmente não aconteceram, inclusive "Catira" (aquela da qual mais gosto) e a politizada "Carcará de botina e chapelão" ("Quero ver o lavrador/ Plantar e poder colher/ E o sertanejo menino/ Sorrindo poder crescer/ Fazer conta de somar/ Dividir, multiplicar/ E quando receber carta/ Não ter que pedir pros outros ler").
Meu companheiro de luta armada José Raimundo da Costa, o Moisés, também de Pernambuco, contou que o Luiz Vieira chegara a ser um agitador de feira do PCB: cantava suas músicas subversivas e fugia correndo pelo meio da multidão quando a polícia getulista chegava.

Mas, como também tive lá minhas separações dolorosas, a canção do Luiz Vieira que mais me marcou foi "Riram tanto", na qual lamenta a intromissão dos que tudo fizeram para arruinar seu romance com uma mulher de condição social superior ("Pensaram tanto em você/ Mas ninguém desejou ver/ O que acontecia a mim"). Tinha tudo a ver com o que sucedera comigo, salvo que os protetores em questão agiram assim por outro tipo de preconceito...

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Maria Bethânia foi um caso de amor à primeira vista: adorei sua interpretação rústica e agressiva de "Carcará", magra como uma flagelada do Nordeste. Foi a primeira canção de protesto pela qual me apaixonei, em 1965, antes mesmo de me tornar marxista (a "Canção nordestina" do Vandré é cronologicamente anterior, mas só vim a conhecê-la lá por 1967). 

Soube depois que a Bethânia participava de espetáculos semi-amadores desde a juventude, ao lado do irmão Caetano e outros futuros expoentes do movimento tropicalista, como o Gilberto Gil e o Tom Zé. 

Chamou a atenção de Nara Leão, que a indicou como substituta quando problemas de saúde a impediram de continuar atuando no Show Opinião. "Carcará" fazia parte do repertório, tanto que a Nara também gravou, mas no estilo balançado da bossa-nova.

Muito marcante também é a inclusão de "É de manhã", cantada por Bethânia, na trilha sonora do filme O Desafio, do Paulo César Saraceni; e a sua versão de "Eu vivo num tempo de guerra", a adaptação que o Teatro de Arena fez da poesia "Aos que virão depois de nós", do Brecht.

Tal fase durou pouco. Talvez para não ficar conhecida como cantora de uma música só, ou porque sua personalidade a predispusesse mais para a doçura do mel do que para a rudeza do Agreste, Bethânia engaiolou o carcará e partiu para outra, resgatando Noel, gravando pontos de umbanda, idealizando o grupo Doces Bárbaros, etc.

Contudo, assim como no caso da Elis Regina, quanto melhor cantora ela se tornava em termos técnicos, mais saudade eu sentia do seu estilo contundente e impactante de outrora. 
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Maria Odette é até hoje lembrada como a cantora de voz forte e interpretação empolgada que defendeu em festivais de MPB duas das melhores composições de Caetano Veloso em todos os tempos: "Boa palavra" e "Um dia".

Paulista de Itapira, já aos sete anos de idade participava de uma programação artistico-musical de sua cidade. Em 1959 a família se mudou para a capital e ela, após vencer uma competição de calouros, foi contratada pela TV Paulista - Canal 5 (emissora depois vendida para a Globo), na qual atuou também como tele-atriz juvenil. Chegou a conquistar um Prêmio Roquete Pinto, em 1961.

Foi exatamente "Boa palavra" que a projetou, em 1966, quando obteve o quinto lugar no Festival da TV Excelsior. Seguiram-se participações nos congêneres da Record e da Globo, vários compactos lançados e a diminuição das atividades artísticas a partir da metade da década de 1970, cujo motivo desconheço.

Mas, tinha bom gosto na escolha da repertório e gravou belas canções daquele período, inclusive algumas pouco conhecidas, como "Canção do cangaceiro que viu a lua cor de sangue", "Dia da vitória", "Espanto", "João e Maria", "Levante", "O canto do homem só", "Quibundo", "Trapiá" e "Ultimatum". Mereceu este espaço.
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O carioca Milton Nascimento morou da infância à mocidade em Minas Gerais, tendo aí recebido as influências determinantes em sua arte.

Filho de uma domestica que foi seduzida e abandonada pelo namorado, logo ficou órfão e a avó, uma pobre viúva, teria muita dificuldade para o criar se não recebesse uma oferta providencial: uma professora de música recém-casada não conseguia engravidar e se ofereceu para adotar Milton, que partiu com o casal para Três Pontas, MG.

A mãe, que estudara com Villa-Lobos, presenteou-o com uma sanfona logo aos quatro anos de idade, estimulando-o a aprender música e explorar sua voz. 

