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| Trechos do desabafo de José Padilha |
"Conheci Marielle Franco no mesmo dia em que conheci Marcelo Freixo. Foi no Cine Odeon, num debate ancorado na projeção de Ônibus 174, meu primeiro filme. Participamos de outros debates. Tenho alguns deles filmados. Freixo e Marielle (...) me ajudaram na pesquisa e na pré-produção do Tropa de elite 2.
Freixo me deu acesso à CPI das milícias, que frequentei regularmente. (...) Senti a importância do gabinete de Freixo e aportei recursos na campanha do PSOL.
Saí do país alguns meses depois, porque fui vítima de uma tentativa de sequestro por parte de policiais milicianos.
Mesmo morando fora, Antonia Pellegrino me procurou. Queria ajudar as pessoas mais próximas a Marielle e Anderson. Queria fazer uma série de TV. Queria levar o nome de Marielle aos quatro cantos da Terra. Julgava que, comigo no projeto, a série teria mais chances de obter distribuição internacional. E a família teria mais recursos.
Aceitei na hora. Negociei por meses. Estava fechando um acordo internacional quando a Globoplay se interessou pelo projeto.
No Brasil, a Globo tem alcance infinitamente maior do que qualquer estúdio estrangeiro. Tem ótimo elenco de atores negros. Tem ótimos diretores negros. Tem ótimas escritoras negras. Tem ótima equipe técnica negra. (...) Além disso, uma série na Globo pressionaria as autoridades a encontrar e a punir quem matou Marielle.
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| "Marielle nunca me chamou de fascista" |
Cheguei ao Brasil para assinar contrato. O meu trabalho seria ajudar na montagem do writers room, escrever um roteiro em parceira com a Antonia e dirigir o primeiro de, no mínimo, oito episódios.
Além disso, queria ajudar Antonia, a Globoplay e o Instituto Marielle Franco a treinar novos talentos, usando a série como uma espécie de escola.
Não consegui nem começar.
O que aconteceu no dia seguinte ao da assinatura do contrato foi estarrecedor. Além de acusarem Antonia de racismo —apesar de a Antonia estar trabalhando com afinco para montar um equipe representativa da comunidade negra no Brasil e no exterior— e de me tacharem de fascista (Marielle nunca me chamou de fascista), atacaram a legitimidade da família de Marielle, atacaram a Mônica [Mônica Tereza Benício, a viúva de Marielle] e atacaram Marcelo Freixo.
Foi um linchamento moral sem direito a respostas ou tempo para explicações. Os linchadores reduziram tudo à cor da minha pele, como se eu fosse fazer o projeto sozinho, como se não fôssemos contar a história de Anderson, um homem branco, como se não fôssemos montar uma equipe repleta de realizadores negros. Linchamentos sumários são compatíveis com os valores de Marielle?"
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| Celso Lungaretti |
Respondo eu: linchamentos morais são odiosos, repulsivos e inaceitáveis, pouco importando se o alvo dos indignos que esfaqueiam pelas costas, confortavelmente escondidos atrás de seus teclados, se chama Patrícia Campos Mello ou José Padilha.
E pouco importando, também, como se vejam os integrantes dessas maltas espumando de ódio: são todos fascistas, pois o discurso difere mas a alma é a mesma.
Alma de fanfarrões que arrotam valentia quando estão juntos com a matilha mas não valem nada quando se trata de enfrentarem sozinhos o inimigo.
5 comentários:
Ótima a análise!
Concordo plenamente!
O Brasil e o mundo estão doentes.
Na série criada por padilha, "O Mecanismo", há um aviso, "fatos foram alterados para efeitos dramáticos". Foi uma espécie de vacina para avalizar a versão de um caso ainda em curso.
O assassinato sórdido de Marielle nos obriga à reserva e prudência ao opinar, ainda mais quando uma assessora próxima do M. Freixo conseguiu milagrosamente sobreviver à tragédia.
Há muitas sujeiras nesse caso, que talvez jamais será desvendado.
Por ora, é um desperdício a esquerda gastar tempo e palavras na defesa do milionário j. padilha.
Os detalhes alterados eram absolutamente insignificantes no contexto da obra. Os petistas fizeram dessas irrelevâncias um cavalo de batalha porque não tinham vontade de entrar no fulcro da discussão: como um partido que já havia sido de esquerda de repente se mancomunou com alguns dos vilões mais imundos do capitalismo, a escória das grandes empreiteiras?
O verdadeiro erro da série é que reduziu tudo a um enredo de mocinho e bandido, quando, na verdade, a coisa estava mais para a amoralidade dos westerns italianos: bandidos contra bandidos. Ninguém se salvava. Moro era uma farsa.
Mas, temos de reconhecer que, quando isto se evidenciou, o Padilha se posicionou firmemente, renegando os tenentes togados do autoritarismo.
E, certamente, o projeto que todo o entorno da Marielle queria era o que mais repercutiria no Brasil e no exterior. Foi um tiro no pé esse linchamento moral do Padilha, em todos os sentidos: não só piorou em muito o resultado final como nos tirou moral para criticarmos o linchamento moral da Patrícia Campos Mello e demais vítimas do rolo compressor bolsonarista.
Temos de parar de copiar os piores defeitos de nossos inimigos. Isto só leva o cidadão comum a concluir que que não passamos de farinha do mesmo saco.
Vou lhes dizer: José Padilha podia ser ótimo criador, mas acaba sendo péssimo. As narrativas do personagem principal nos dois Tropa de Elite distorcem a percepção do espectador sobre o que ele está assistindo. Ex: o professor de História explicando o que acontece no sistema carcerário e o imbecil do Nascimento diz que o cara tá "defendendo bandido".
Alguém já comentou que os filmes são mal-interpretados, e concordo - e um dos motivos é por causa do próprio Padilha: nem ele mesmo entendeu a mensagem que tentou passar nos filmes. Eu precisei assistir o Tropa de Elite 2 umas quatro ou seis vezes pra conseguir entender direito o que ocorria nas cenas, e descobria que a narração do Nascimento é o que atrapalhava de entender. O narrador é pra explicar o que tá acontecendo, mas o Padilha criou o "narrador ruído", que só serve pra mostrar que o personagem principal tem uma opinião errada do que está acontecendo, mas o espectador comum não teria como perceber isso e interpretou a narração-ruído do Nascimento com narração tradicional explicando o que estaria acontecendo. Resultado: uma bela manipulação direitista que levou à eleição do político mais débil mental que tinha no Brasil!
Não vi o Mecanismo, só soube que na série o Padilha faz um personagem representando o Lula falar uma frase que não é dele, e sim do Romero Jucá. Pra quê isso? Senão pra enfiar informação errada na cabeça das pessoas? E atiçar mais ainda a histeria irracional dos direitistas e dos petistas? Eu me consideraria muito irresponsável se fizesse uma criação tão torta. O Padilha tem sorte de ter conseguido virar cineasta graças ao apoio da Globo. Eu no lugar dele faria essas obras com cuidado, mas como sou amazonense e no Brasil quem é da Região Norte não tem lugar no próprio país que faz parte, talvez nunca consiga a oportunidade de fazer um filme em que as pessoas assistam e fiquem deslumbradas em conseguirem entender como a política realmente funciona.
Só informando que não fiz parte desse linchamento, fiquei sabendo tarde da novidade, mas tenho dúvida se o Padilha vai ter um pouco mais de cuidado dessa vez no que ele vai fazer. Que ele lembre, pelo menos, que tá abordando sobre uma militante política assassinada. Desculpa pelo desabafo.
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