sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

MOTINS MILITARES REFLETEM O AGRAVAMENTO DA CRISE NO TOPO

Todos sabemos que as polícias militares, parte importante do braço armado do Estado, têm função estratégica na ordem capitalista, qual seja a de prevenir e coibir militarmente a prática de crimes comuns insculpidos como tais nos nossos digestos penais: os crimes contra a vida, os costumes e contra o patrimônio, seja ele privado ou estatal. 

Como atua na defesa da ordem capitalista ora vigente, constituem-se implícita e explicitamente numa corporação defensora de toda a mediação social estabelecida a partir do trabalho abstrato produtor de valor. 

Aliás, foi a formação dos estados, desde a antiguidade (mas, principalmente, na modernidade) que consolidou a necessidade de criação de forças militares regulares, remuneradas por soldos militares em dinheiro, fazendo aumentar a necessidade da produção de valor abstrato, já que se tornou não só viabilizar tal remuneração, como cobrir os gastos militares crescentes.

A máquina de guerra escravista precisava de uma força de coerção militar que garantisse a exploração social (originalmente formadas por mercenários e, mais tarde, por militares de carreira). Esta é a razão da existência de forças militares cada vez mais onerosas, seja nos países ricos ou pobres. 

Mas os policiais militares, empoderados pela força das armas em sua função primordial, também podem, eventualmente, utilizar as ditas cujas para tentarem obter melhor remuneração para si e para os seus, ou, ainda, deixando-se cooptar por interesses escusos que podem promover os desvios de suas funções constitucionais.
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As suas funções militares são as de trabalhadores especiais (todos os de baixa patente originam-se na classe trabalhadora), não produtores de valor, que se constituem em custos operacionais do Estado capitalista, mas atuando em defesa do próprio capital. 

Mas elas podem mudar de direção tão logo se evidencie a impossibilidade estatal de arcar com os pesados custos militares, cada vez mais proibitivos face à falência do Estado.

Em meio às muitas e cada vez mais agudas contradições capitalistas, a insatisfação dos militares com remunerações abaixo do que necessitam para uma vida minimamente digna representa uma explicitação de grave efeito decorrente da depressão econômica, a qual reduz o Estado o montante dos impostos por meio dos quais ele sustenta.  

Ademais, cabe aqui lembrar que a atividade militar de combate a uma violência urbana levada ao paroxismo, verdadeira guerra civil não declarada, causa estresse permanente (bandidos matam militares, que matam bandidos, numa ciranda infernal). Consequência: depressões e suicídios em porcentagens especialmente altas entre os policiais militares. 
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É que as suas atividades conspiram contra o instinto natural de vida do ser humano, representando uma condição antinatural de existência. Trata-se, também, de uma anomalia provocada pela tensão de uma mediação social desumana, baseada na corrupção do trabalho abstrato escravista.

Quando a força armada estatal se desvirtua de sua função originalmente constituída, este é mais um eloquente testemunho de que há algo de profundamente errado na ordem a que ela defende. 

Os motins militares são comuns na história moderna, como na revolução republicana francesa do final do século 17, contra o estado monárquico-feudal absolutista; ou na revolta dos marinheiros do Encouraçado Potemkin, na Rússia em 1905, contra o despotismo do czar. Hoje, sinalizam a falência de um modelo instituído, que já não consegue manter satisfeitos sequer os seus guardiãs armados. 

Graças à falência dos Estados membros da Federação, o Brasil ora assiste a um completo esfacelamento do ordem hierárquica militar, ao mesmo em que ocorre uma convivência de alinhamento conivente de setores policiais com a criminalidade urbana como forma de enriquecimento ilícito. 

Daí resultam anomalias estruturais como a criação de milícias e a formação de bancadas de políticos militares que chegam a ter representação tão numerosa nas casas legislativas municipais, estaduais e federais a ponto de se constituírem como um corpo institucional denominado bancada da bala
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E o mais grave é estarmos presenciando hoje a defesa desses motins por parte daqueles que representam a entourage do poder Executivo ou membros do poder Legislativo.

No Executivo, aliás, já se observa o empoderamento da força militar no comando político, como decorrência da necessidade de sustentação pela força de um Estado que já não pode se manter por meio de relações sociais econômicas frutíferas e saudáveis. 

Os milicianos, geralmente egressos das forças miliares por aposentadoria ou por exclusão disciplinar, associam-se aos civis do crime organizado, colocando toda a sua expertise militar a serviço do crime. 

A formação militar, sem o desejar, e como mais uma contradição capitalista, forma quadros que conspiram contra a ordem capitalista legal, aquela que admite o roubo oficial, da mais-valia, mas que recrimina o roubo patrimonial penalizado pelas leis criminais. 
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Tal resultante apenas se constitui em mais uma evidencia de quão nociva socialmente é uma ordem social baseada na escravização indireta pelo trabalho abstrato. 

Entendo que, diante desse quadro falimentar capitalista, cuja continuidade prenuncia a formação de nuvens sombrias, não cabe ao projeto revolucionário de emancipação humana a proposição de participação numa administração estatal capitalista impossível de ser bem administrada em favor do povo.

A precariedade da governabilidade capitalista somente se sustenta com o sacrifício deste mesmo povo e como forma da salvação do status quo estatal e capitalista decadente que não deve nos interessar preservar.

A nós cabe a denúncia dessa realidade que somente pode ser superada a partir de novos conceitos de produção social, organização jurídica e sustentabilidade ecológica.

Não devemos ter o menor apego às migalhas de poder que podem ser oferecidas pela estrutura político-institucional, pois isso representaria (já no curto prazo) o descrédito provocado pelas desilusões com as quimeras eleitorais, que cedo se esfumariam como a brancura das espumas que se desmancham na areia (lembrando um velho sucesso de Nelson Gonçalves: Risque). 
Assistimos à volta das badernas militares da década de 1920?

O descompasso entre poder Executivo (exercido por um presidente tão tosco, deselegante e grosseiro quanto despreparado para o gerenciamento da máquina estatal, e por uma bizarra coleção de ministros feios, sujos e malvados) e uma elite política eleita pelos mais absurdos e detestáveis mecanismos eleitorais Brasil afora, apenas demonstra quão grave é a crise no topo, agora reforçada pelos motins militares.

Se vivemos um tempo de dores, devemos fazer com que sejam apenas o parto do novo capaz de trazer paz, comodidade e sustentabilidade para as nossas vidas e a vida do nosso Planeta Terra. (por Dalton Rosado) 

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