Aos 13 anos já era crooner nos bailes de sua cidade. Estudava contabilidade ao mesmo tempo em que aprendia a tocar piano com a mãe de Wagner Tiso

Aos 20 se mudou para Belo Horizonte, onde prestou vestibular de Economia, passando a trabalhar num escritório de contabilidade e a participar de conjuntos de jazz e samba, como cantor e contrabaixista. Acompanhando um desses grupos, o Sambacana, quando foi gravar o LP de estréia no RJ, Milton se transferiu com armas e bagagens para o Sul Maravilha.

Os grandes festivais de MPB o projetaram. No de 1966 da TV Excelsior, interpretou "Cidade Vazia" (de Baden Powell e Lula Freire), a 4ª colocada. Mas, a consagração viria ao classificar três músicas de sua autoria no FIC de 1967 da Globo, uma das quais belíssima: "Travessia" (dele e do Fernando Brant). Foi 2º lugar, mas quem era do ramo a considerou infinitamente superior à campeã, a carnavalesca "Margarida", de Gutemberg Guarabyra.

Aí sua carreira engrenou de vez: passou a lançar álbuns todos os anos, a ser gravado por intérpretes de primeira linha (Elis Regina em especial) e a magnificar a MPB com clássicos inesquecíveis como "Aqui é o país do futebol", "Caçador de mim", "Canção da América", "Canção do sal", "O cio da terra", "Comunhão", "Em nome do Deus", "Fé cega, faca amolada", "Maria, Maria", "Milagre dos peixes", "Morro velho", "Nada será como antes", "Nos bailes da vida", "Pablo", "Para Lennon e McCartney", "Paula e Bebeto", "Pelo amor de Deus", "San Vicente"... (ufa!)

Por último, um episódio pitoresco: em 1973, quando a censura proibiu quase todas as letras do álbum que viria a ser o Milagre dos peixes, os realizadores decidiram não as alterar e submeter de novo às otoridade, mas sim manter apenas as músicas, os lamentos vocais do Milton e o experimentalismo do Som Imaginário (sons latino-americanos + rock progressivo) e de Naná Vasconcellos (ritmos africanos). Ficou um arraso!

A música em destaque aqui não poderia ser outra além de "Sentinela", o emocionante tributo a Che Guevara, na versão sofisticadíssima de 1980, com a participação de Nana Caymmi.   
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Quando, no finalzinho da música "Eles", Caetano Veloso exclamou "Os Mutantes são demais!", não estava exagerando. O trio formado por jovens do bairro paulistano da Pompéia – Rita Lee Jones, filha de um dentista estadunidense e neta de italianos, mais os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista – caiu como uma luva para o tropicalismo.

Fortemente influenciados pelos Beatles, eles chamaram a atenção de Ronnie Von, que os apresentou no seu programa dominical em outubro de 1966; acabariam sendo atração permanente por alguns meses, preferindo depois ficar livres para aceitar outros convites. 

Foi assim que conheceram o maestro Rogério Duprat, o gênio que produziria os arranjos primorosos dos álbuns e performances da turma tropicalista.

Em setembro de 1967, quando Gilberto Gil e Caetano Veloso se preparavam para lançar espetacularmente o movimento no 3º festival de MPB da TV Record, o primeiro não estava gostando do dos músicos que Duprat escolhera para "Domingo no parque", então o maestro lhe sugeriu os Mutantes como alternativa. 

Eles se saíram tão bem que se tornaram instantaneamente o principal conjunto tropicalista, que acompanharia os astros em álbuns, festivais e outras apresentações ao vivo, além de lançarem ótimos trabalhos como grupo. Eram roqueiros da geração iê-iê-iê, criativos, irreverentes e dados a se exibirem com fantasias bem boladas, bem no estilo Sgt. Peeper.

Foi uma dúvida cruel escolher a música a ser incluída aqui. Adoro a paródia que os Mutantes fizeram de "Chão de estrelas", porque veio ao encontro do que eu sempre achara da canção de Orestes Barbosa (aqueles versos enfeitados e pernósticos não têm absolutamente nada a ver com a crua realidade das favelas!) e porque deixaram o crítico José Ramos Tinhorão, musicalmente conservador até a medula, espumando de raiva. 

Mas, é fortíssima "Meu refrigerador não funciona", com seu impagável non sense: tanto desespero em clave bluesística (e que incrível performance a de Rita Lee!) por um motivo tão banal...
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Capixaba que a família levou para o Rio de Janeiro quando ela tinha apenas um ano de idade, a cantora Nara Leão foi uma espécie de contraponto às interpretações arrebatadas de Elis Regina na chamada era dos festivais.

