quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

CRISTO SERIA CRISTO SE SÓ DISSESSE ÀS PESSOAS O QUE ELAS QUERIAM OUVIR E EVITASSE DAR NOME AOS LOBOS?

juan arias
A RECEITA SIBILINA DE LULA PARA GANHAR OS VOTOS DOS EVANGÉLICOS
Lula quer conquistar e atrair para o PT os 40 milhões de evangélicos que hoje seguem maciçamente o presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro. O popular e carismático Lula, hoje livre, está tentando reorganizar suas hostes que se sentiram órfãs e abandonadas com ele na cadeia.

Numa de suas primeiras estratégias, como informou Mariana Carneiro na Folha de S. Paulo no último domingo, pretende organizar grupos em todo o país, com vista às próximas eleições municipais, numa campanha para atrair os votos dos evangélicos para seu partido.

A receita que Lula pretende usar para capturar o consenso desses milhões de evangélicos aparece, no entanto, como sibilina, que, no pior significado da palavra de origem grega, significa cínica

A receita [de Lula] é a seguinte: “aprender com os pastores evangélicos”. Aprender o quê? “A dizer às pessoas apenas o que querem ouvir." 

Pode até parecer bonita essa arte de saber dizer apenas o que lisonjeia e não o que nos incomoda, mas é sobretudo maquiavélica.
"Jesus de Nazaré foi um fustigador de toda hipocrisia"

A receita de Lula fere a ética, pois impede a formação de uma forte consciência crítica na política, que é inseparável da verdade das coisas. 

Sim, é verdade que todos nós no fundo gostamos que nos digam o que nos lisonjeia e nos evitem as críticas que podem nos ferir. 

Que é melhor que nos escondam, p. ex., as palavras duras do Evangelho que condenavam a hipocrisia e exaltavam a lealdade à consciência.

Falar às pessoas apenas o que elas gostam e esconder a realidade nua da vida e da sociedade é enganá-las. Não é assim que se contribui para criar uma sociedade democrática e eticamente madura, o que significa dizer também o que talvez não gostemos. 

Os evangélicos se alimentam dos ensinamentos da Bíblia e dos Evangelhos cristãos encarnados no profeta Jesus de Nazaré, que foi um fustigador de toda hipocrisia e engano.

Se esse profeta tivesse seguido naquele momento o conselho de Lula hoje aos seus, de dizer às pessoas apenas o que elas queriam ouvir, provavelmente nunca teria acabado pregado numa cruz como um bandido. 
"A verdade não permite dupla moral"
Nem tampouco sua doutrina de amor e de perdão, de liberdade de espírito e de condenação de todo farisaísmo fácil, de amor fraterno sem exclusão dos diferentes, teria atravessado os séculos e chegado até nós, embora às vezes pelo caminho tenha podido ser adulterada, tingindo-se de hipocrisia e farisaísmo que contaminou até a política.

Não há dúvida que um pastor ou um político será mais ouvido se traindo, p. ex., a essência do ensinamento de dar a outra face a quem te esbofeteia (que é a sublimidade do perdão), pregar que é melhor devolver olho por olho e dente por dente. O chamado à violência e à vingança sempre atrairá mais do que o chamado à paz.

Sem dúvida, os fiéis evangélicos ouvirão, p. ex., com mais prazer de seus pastores que todos os políticos são igualmente corruptos, rejeitando assim a possibilidade de resgate dos limpos de coração. 

Mas isso significa a prostituição da política com letras maiúsculas, aquela que, com as virtudes da democracia, nos vacina contra novos e velhos fascismos e movimentos violentos. 

É a condenação da ética elementar que exige chamar as coisas pelo nome, quer se goste ou não. 

É esse lema de que só a verdade das coisas, por mais difíceis que sejam, nos fará livres, enquanto a mentira nos escraviza.

Se Lula quer atrair os evangélicos ao PT, que o faça desarmado, de coração aberto, começando por condenar as práticas hipócritas da má política que também contaminou seu partido, aquela para a qual vale tudo, até roubar ou saquear as riquezas do Estado. 

A que tudo permite para se manter no poder, mesmo que às vezes seja sob a nobre desculpa de fingir ajudar as políticas sociais e o resgate da miséria. 
"Também existem os lobos em peles de cordeiro"

A verdade não permite dupla moral. Quando os pastores evangélicos são louvados porque sabem dizer com eficácia apenas o que as pessoas querem ouvir, estamos apoiando o reino da mentira.

É essa degeneração da ética da política que conduziu o famoso ditado brasileiro sobre políticos corruptos, justificando-os com o fato de que roubam, mas fazem, do qual é exemplar o caso do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. Isso significa levantar um muro contra a condenação da corrupção política.

Se o bom pastor, na literatura bíblica, é aquele capaz de dar a vida por seu rebanho, com mais razão não deveria ter medo de dizer a verdade aos fiéis. 

Dizer-lhes, p. ex., como dizia Jesus, que às vezes devem ficar atentos aos elogios fáceis, porque também existem os lobos em pele de cordeiro.

O que salva a todos, a política e a sociedade, o que o Brasil mais necessita e boa parte do mundo, não são os elogios fáceis e as promessas hipócritas, mas ter a força e a liberdade de dar nome aos lobos. (por Juan Arias, jornalista espanhol radicado no Brasil, a El País)

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro, CL

O ano começou com a divulgação desta pesquisa: https://bit.ly/2QZZ9jm

dez/19--->65% da população nunca ouviram falar em AI-5
nov/08--->82% da população nunca ouviram falar em AI-5

Ou seja, rede globo et caterva lobotomizaram de vez a brava gente brasileira. Esse oligopólio da comunicação no brazil é o vírus dos "walking deads".

A impressão que fica é a de que nós (20% a 30%), minoritários, somos todos náufragos da utopia...

celsolungaretti disse...

A lavagem cerebral da indústria cultural obstrui a formação da consciência, mas as contradições insolúveis do capitalismo independem disso: continuam existindo e se agravando cada vez mais.

A explosão social acabará acontecendo. Tomara que os seres humanos aprendam algo com ela (isto, claro, se as alterações climáticas não nos transformarem antes em poeira cósmica).

Anônimo disse...

***
Celso, é impressionante a naturalidade que tentam imprimir a dolorosa notícia da morte de um ser humano por outro que, calmamente, anuncia ser o autor intelectual do feito e orgulha-se disso.
Podemos não estar em guerra formal, mas a mentalidade já é de guerra.
O Outro deixou de ser apenas um desconhecido, mas virou o inimigo a ser abatido, mesmo que este outro seja o retrógrado regime teocrático iraniano.
Acredito que estamos num daqueles momentos em que a civilização periclita. Espero que ela (a civilização) seja antifrágil, como diz o Taleb.
***

celsolungaretti disse...

Anônimo das 9h17,

é chocante mesmo. Inclusive o artigo de ontem do português João Pereira Coutinho na Folha é simplesmente repulsivo, relativizando o assassinato bestial do Solemaini, um atentado indefensável sejam quais forem os antecedentes da vítima.

Se as grandes potências puderem praticar tiro-ao-alvo impunemente com os malditos drones (a quintessência da tradicional covardia dos estadunidenses, que como combatentes são patéticos!), quantos líderes sem mãos sujas de sangue não acabarão sendo executados como parte do pacote?!

Não devemos enxergar nos Solemainis, Saddams e Bin Ladens nada além de genocidas sanguinários, mas é inaceitável os EUA invadirem nações soberanas arrogando-se o direito de atuarem como policiais do mundo!

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