leonardo sakamoto
MINISTRO QUER AFROUXAR QUARENTENA SEM SABER NÚMERO
REAL DE MORTOS
Divulgado diariamente, os números de infectados e mortos pela Covid-19 são um retrato atrasado e incompleto da pandemia e, por isso, deveria ser usado pelos formuladores de políticas públicas com muito cuidado.
Devido à falta de testes e à subnotificação, a contagem não traduz a realidade, como venho repisando há semanas. Estudos apontam que o número de mortes pode ser nove vezes maior. [Perfazendo, então, os mais de 30 mil que coloquei no título do post (CL)]
Mesmo assim, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, fiou-se nessa ficção, nesta 4ª feira (22), para justificar que o país é um dos que melhor performa em relação à Covid e, por isso, deve se programar para começar a sair do isolamento social.
Como dizer que o país tem o melhor desempenho se nem sabemos a profundidade do buraco em que nos metemos?
Entende-se que, na ansiedade de entregar a encomenda do chefe (o fim das quarentenas e a volta à normalidade a todo o custo), ele atropele alguns pontos. Mas não deixa de ser angustiante que tente agir como o presidente da República, menosprezando a ciência.
Mesmo composta por dados incompletos, a curva de infecção pelo coronavírus mostra uma tendência: que não estamos no patamar de estabilidade de casos e óbitos – pelo contrário, continuamos subindo.
Países esperam atingir um momento em que a velocidade de contágio desacelera de forma consistente para liberar restrições de circulação. No entanto, o governo, como uma criança com pressa, esperneia que quer ir brincar na rua quando os sintomas ainda estão aparecendo.
Vai que cientistas, médicos, presidentes e primeiros-ministros de todo o mundo, além de 183 mil cadáveres, estão todos errados e apenas Jair Messias junto com os maninhos da Nicarágua, do Turcomenistão e da Bielo-Rússia estão certos, não é?
Termômetro melhor de nossa performance é a situação dos serviços de saúde e funerários. Em Manaus, já entraram em colapso. O que isso significa? Corpos deixados nas macas em que morreram ou amontoados em containers frigoríficos e enterrados em valas coletivas, sem a presença da família, com o uso de retroescavadeiras.
Já cobri conflitos armados fora do país, mais de uma vez. E, sim, já vi cenários de guerra melhores.
São Paulo também anunciou que divulgará um plano para afrouxar o isolamento a partir de 11 de maio.
O Estado vem conseguindo manter um respeito à quarentena na faixa dos 50%. A curva de contágio daqui não segue a trilha daquela do estado de Nova York, com seus 17.671 mortos até agora, o que indica que as medidas surtem efeito e a demanda por hospitais e UTIs pode ter sido alongada.
Ainda ocorrerá um colapso, mas deve ser menor e mais curto.
Ainda ocorrerá um colapso, mas deve ser menor e mais curto.
Esse tipo de ação tende a salvar vidas, mostrando que governadores, prefeitos e a equipe anterior do Ministério da Saúde estavam certos e o presidente da República, que segue defendendo apenas a segregação de idosos e pessoas imunodeprimidas, errado.
Porém, quanto mais as medidas de isolamento horizontal surtirem efeito, reduzindo o impacto da pandemia, mais Bolsonaro vai dizer que elas não serviram para nada. Venderá isso como a prova de que estava certo em chamá-la de gripezinha e histeria e que a paralisação de atividades não essenciais era desnecessária.
Ironicamente, vai acabar se beneficiando daquilo que sistematicamente ataca, uma vez que o respeito à quarentena pode fazer com que a economia não precise de um fechamento mais profundo, nem que se repita por tantas vezes.
Ironicamente, vai acabar se beneficiando daquilo que sistematicamente ataca, uma vez que o respeito à quarentena pode fazer com que a economia não precise de um fechamento mais profundo, nem que se repita por tantas vezes.
Ou seja, o respeito ao isolamento garante um impacto menor na queda do PIB do que uma situação de desastre humanitário.
Como seu pescoço depende da retomada do país pós-Covid-19, deveria ser grato pela presença de adultos responsáveis que impedem que ele cause problemas ainda maiores ao tentar atrapalhar.
O problema é que cientistas e médicos apontam que o estado de São Paulo – epicentro da crise no Brasil – ainda não viveu seu pior momento de mortes. Ou seja, temem que os paulistas atuem como um cavalo paraguaio, pronto para decepcionar no final, saindo muito cedo da quarentena e colocando o esforço a perder.
Para a população de São Paulo, seria trágico. Então, esperemos que o governo tenha a tranquilidade de desistir da previsão se os números confirmarem que a curva siga aumentando rápido.
Para o presidente, falhas na condução da política pelos estados são uma oportunidade ímpar para tentar convencer que suas loucuras é que estavam corretas. (por Leonardo Sakamoto)
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