domingo, 9 de fevereiro de 2020

NÃO HÁ COMO HUMANIZAR O CAPITALISMO. O POVO PRECISA ADQUIRIR CONSCIÊNCIA DO IMPERATIVO DE SUA SUPERAÇÃO!

dalton rosado
COMO ESTÁ SOFRENDO O CARIOCA!
"O próprio José Dirceu acabou de declarar que ganhar eleição é uma coisa, assumir o poder é outra"
(Jair Bolsonaro, sobre o verdadeiro abismo
existente entre o blablablá eleitoreiro
e a  atuação governamental)
O Rio de Janeiro continua lindo, disse Gilberto Gil num belo samba dos idos de 1969 quando muitos brasileiros tinham que se despedir dele por perseguição ideológica. 

Em termos estéticos a natureza resiste; mas, em termos políticos, não estamos muito diferentes disso, por agora.

É que o Rio de Janeiro tem um prefeito que tenta acabar com o carnaval carioca por motivos religiosos e um governador que gostaria de atirar bem na cabecinha de muitos meninos levados ao banditismo porque a sociedade os segrega de modo cruel e brutal. 

A lógica é matar os que não produzem valor e acabar com a alegria (invocando o nome de Deus em vão) como se o carnaval fosse coisa do diabo. 

O controle militar se dá para que os que dele se beneficiam cumulativamente possam desfrutar sua abastança em paz. Trata-se de uma lógica macabra que, a pretexto de proteger os que trabalham, encarniça a perseguição aos que, por exclusão involuntária, não encontram ofertas de emprego e não produzem valo, mas têm de consumir (e, portanto, são encarados como ameaças pelo sistema).

Aparentemente alegre, este samba é de um Gilberto Gil magoado com quem
não o defendera quando estava numa prisão militar nem ousava apoiá-lo no
melancólico exílio londrino ("Pra você que me esqueceu, aquele abraço!")
.
O controle ideológico-religioso se dá por meio da exumação de um fundamentalismo religioso ultrapassado, que teima e ressurgir das catacumbas. As duas vertentes convergem desastrosamente.

Infelizmente, o que há de maravilhoso no Rio de Janeiro se circunscreve apenas às suas belezas naturais (e até essas a ilogia do capitalismo tenta destruir). Mas o povo carioca resiste e, apesar de tudo. o samba de coração continua levantando a poeira do chão.

Quão amargurado deve estar o Sergio Cabral pai, jornalista que resistiu no Pasquim à barbárie militar dos anos de chumbo e era apaixonado pela rica cultura musical brasileira! Pior do que a morte, para ele, deve ser a trajetória antagônica do seu filho, enlameado e conivente com a corrupção crônica de um sistema que é corrupto desde a sua origem na mais-valia (a mãe de todas as corrupções!).  
João Gilberto interpretando o tema composto por Tom e Vinícius para o 
filme Orfeu do Carnaval, que acabaria obtendo grande sucesso em disco
.
Mas considere, Sérgio, que filhos continuam merecendo o carinho dos pais, ainda que tenham deslustrado o nome destes (a necessária reprimenda, no entanto, não deve faltar)..  

As tragédias cariocas governamentais e sistêmicas só fazem aumentar, como se o povo carioca pudesse sempre transcendê-las na Marquês de Sapucaí ou nos festejos mais espontâneos das grandes bandas populares durante o carnaval. Infelizmente, não é assim que a vida real encara a fantasia.