Discreta, charmosa, com voz sumida e uma ótima escolha de repertório, conseguiu ser uma musa da fase das canções de contestação política e social ("Acender as velas", "Berimbau", "Marcha da 4ª feira de cinzas", "Pede passagem", "Opinião") e uma ilustre coadjuvante do tropicalismo ("Deus vos salve esta casa santa", "Ladainha", "Lindonéia", "Mamãe coragem"), sem que ninguém ousasse chamá-la de traíra, acusando-a de dormir com o inimigo. Os cruzados da MPB sem guitarras elétricas foram mais condescendentes com ela do que com o Jorge Ben Jor...

Em 1957, aos 15 anos já estava enturmada com os artistas que criariam a bossa-nova... porque era no apartamento dos seus pais, em Copacabana, que a turma toda se reunia. Depois do golpe de 1964, como estrela do Show Opinião, sua carreira deslancharia de vez. Foi graças a ela que um sem-número de iniciantes talentosos tiveram suas primeiras composições gravadas, começando a tornar-se conhecidos.

É mais lembrada por sua interpretação de "A banda" no 2º festival da Record, quando a organização esdruxulamente permitiu que a mesma música fosse sempre apresentada duas vezes, uma com ela cantando e a outra na voz de Chico Buarque. Mas, prefiro destacar "A estrada e o violeiro", por ter uma das melhores letras da MPB em todos os tempos.
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Descendente da filantropa Perola Byington. a cantora carioca Olívia Byingtoncom sua voz poderosa e interpretações agressivas, mereceria constar desta relação de qualquer maneira, mas tenho de reconhecer que chamou a minha atenção, principalmente, o seu LP de estréia, Corra o risco, que gravou no ano de 1978 em parceria com o lendário conjunto  A barca do sol. também do Rio de Janeiro.

Até porque as canções dos barqueiros nele incluídas se casaram às mil maravilhas com seu estilo agressivo, quase gritado. Caso desta superlativa "Fantasma da ópera".

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Orquestra Armorial entra como representante do movimento armorial, que, na década de 1970, buscou criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste brasileiro. 

Tendo como seus principais idealizadores o escritor Ariano Suassuna e o maestro Cussy de Almeida, o movimento influenciou várias expressões artísticas, como a música, a dança, a literatura, as artes plásticas, o teatro, o cinema e a arquitetura.

No primeiro caso, os destaques são o Quinteto Armorial e a Orquestra ArmorialEsta última, quando estreou em outubro de 1970, incluía no seu nome o complemento de Câmaramas preferiu simplificar as coisas quando começou a gravar discos, para não afugentar o público menos simpático à música erudita...
Cussy de Almeida

Ambos faziam uma abordagem sofisticada das raízes nordestinas, mas, depois de uns 20 minutos de música instrumental sempre com o mesmo jeitão, o ouvinte começava a ficar entediado ou a mantê-la como sonoridade de fundo, tipo muzak. 

Exceções são, nos discos lançados em 1975 pela Orquestra Armorial, "Kyrie", que tem forte presença de coral, fugindo do ramerrão; e, principalmente, "Côco praieiro", estilização de um desafio de repentistas, com versos de Marcus Accioly. 

Trata-se de um contraponto à rústica Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho, baseada num clássico da literatura de cordel, que consta do disco do Show Opinião, na voz de Nara Leão. E é uma pérola que jamais poderia faltar aqui!
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Paulo César Pinheiro talvez tenha ficado mais conhecido do grande público como o então marido da cantora Clara Nunes, vitimada em 1983 por reação rara a uma anestesia, do que como o extraordinário cantor e poeta brasileiro que ele é, autor de mais de 2 mil músicas, a metade das quais gravada. 
É carioca e compõe desde os 15 anos, inicialmente tendo João de Aquino como parceiro. Mas, foi a colaboração com o violonista Baden Powell, principiada aos 16, que o colocou no repertório de artistas famosos como Elis Regina e Taiguara, aos quais seguiram-se dezenas de outros. 

Embora geralmente se apresente interpretando sambas, a qualidade poética de Pinheiro se evidencia mais em projetos ambiciosos nos quais incursionou por outros ritmos brasileiros, como o espetáculo O importante é que a nossa emoção sobreviva (1974), reunindo ele, Eduardo Gudin e a cantora Márcia, que gerou um disco gravado ao vivo durante a longa temporada no teatro Oficina e outro, de estúdio, dois anos depois.

E é simplesmente notável sua letra de "Matita Perê", que faz parte da trilha sonora do ótimo filme Sagarana, o duelo (assista-o aqui), criada por Antônio Carlos Jobim. Mas, como a incorporação da melhor versão, com o dueto dele com Jobim em 1980, foi bloqueada pelo Youtube, o jeito é contentarmo-nos com o poema "Cautela" + a música "Mordaça", fusão que abre o LP a três vozes de 1974.
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Paulo Vanzolini, outro poeta extraordinário, nos deixou até hoje lamentando sua opção de ser principalmente zoólogo e dedicar-se à música nas horas vagas. Que desperdício de talento! [Desculpem-me os zoólogos, mas é minha opinião sincera...]

