"A ciência e os jovens não são o centro da conversa, mas precisam ser. É sobre nós,
e as futuras gerações, e as que agora são afetadas" (Greta Thunberg, em Davos)
Diante dos nefastos fenômenos físicos que vêm ocorrendo em escala crescente pelo mundo e atingem indistintamente ricos e pobres (enchentes, incêndios, erupções vulcânicas, nevascas, tsunamis, terremotos, maremotos, secas em vastas dimensões territoriais, degelo das calotas polares, elevação do nível dos oceanos, etc.), fica difícil continuar mantendo a produção industrial baseada nas emissões atmosféricas dos gases das energias fósseis, culpadas pela aquecimento global.
No entanto, a elas está atrelada a base de produção industrial de mercadorias, sem as quais a recessão econômica mundial anunciada será ainda mais intensa.
É um paradoxo: tenta-se debelar o aquecimento global mantendo a causa de sua ocorrência, qual seja a produção industrial de mercadorias e o seu consumo indiscriminado como forma de manter viva a relação social sob a forma-valor.
Guedes falando em rebaixar salários, como sempre... |
Assim, como a palavra-de-ordem é o crescimento econômico como única alternativa à debacle mundial, a devastação ambiental não tem saída sob a ordem capitalista e o meeting de Davos não passa de um convescote de deslumbrados ocupantes do poder e igualmente deslumbrados assessores (ainda que lá também estejam as vozes discordantes de ativistas, mas elas não têm o condão de sensibilizar os insensíveis).
A questão que deveria estar sendo colocada não é a busca de alguma fórmula mágica para tornar o capitalismo ecologicamente sustentável, pois se trata de missão impossível, mas sim a superação do capitalismo por outra forma de relação social, na qual a irracionalidade da produção de mercadorias ceda lugar à priorização do bem comum e ao oferecimento de condições para os seres humanos viverem realmente como tais.
Além da perplexidade causada pelos fenômenos ecológicos em ebulição, os poderosos se veem às voltas com a recessão econômica mundial causada pelas contradições inerentes ao capitalismo, ora tornadas explícitas. Caso do desemprego estrutural, que está na pauta das discussões em Davos sem que se vislumbre nenhuma solução plausível.
Como reativar o trabalho abstrato diante da guerra da concorrência mundial de mercado (que tem como armas para a vitória justamente a redução da massa global de salários e o uso indiscriminado da produção tecnológica industrial)?
Os adultos foram obrigados a suportar Trump... |
Todos sabemos que do trabalho abstrato depende a produção de valor. Trata-se da única substância capaz de produzir valor válido (sob o ponto de vista da saúde econômica), o qual é a seiva da irrigação de todo o organismo das relações econômicas estatais e privadas.
Entretanto, a lógica funcional do capitalismo conduz, contraditoriamente, à eliminação do trabalho abstrato produtor de valor, sua base de sustentação, por imposição da guerra concorrencial de mercado. Opera-se aí uma contradição no objeto que, sob tal pressuposto, é insuperável.
Inexiste, portanto, conciliação possível entre os respectivos interesses dos contendores. É por isto que a China e os Estados Unidos não conseguem manter o equilíbrio de suas relações comerciais: porque a equação matemática da capital não permite que todos cresçam de modo paritário e permanente.
Assim como revólveres não cospem flores, nas guerras haverá sempre um vencedor e um perdedor.
Com a devastação ecológica somando-se à –e interagindo com a– recessão econômica mundial (traduzida como redução da massa global de valor válido), estará configurada uma tempestade perfeita de curto prazo, que não será resolvida no longo prazo mantidos os atuais pressupostos de sua configuração.
...mas a criança soube lidar melhor com a imaturidade dele. |
Quanto aos países pobres e também decadentes, a eles cabe, no Fórum de Davos, o triste papel de demonstrar aos rivais ricos e decadentes que são obedientes cumpridores das regras ditatoriais do capital segundo a qual o equilíbrio das contas públicas e relações comerciais têm de ser ajustadas à matemática contábil na qual o ser humano figura como mero coadjuvante de uma engrenagem abstrata que lhe é estranha e opressora.
Os países ricos têm moedas fortes e podem emiti-las à vontade, sem conexão com a sua produção de mercadorias e sem que isto lhes cause inflação, pois suas moedas têm credibilidade suficiente para serem aceitas e mundialmente exportadas.
A periferia do capital, contudo, se vê obrigada a prescindir de tal artifício monetário, tendo de sobreviver em estrita conformidade com seus exíguos orçamentos fiscais e mercantis.
Ademais, nós, os periféricos, somos forçados a pagar taxas de juros diferenciadas (para maior) sobre a nossa dívida pública, enquanto os países ricos têm até juros negativos sendo praticados pelos sistema de crédito bancário mundial...
Não é de estranhar-se, portanto, que o ministro Paulo Guedes, mal chegado a Davos, já tenha feito sua profissão de fé no figurino de obediência monetária:
Faltam soluções, mas retórica está sobrando |
"O congelamento de salários do funcionalismo público, iniciativa que consta na Proposta de Emenda à Constituição Emergencial, é uma das maiores medidas do governo na frente das despesas. A iniciativa perdurando por até dois anos, a situação fiscal será controlada".
E como se não bastasse, eis outra pérola do Guedes:
Ao invés de se buscarem os porquês de tanta redução de direitos econômicos nas suas essências ontológicas, é mais fácil simplesmente reduzir tais direitos econômicos (ocasionando perda de consumo e consequente paralisia mercantil por falta de circulação do dinheiro). Sacrificam-se, assim, os trabalhadores das estatais em nome de uma bonança futura que nunca chega.
"O pior inimigo do meio ambiente é a pobreza".Para o liberalismo, as vítimas são culpadas pelo seu infortúnio...
Ao invés de se buscarem os porquês de tanta redução de direitos econômicos nas suas essências ontológicas, é mais fácil simplesmente reduzir tais direitos econômicos (ocasionando perda de consumo e consequente paralisia mercantil por falta de circulação do dinheiro). Sacrificam-se, assim, os trabalhadores das estatais em nome de uma bonança futura que nunca chega.
Idem, idem para a reforma da Previdência Social, apresentada em Davos como correta e obediente meta da lógica capitalista.
Na linguagem do liberalismo econômico (e também do keynesianismo estatizante) é sacrilégio capaz de condenar o pecador ao fogo do inferno cogitar-se uma outra relação social, diferente daquela estabelecida a partir da produção de mercadorias. O pé tem de caber no sapato, independentemente do tamanho de um ou do outro.
O fórum de Davos está apenas começando. Aguardemos os próximos e emocionantes (talvez seja melhor dizer entediantes) capítulos... (por Dalton Rosado).
Nenhum comentário:
Postar um comentário