Lembremo-nos do que a bela canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes já dizia: 
"Tristeza não tem fim; felicidade, sim./ A felicidade do pobre parece/ a grande ilusão do carnaval:/ a gente trabalha o ano inteiro/ por um momento de sonho,/ pra fazer a fantasia de rei,/ ou de pirata ou jardineira/ e tudo se acabar na quarta-feira" 
Samba de Wilson Batista que melhor retratou o malandro carioca de outrora (o 
lenço de seda protegia o pescoço das navalhadas rivais) e foi retrucado por
Noel Rosa, desencadeando uma troca de farpas musicais entre ambos
.
Mas depois da 4ª feira de cinzas tudo ao volta ao (a)normal, ou seja:
— o povo é obrigado a consumir a água precária e barrenta, contaminada pela geosmina ou por qualquer resíduo industrial e fecal ; 
— as balas perdidas continuam alojando-se no corpo de inocentes;
— a baía da Guanabara continua recebendo dejetos de lixo e plásticos que envenenam a sua generosa conformação geográfica, tornando-a cada vez mais imprópria para o convívio com os seres vivos;
— o outrora pitoresco malandro carioca (que usava lenço no pescoço, navalha no bolso e tamanco arrastando, tocava samba e vendia o que não era dele para um turista desavisado qualquer), agora acumula riqueza, usa uma metralhador russa contrabandeada, corrompe e vicia adolescentes sem perspectiva de vida que se tornam potenciais assassinos;
— os funcionários públicos aposentados se veem privados do recebimento dos salários após décadas de labuta por força da falência estatal;
Milton Nascimento recriando um tributo prestado por Luiz Antônio em 1958
à Estação Primeira de Mangueira, escola que simboliza a fase romântica e
 eminentemente popular do carnaval carioca (antes da turisticização) 
.
— o sistema de saúde decadente priva de um bom atendimento médico os cariocas, que morrem nas portas dos hospitais e postos de saúde como se estivéssemos em tempo de guerra (ou será que estamos mesmo numa guerra civil não declarada?); 
— o crime organizado, diante de um estado falido, ganha força e impõe seu poderio aos comerciantes e à população, exigindo comportamentos próprios de uma sociedade escravizada;
— morrem incessantemente policiais assinados por bandidos que são assassinados por policiais; 
— pessoas expiram nas construções clandestinas erigidas pelo crime organizado, que desabam como os castelos de cartas do capitalismo, sempre destrutivo e autodestrutivo;
— as tradicionais águas de janeiro, cada vez mais volumosas graças ao aquecimento global, agora provocam destruição em maiores proporções, atingindo principalmente as populações mais pobres, obrigadas a morar em áreas de alto risco;
— os trens suburbanos, cada vez mais lotados e precários, obrigam a população a um transporte diário sufocante, que vem somar-se à exaustão de uma jornada diária de trabalho extenuante;    
— as tímidas taxas brasileiras de recuperação do emprego são ainda menores no Rio de Janeiro.
Depois da quarta-feira de cinzas tudo volta ao normal (e no entanto é
preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade!)
.
Ufa! Vamos ficar por aqui neste alinhavar de tragédias socais cariocas (a maioria das quais não menos graves que as de outras capitais e grandes cidades)... 

Apesar de todas elas, contudo, os governos de direta, de centro e de esquerda se revezam no poder, inevitavelmente se desgastando e sendo substituídos por mais do mesmo sob outra embalagem ideológica (parafraseando a matemática, o rótulo dos fatores não altera o produto).

O governador Wilson Witzel elegeu-se com as mesmas bandeiras do seu congênere federal, o capitão Boçalnaro, o ignaro, um paulista que adotou o Rio de Janeiro como domicílio eleitoral e residencial. O que não impediu Witzel de romper politicamente com seu guru ideológico, numa demonstração inequívoca de crise no topo causada pelas fissuras de um discurso mentiroso cuja falta de solidez o leva a desmanchar-se no ar. 

O povo, induzido a eleger pseudos salvadores da pátria que permanecem a serviço de um sistema que encontrou o seu limite existencial, está convocado, com urgência, a adquirir consciência!
Cabe-nos a tarefa de defendermos e entronizarmos um diferente contrato
social, que traduza os anseios gerais por um novo dia, com o frescor
da mocidade e o compromisso solene com a plena liberdade
.
Mesmo empiricamente, é cada dia mais perceptível a ineficácia da democracia burguesa; a dita cuja não é o antônimo da ditadura burguesa militar, mas o seu congênere de essência constitutiva de base, qual seja a sustentação do capital. 

Não adiantam as promessas vãs do liberalismo econômico.

Não adianta o nacionalismo ultrapassado de patriotas xenófobos.

Não adiante a jactância militarista da disciplina e da ordem para o progresso.

Não adianta o keynesianismo estatista da esquerda que quer (honesta ou falsamente) humanizar o capitalismo.
Não adianta o projeto social-democrata como contraponto ao conservadorismo pretensamente eficiente dos outsiders ilusionistas. 

Cabe-nos a tarefa de defendermos e entronizarmos um novo contrato social, a partir de diferente novo modo de produção, voltado apenas para a satisfação das necessidades (e não a realização do lucro, que deve ser banido das nossas existências).

Só assim o Rio de Janeiro poderá aliar a sua beleza natural à alegria autêntica do seu povo, a partir de uma vida digna e prazerosa no ano inteiro, e não apenas durante o carnaval. (por Dalton Rosado)

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