Assisti-o certa noite, lá pelos meus 16 anos, sendo entrevistado pelo Silveira Sampaio (cujo talk show botava o do Jô Soares no chinelo...). 

Depois do papo, Luís Carlos Paraná foi chamado para interpretar músicas do Vanzolini, inclusive "Capoeira do Arnaldo", que me encantou instantaneamente.

Ambos eram parceiros de noitadas e desafios musicais na boate Jogral, de propriedade do Paraná, na verdade um ponto de encontro de amigos ligadões na MPB. Foi lá que o amigo Arnaldo duvidou que Vanzolini fosse capaz de compor uma música em jargão nordestino e ele, de estalo, criou a capoeira, dedicando-a ao dito cujo. Para minha decepção, o Vanzolini disse que esta música não seria gravada, porque ele a fizera só para o Arnaldo. 

Fiquei radiante quando, quase 10 anos depois, caminhava pelo centrão velho de São Paulo e a ouvi sendo tocada num sebo. Afinal, o Paraná a acabara gravando num compacto simples! Comprei correndo, emocionado.

Mas Vanzolini, o outro sambista genial que São Paulo produziu além de Adoniran Barbosa, foi também autor de "Volta por cima", uma das maiores composições brasileiras de todos os tempos; da maravilhosa "Boca da noite", sobre uma noite de amor sem futuro, "gente da nossa estampa/ não pede juras nem faz/ ama e parte e não demonstra/ sua guerra e sua paz"; de "Ronda", aclamadíssima; e tantas preciosidades mais. Ah, se ele priorizasse a música...
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Meu alheamento com relação a Raul Seixas, quando ele começou a se tornar nacionalmente conhecido, me deveria valer um troféu de homem sem visão! Em setembro de 1972, passei batido pela sua marcante performance no VII FIC da Globo, interpretando "Let me sing, let me sing" e acompanhei, sem dar muita importância, o sucesso de "Ouro de tolo", lançado em compacto no mês de maio de 1973 e dois meses depois incluída no LP Krig-ha, bandolo!.

É que vinha de duas decepções consecutivas, a derrocada da luta armada (que quase me destruiu) e o fim da comunidade alternativa na qual, depois de libertado, fora lamber as feridas e juntar os cacos. E, de repente, voltara à estaca zero.

Enfurnei-me numa quitinete com a companheira que me restara e me limitei durante certo tempo a curtir o amor, os livros e os discos, distanciando-me o máximo possível da realidade exterior. Trabalhava como zumbi em agências de comunicação empresarial, sonhando com o momento de voltar para o meu canto. E curtia o rock de melhores tempos, de preferência à MPB que me parecia ter sido esvaziada pela ditadura.

Ainda assim, Raul Seixas me alcançou. Foi em 1978, quando, cansado do isolamento de ermitão, saí da toca: retomei o curso de Jornalismo na ECA-USP para ter condições legais de trabalhar nas redações ao invés de ficar me escondendo dos fiscais em empresas de RP; e comecei a colaborar em revistas de música e cinema.

Aí me caiu nas mãos o álbum duplo O banquete dos mendigos, com registros de um espetáculo comemorativo dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proibido pela censura em 1973 e liberado em 1979. Só então, com seis anos de atraso, fiquei conhecendo "Cachorro urubu", a canção do Rauzito alusiva à primavera parisiense de 1968! 

"Todo jornal que eu leio/ me diz que a gente já era/ que já não é mais primavera./ Oh, baby, a gente ainda nem começou!" Fiquei todo arrepiado. E aí me interessei em conhecer suas outras canções, encontrando algumas que vinham totalmente ao encontro de minha visão de mundo, como "Metamorfose ambulante", "Sociedade alternativa" e "Tente outra vez".

Coincidentemente, ocorreu a primeira coletiva do Raul em Sampa após ele ser contratado pela CBS. Foi convencional, desinteressante.

Quando já me preparava para sair, o divulgador, que gostava dos meus textos, convidou-me para almoçar com ele, o Raul e a Kika num restaurante chinês próximo. 

Aí o Raul, turbinado pelo saquê da casa e pelo uísque que trazia consigo numa garrafinha metálica, se soltou. E a coisa se tornou bem pitoresca.

Resolvi, no meu texto, liquidar a coletiva em cinco linhas e utilizar umas 35 para relatar as maluquices do almoço; inclusive, contei como me lavou a alma ouvir os versos de "Cachorro urubu" em meio ao marasmo de 1979.

Para minha surpresa, logo depois de a revista sair, ele me ligou na redação, cumprimentando-me pelo texto e convidando-me para um happy hour da CBS. Papeamos um pouco, bebemos muito. Tive depois de transportá-lo para seu hotel, pois estava quase desmaiando.

