paul krugman
COMO ZUMBIS COMERAM A ALMA DO PARTIDO REPUBLICANO
É nesta semana que a democracia americana vai morrer? É muito possível que sim.
Afinal, todo mundo em Washington entende perfeitamente bem que Donald Trump abusou dos poderes de seu cargo na tentativa de manipular a eleição presidencial deste ano. Mas os senadores republicanos estão de qualquer modo dispostos a absolvê-lo sem sequer fingir que examinaram as provas, assim encorajando novos abusos de poder.
Mas como chegamos a esse ponto? Parte da resposta é radicalismo partidário e incorreção política da extrema direita (muito mais virulenta que qualquer coisa à esquerda). Mas eu também culpo os zumbis.
Uma ideia zumbi é a crença ou doutrina que já foi comprovada falsa diversas vezes, mas se recusa a morrer; em vez disso, ela continua se arrastando por aí, comendo o cérebro das pessoas.
O zumbi máximo na política americana é a afirmação de que os cortes de impostos se pagam por si mesmos —afirmação que se mostrou errada diversas vezes nos últimos 40 anos. Mas há outros zumbis, como a negação da mudança climática, que têm um papel quase tão grande em nosso discurso político.
E todos os zumbis realmente importantes hoje em dia estão na direita. De fato, eles dominaram o Partido Republicano.
Nem sempre foi assim. Em 1980, George Bush pai chamou as afirmações extravagantes de Ronald Reagan sobre a eficácia dos cortes fiscais de política econômica vodu. Tudo o que aconteceu desde então confirmou sua avaliação original.
Nem sempre foi assim. Em 1980, George Bush pai chamou as afirmações extravagantes de Ronald Reagan sobre a eficácia dos cortes fiscais de política econômica vodu. Tudo o que aconteceu desde então confirmou sua avaliação original.
Os déficits incharam depois dos cortes fiscais de Reagan; eles encolheram e afinal se transformaram em superavits depois que Bill Clinton aumentou os impostos, e incharam de novo após os cortes de George Bush filho.
O vodu também caiu e queimou no nível estadual: a experiência do Kansas em cortes de impostos radicais foi um terrível fracasso, enquanto o aumento de impostos na Califórnia sob Jerry Brown, que os conservadores declararam um caso de suicídio econômico, foi seguido de um sucesso de receitas e econômico.
Mas a economia do vodu se tornou uma doutrina incontestável no Partido Republicano. Até falsos moderados como Susan Collins justificaram seu apoio ao corte fiscal de Trump em 2017 afirmando que ele reduziria o deficit orçamentário. Previsivelmente, o deficit de fato explodiu e hoje supera US$ 1 trilhão (R$ 4,2 trilhões) por ano.
A política sobre a mudança climática seguiu uma trajetória semelhante. A temperatura global continua batendo recordes, enquanto proliferam catástrofes relacionadas ao clima, como os incêndios na Austrália.
Mas a maioria dos congressistas republicanos são negadores do clima —muitos deles aprovam a ideia de que a mudança climática é uma fraude cometida por uma vasta conspiração científica internacional— e até esses, como Marco Rubio, que admite a contragosto que o aquecimento global é real, se opõem a qualquer ação significativa para limitar as emissões de gases.
É importante perceber que a zumbificação do Partido Republicano não é um fenômeno recente, algo que aconteceu só com a eleição de Trump. Ao contrário, os zumbis vêm comendo o cérebro dos republicanos há décadas.
A economia do vodu dominou completamente o partido no início dos anos 2000, quando o então líder da maioria na Câmara, Tom DeLay, declarou: "Nada é mais importante diante da guerra do que cortar impostos".
Os negadores do clima governaram desde pelo menos 2009, quando só oito deputados republicanos apoiaram um projeto de lei para limitar as emissões de gases do efeito estufa.
O que os acontecimentos recentes deixam claro, entretanto, é que as ideias zumbi não comeram só o cérebro dos republicanos. Elas também comeram a alma do partido.
Pense no que se exige hoje para um político republicano ser considerado um bom membro do partido. Ele ou ela deve prometer fidelidade a doutrinas políticas que são demonstravelmente falsas; ele ou ela deve, na verdade, rejeitar a própria ideia de dar atenção às evidências.
É preciso ser um certo tipo de pessoa para fazer esse tipo de jogo —qual seja, um carreirista cínico. Costumava haver políticos republicanos que eram mais que isso, mas eram principalmente restos de outra era, e nesta altura todos deixaram a cena, de um modo ou de outro. John McCain talvez tenha sido o último desse tipo.
O que resta hoje é um partido que, até onde posso ver, não contém políticos de princípio; qualquer um que tenha princípios é expulso.
Agora, a mídia noticiosa, com sua constante necessidade de parecer equilibrada, tem dificuldade para enfrentar essa realidade; está sempre procurando maneiras de retratar pelo menos alguns republicanos como figuras admiráveis. Isso o tornou presa fácil para charlatães como Paul Ryan, que fingiu ser sério sobre seus princípios fiscais. Mas ele sempre foi uma fraude evidente.
De qualquer forma, um resultado de décadas de zumbificação é um caucus republicano que consiste totalmente em oportunistas desalmados (e não, o fato de que alguns deles gostam de citar as Escrituras não modifica isso).
Acho que você talvez esperasse que houvesse algum limite para o que esses apparatchicks aceitariam, que até eles traçariam uma linha para os feios abusos de poder e conivência com autocratas estrangeiros.
O que vimos, porém —e, talvez mais importante, o que Trump viu— é que não há uma linha. Se Trump quiser desmantelar a democracia e o Estado de direito (o que ele faz), seu partido o apoiará completamente. (por Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia e colunista do New York Times)
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