Devo ter ido umas duas ou três vezes visitá-lo em sua casa no bairro de Pinheiros, sempre a convite dele, para conversar sobre o 1968 que passara em nossas vidas e o que acontecera depois. Contou-me muita coisa que os porres apagaram da minha mente, inclusive sobre os livros de bruxos famosos que ele e o Paulo Coelho eram obrigados a traduzir parágrafo por parágrafo para seus estudos esotéricos, pois não existiam edições em idiomas facilmente compreensíveis.

A amizade foi fugaz, mas nunca deixei de reconhecer nele um talento superlativo e o artista mais fiel ao espírito de 1968 dentre todos que conheci em cinco anos de jornalismo musical..
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Sérgio Ricardo merece ser lembrado como um dos maiores nomes da MPB engajada no protesto político e social; autor de trilhas sonoras impecáveis para cinema e TV; diretor de um curta e três longa metragens marcantes, com destaque para o criativo musical A noite do espantalho; e até como um raro exemplo de artista tão fiel à sua ideologia que optou por morar junto com o povo explorado, na favela do Vidigal (RJ).  Não pelo folclórico episódio do II Festival da Record, quando, inconformado com as vaias que lhe impediam de cantar sua "Beto bom de bola", quebrou o violão e arremessou-o contra o público.
Paulista de Marília, mudou aos 18 anos de idade para o Rio de Janeiro, onde foi locutor de rádio e tocava piano em casas noturnas. Ao longo dos anos 50 chegou até a trabalhar como ator de teleteatro, além de gravar alguns compactos e um LP de bossa-nova, mas sua carreira decolou mesmo foi no início da década seguinte, quando partiu para as músicas com temática social, começando pelo clássico "Zelão".

Em 1963 uniu-se ao Centro Popular de Cultura da UNE, entrando em contato com o pessoal do cinema novo. Como consequência, dirigiu seu primeiro longa, Esse mundo é meu, cuja canção-tema fez algum sucesso na voz de Elis Regina, e foi convidado por Glauber Rocha para compor e interpretar, ao estilo de cantador nordestino, as músicas de Deus e o diabo na terra do sol
Rara foto dele dirigindo A noite do espantalho

O cineasta baiano teve até de ofendê-lo ("Canta como homem, porra!") para arrancar dele uma interpretação rude, ao invés do balanço característico da bossa-nova, mas compensou: parte do sucesso dessa obra-prima se deve à sua impactante trilha.

Atravessou a época áurea da MPB como um artista consistente e respeitado pela crítica, mas que nunca obteve sucesso popular à altura do seu talento. E nunca se saiu bem nos festivais, embora apresentasse trabalhos inovadores como o uso de versos concretistas em "Girassol" e "Canto do amor armado".

E se manteve sempre corajoso, ousando reverenciar o mártir guerrilheiro na canção "Che Guevara não morreu" e produzir o verdadeiro libelo contra a censura que foi "Calabouço".
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O carioca Theo de Barros é um cantor, compositor, violonista e arranjador que jamais ascendeu ao estrelato porque lhe falta carisma remotamente à altura da qualidade do seu trabalho. A vida, às vezes, é muito injusta.
Estudou violão desde os 11 anos e tinha 19 quando Alaíde Costa gravou sua "Natureza e igrejinha". Em 1963 já mostrou a que veio com seu compacto de estréia, trazendo a contundente "Vim de Santana" ("Quando a gente passa fome/ fica homem/ mal acaba de aprender a andar").

Ano novo, novo clássico da MPB: "Menino das laranjas", que Geraldo Vandré gravou de imediato e Elis Regina depois. 

O ápice de sua carreira foi o 1º lugar de "Disparada", música dele e letra de Geraldo Vandré, no 2º Festival da RecordDepois, integrou o Quarteto Novo (ao lado de Airto Moreira, Heraldo do Monte, Hermeto Pascoal), conjunto instrumental que acompanhava Vandré em gravações e excursões. 

Participou de várias produções do Teatro de Arena, com destaque para a direção musical de uma das melhores peças do grupo, Arena conta Tiradentes, que incluía a enérgica canção "Espanto", gravada por Maria Odette E compôs as músicas do filme Quelé do Pajeú.

Uma de suas canções para festivais que merecia melhor sorte é esta "Oxalá".
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Tim Maia era um dos 18 filhos de um casal pobre do bairro carioca da Tijuca. Começou a compor aos oito anos de idade e aos 14 iniciou sua carreira artística, como baterista do grupo Tijucanos do Ritmo. Depois, em 1957, formou o grupo vocal Os Sputniks, com a participação, entre outros, de Roberto Carlos.

Viveu nos Estados Unidos a partir de 1959, o que se refletiria no seu estilo musical, uma mistura de samba e ritmos nordestinos com soul music e funk. Mas, teve de voltar para o Brasil em 1964, deportado por posse de maconha.

Estourou nas paradas cariocas com o LP de estréia, que levava seu nome e emplacou principalmente graças à irreverência de "Coroné Antônio Bento" e ao romantismo de "Primavera (vai chuva)" e "Azul da cor do mar".

Sua carreira foi prejudicada por problemas com as drogas e o álcool, além da insistência em divulgar a seita Universo em desencanto, que não lhe inspirou boas músicas. 

Mas, musicalidade ele tinha de sobra, daí ter legado um sem-número de canções marcantes. Eu destacaria, além das já citadas, "Cristina", "Canário do reino", "Eu amo você", "Gostava tanto de você", "Réu confesso", "Você" e esta pungente "Me dê motivo".
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Baiano de Irará, Tom Zé era visto na era dos festivais como uma espécie de primo pobre dos ídolos tropicalistas. Eu considerava isto um tanto injusto, pois naquilo a que se propunha – detonar o sistema com sátiras e deboche –, era bem melhor do que o Gilberto Gil de "A luta contra a lata", p. ex. Tão hilários quanto ele só conseguiam ser Os Mutantes, mais dados, contudo, ao humor em si, sem alvo determinado. Já Tom Zé fazia dele uma arma contra a caretice e intolerância da sociedade burguesa.

Enturmado com Caetano, Gil, Bethânia e Gal desde o início dos anos 60, participou de espetáculos da futura brigada tropicalista, como Nós, por exemploNova bossa velha, velha bossa nova e Arena canta Bahia
Depois, em 1968, foi um dos artistas incluídos no LP-manifesto Tropicália ou panis et circensis, que definiu as bases do movimento desencadeado no ano anterior por Caetano e Gil, mas não em posição de destaque: foi aproveitada uma única composição sua ("Parque industrial") e ele nem sequer a interpretou sozinho...

Quando Caetano e Gil decidiram não defender a composição por eles inscrita no Festival da Record do mesmo ano, quem saiu no lucro foi Tom Zé: escolheram Gal interpretar "Divino, maravilhoso", mas o 1º lugar na avaliação do júri especial coube a "São São Paulo, meu amor", do Tom Zé, enquanto Chico Buarque era consagrado pelo júri popular.

Acabou se distanciando do tropicalismo e sendo muito bem sucedido; contou, claro, com uma pequena ajuda do músico David Byrne, dos Talking Heads, que ouviu um LP dele por acaso, considerou-o genial e introduziu Tom Zé no mercado internacional.

A lista de canções que eu destacaria do Tom Zé não cabe neste espaço. Fiquemos apenas com a minha favorita, que relata uma situação que eu também cheguei a presenciar, na estação em que os nordestinos desembarcam na cidade de São Paulo e dela partem. 
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Nunca morri de amores pela bossa-nova de Antônio Carlos Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes, pois aquela rotina preguiçosa de amor, sorriso, flor, barquinho a deslizar e garota de Ipanema a rebolar nada tinha a ver com minha realidade de filho de operário com os bolsos vazios, morando num feio bairro industrial.

Aí, uma alternativa mais politizada e menos frívola afirmou-se na minha cidade, graças aos programas e festivais da TV Record. E bem no instante em que começava a me interessar pela política!

Alinhei-me naturalmente com a vertente que Elis Regina chamava de moderna música popular brasileira, na disputa de espaço com a bossa-nova carioca. E, claro, fiquei com alguma antipatia de Vinícius de Moraes, que era tido como o inspirador do jogo sujo do grupo de lá para impedir que os artistas de cá invadissem aquela praia fechada. 

A acusação ganhou verossimilhança quando a medíocre "Saveiros" foi a finalista nacional do 1º FIC da TV Globo (1966), com "O cavaleiro", de Geraldo Vandré, sendo flagrantemente injustiçada, ao ficar apenas com o 2ª lugar. [Dois anos depois a farsa se repetiria, com a "Caminhando".]

Isto tudo posto, não serei injusto a ponto de desprezar algumas ótimas canções cujas letras foram criadas pelo poeta-diplomata, como "Berimbau", "Canto de Ossanha", "Chega de saudade", "Dia da criação", "Eu sei que vou te amar", "A felicidade", "Gente humilde", "Marcha de 4ª feira de cinzas",  "Rosa de Hiroshima" e a minha preferida, o "Samba da benção".
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Quando comecei a gostar da MPB, lá por 1966, um dos poucos programas radiofônicos a ela dedicados era o Marcando bossa, na pequenina rádio Marconi.

Um jovem apresentador, com voz sumida, introduzia as canções fazendo jogos poéticos com seus versos. Tinha como bordão "pouca fala e muita música nossa". Chamava-se Walter Franco.

No final de 1968, deu uma guinada: o esteta bem comportado vestiu farda de guerrilheiro. Inscreveu no Festival Universitário da TV Tupi uma louvação a Che Guevara, "Não se queima um sonho", que Geraldo Vandré interpretou. 

Em 1972, nova guinada: no VII FIC da Globo apresentou "Cabeça", uma algazarra de música progressiva à Frank Zappa, com várias vozes dizendo ao mesmo tempo, mas desemparelhadas, a frase "O que é que você tem nessa cabeça, irmão? Saiba que ela pode explodir ou não!", além de variações tipo "Cabeça explode! Cabeça explode!".

Foi nesta linha o LP de estréia, Ou não, que a vanguarda amou e o resto detestou. Mas, não entendam mal: tinha muita coisa interessante, misturada com os excessos. Valia a pena ouvir.

Os seguintes foram mais na linha do misticismo hindu. Ele trocou o pátio dos loucos pela paz interior. Tanto que, enquanto era vaiado no Festival Abertura da Globo (1973), sentou no chão e jogou uma partida de dados imaginária com o maestro Júlio Medaglia.

Finalmente, num festival de 1979 da TV Tupi, ele apresentou aquele que talvez seja o melhor rock-blues brasileiro de todos os tempos: "Canalha".

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O carioca Wilson Simonal foi um dos melhores cantores brasileiros da década de 1960. Decolou para o sucesso em 1963, aos 25 anos, com "Balanço Zona Sul", uma das músicas mais características do modo ipanemense de ser. No ano seguinte, mais dois grandes êxitos: "Lobo bobo" e "Nanã".

Sua carreira não parou de crescer, graças à simpatia e ao swing que o tornavam um dos ídolos mais populares da MPB. Era, basicamente, o que os defensores de uma MPB engajada nas lutas sociais e na resistência artística à ditadura chamavam de alienado. Coerentemente, no tiroteio entre os engajados e os tropicalistas emergentes, alinhou-se com os últimos.
Antes...

Da noite para o dia virou ovelha negra, em 1971, quando estourou o escândalo que o desgraçaria para sempre: acreditando-se roubado pelo contador que despedira e lhe movia ação trabalhista, pediu a ajuda de policiais do Dops, os quais, utilizando até torturas, arrancaram do dito cujo uma confissão de desfalque.

A mulher do contador, desesperada com seu sumiço, queixou-se à polícia e a notícia se propagou. Resultado: espalhou-se o boato de que Simonal não só era dedo-duro, como havia alertado a repressão para o plano de músicos famosos que queriam aproveitar o VI FIC da TV Globo para protestarem ao vivo contra a ditadura e a censura.

As portas se fecharam para ele e sua carreira virou pó. Eu sempre suspeitei de que ele tenha sido vítima de sua ingenuidade (e também do maucaratismo que mostrou ao encomendar uma prensa no seu contador). No entanto, quem deu tal prensa foram subalternos do Dops, aparentemente em caráter particular, sem conhecimento dos superiores. Isto me parece nunca ter sido levado em conta pelos que passaram a boicotá-lo de todas as formas.

Pode-se pensar que Simonal, depois de ter sido chamado para depor certa vez por causa do que seria um detalhe subversivo num de seus shows, tenha ficado amigo desses pés-de-chinelo, até por interesse mútuo: eles poderiam servir-lhe de leões de chácara e Simonal arrumar-lhes fãzocas para farras.
...e depois.

Mas, ele próprio deu depoimento confessando que era informante; é no que se baseou a estigmatização. 

E se, contudo, não passasse de uma versão criada para justificar o serviço escuso que os investigadores lhe haviam prestado? Afinal, estavam ameaçados de perder o emprego e até a liberdade.

À distância, não dá para condená-lo nem absolvê-lo. Apenas estranho que se tenha aceitado como incontestável uma versão tão cheia de furos; que ele tenha levado a fama de delatar o plano dos músicos por mera suposição, sem evidência nenhuma; e por aí vai. Havia paranoias demais no ar durante os anos de chumbo e se cometiam grandes injustiças.

Não gosto de pensar que ele possa ter sofrido toda discriminação que sofreu sem ter culpas maiores além das de ter escolhido mal os companheiros de orgias e lhes haver pedido um favor escroto... 

5 comentários:

Francisco Lima disse...

Parabéns pelo trabalho! Uma viagem maravilhosa!

Anônimo disse...

Olá Celso, tudo bem por aí?

Meus parabéns pelo ótimo texto,
embora eu tenha sentido a falta de Marcos Valle
( talvez Ney Mato grosso, que considero um
ativista da vida e do dia à dia, desde a relação
paterna abusiva, até o toque nas questões sociais
envolvendo a fauna, a flora, desmantimento,
extermínio de índios, ante de se sonhar com a
mais remota ideia de Festival ECO ),
entendo que seriam muitos a serem incluídos.
Espero vê-los em uma próxima crônica sua.
Minha predileção, vai pelo som "de maluco" ( risos ),
da poluição sonora usada com arma do Arrigo Barnabé,
de quem tive a sorte de baixar os antigos LPS.
Algo que sempre tive dúvidas, é sobre as tais
Flores de Geraldo Vandré, infelizmente figuras decorativas,
nos protestos de esquerda festiva, nas bocas de "engajadinhos" da moda,
saudosistas de épocas que nunca viveram, nem compreenderam de fato,
a não ser pelo romantismo de alguns contadores de Estória.
Que venham mais crônicas assim.
Abraço do Hebert, e bom feriado, e fim de semana.

celsolungaretti disse...

Hebert,

eu não fiz esse trabalho para publicação na imprensa, como algumas que depois republiquei no "Náufrago", mas diretamente para o blog, há quase três anos. Então, não me propus a fazer justiça para a importância artística de cada um dos enfocados, mas, apenas, compartilhei com meus leitores habituais as minhas impressões sobre os artistas que mais me agradaram durante as décadas nas quais eu acompanhei de perto tudo que relato.

Eu simpatizei com o Ney Matogrosso quando entrevistei-o por umas duas horas, para fazer uma revista inteira sobre ele. Cordial, bom de papo e nem um pouco afetado. Mas, seu trabalho musical nunca me tocou.

Não por preconceito homofóbico, mas por eu cultivar os valores da geração 68, um dos quais era o despojamento. Minha simpatia pelo Joe Cocker aumentou ao saber que, quando esteve em São Paulo nos anos 70, saiu para conhecer a cidade, voltou em cima da hora e, sem troca de roupa nem maquilagem, foi direto para o palco. E arrebentou!

Já a artificialidade do Ney no palco era bem aquilo de que nunca gostei. Nós dançávamos segundo a inspiração de momento, não com trajes escolhidos a dedo e movimentos exaustivamente ensaiados. Colocávamos a espontaneidade acima de tudo.

Enfim, nunca o critiquei ou ataquei, mas também não curti suas performances. Eram-me indiferentes. Quando o conheci, fiquei achando que, se ele levasse aquela mesma simplicidade para o palco, daria espetáculos melhores.

Do Marcos Valle, gosto muito de "Viola enluarada". Mas, no caso dele, sim, eu posso ter sido um tanto preconceituoso.

É que eu detestava a publicidade (cansava de citar a frase do Zé Celso, segundo a qual "os publicitários são filhos de Goebbels") e, depois que fiquei sabendo que os irmãos Valle eram especialistas em compor musiquinhas para anúncios de propaganda, tudo que os dois faziam passou a me parecer jingle. Perdi a neutralidade para os avaliar.

O Arrigo Barnabé até que eu ouvia, mas, para meu gosto, seu som parecia demais com o do Frank Zappa. Como quase ninguém curtia The Mothers of Invention por aqui, a "semelhança excessiva" não era notada. Enfim, eu ia botar apenas um da vanguarda paulistana na minha série e acabei optando pelo Itamar Assumpção.

Quanto aos "indecisos cordões" que "ainda fazem da flor seu mais forte refrão", o Vandré se referia aos hippies. A "Caminhando" era uma conclamação à luta armada e, coerentemente, ele não apreciava que a juventude se "desviasse" para o movimento de paz & amor. Preferia canhões enfrentando os canhões ("Os amores na mente, as flores no chão/ A certeza na frente, a História na mão/ Caminhando e cantando e seguindo a canção/ Aprendendo e ensinando uma nova lição").

E não pense que estou chutando. Sei exatamente quais eram os sentimentos do Vandré quando a compôs. Inclusive, ele mostrou o rascunho a mim e a meu grupo de secundaristas num boteco da rua Maria Antônia, no final de junho/68, quando ainda estava retocando os versos, trocando palavras, dando a última garibada.

Se há vezes em que tenho boas intuições, aquela não foi uma: nem me passou pela cabeça que aquela marcha revolucionária viria a ser a nossa Marselhesa.


Cezar disse...

Nossa!! Que aula!!! Gente que só se encontra aqui.Um belo trabalho....Faça também um canal no you tube

celsolungaretti disse...

Cesar,

infelizmente a idade nos tira mesmo o pique. Hoje ainda sou capaz de fazer quase tudo que já fiz em jornalismo, mas não todo dia, como antes.

Se escrever 15 horas num dia ou passar a madrugada em claro redigindo, precisarei de uns 2 dias descansados para me recuperar. Ou me arriscarei a ter uma crise de labirintose que me deixará de molho por uma semana.

Um colaborador do blogue até abriu um canal para o Náufrago no Youtube, mas eu percebi que seria aquela famosa gota que faria transbordar o copo e desisti da ideia.

Valeu a intenção, um forte abraço!

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