domingo, 12 de janeiro de 2020

A IMAGEM DO BRASIL É DADA POR UM NERO CABOCLO, PRA LÁ DE BREGA, COM SANDÁLIA NOS PÉS E EMBRIAGADO DE EXTREMISMO

rui martins
NUNCA O BRASIL FOI TÃO MALVISTO NO EXTERIOR
Que imagens restarão para os europeus, mas não só os europeus, do governo Bolsonaro em 2019? A de um Nero caboclo, pra lá de brega, com sandálias nos pés, embriagado com seu extremismo, cantando desafinado o hino estadunidense de Irving Berlin, Deus salve a América, diante da Amazônia em chamas? 

Ou a imagem odiosa do pai e avô, personagem do filme A vida invisível, de  Karim Ainouz, rejeitando toda nossa cultura brasileira por não ser conforme as superstições evangélicas e destruindo, na porrada e nos tiros de seus gestos de arminha, nosso cinema, nosso teatro, nossa literatura, nossa música, nossos espetáculos de dança e nossos corpos sensuais por serem tentações do diabo?

O que restará? A ridícula e grotesca teoria terraplanista de seu guru Olavo de Carvalho, contrapondo-se, na sua loucura, a Pitágoras e Aristóteles na Antiguidade; a Galileu, Copérnico e Kleper, na Idade Média; e às melhores visões da Terra redonda ou esférica, mostrada pelos satélites girando à sua volta? 

A negação solitária da mudança climática e do aquecimento da temperatura terrestre, para justificar a destruição da floresta amazônica e sua transformação em pastos para gado e plantações de soja ou explorações de minérios como o nióbio?

Nunca o Brasil foi tão malvisto no exterior como neste primeiro ano de governo Bolsonaro. Aqui na Europa, há praticamente uma unanimidade nas críticas ao governo brasileiro em toda mídia e uma manchete do Courrier International, reproduzindo um comentário da Deutsche Welle, é um deprimente resumo:
"Um ano depois, Bolsonaro nada fez pelo Brasil senão destruí-lo".
A descrição da situação brasileira, pelo correspondente em São Paulo, é desanimadora: uma economia parada que não anima os investidores e nem cria empregos, enquanto a moeda brasileira nunca esteve tão baixa frente ao dólar. Isto deveria favorecer o turismo, porém o número de turistas no Brasil baixou em 5%.

Qual seria a causa dessa recusa dos turistas? A crescente rejeição à figura de Bolsonaro, conhecido por seu ódio às minorias, pela agressividade e por incentivar o desflorestamento da Amazônia. 

Entre os brasileiros, constata a Deutsche Welle, a decepção aumenta e, hoje, não seria eleito, pois apenas 29% dos eleitores ainda continuam lhe dando apoio. Tais eleitores ainda fiéis seriam praticamente os evangélicos racistas, homofóbicos, reacionários e os nostálgicos da ditadura militar que, felizmente, assinala o correspondente, não são suficientes para ganhar uma eleição.

Bolsonaro pretendia acabar com a corrupção, porém tem ministros corruptos e existem suspeitas de corrupção sobre um de seus filhos. A criminalidade aumentou, há mais violência contra as mulheres, contra os negros, contra a comunidade LGBT, contra os indígenas e contra os militantes pelos direitos humanos e pela defesa do meio ambiente.

Sem cumprir suas promessas, Bolsonaro utiliza a retórica, apela ao nacionalismo e à mentira, como mostrou seu discurso na ONU, revelando o mundo esquizofrênico no qual ele vive. Para ele, os incêndios na Amazônia são invenção da mídia e ignora a mudança climática que preocupa o restante da humanidade.

Para Philipp Lichterbeck, correspondente da Deutsche Welle, o Brasil perde seu tempo: restam três anos pela frente para lutar com seus velhos demônios em lugar de se voltar para o futuro.

Por sua vez, a Radio France Internationale destaca o ceticismo de Bolsonaro com relação às mudanças climáticas, causa do desflorestamento, e a diminuição do controle dos crimes contra o meio ambiente. O objetivo é a exploração da região amazônica para criação de gado e atividades mineiras, entre outras causas.

Num único ano, destaca a RFI, com os incêndios das florestas, houve um aumento de 84% no desmatamento da região.

O prestigioso jornal Le Monde expressa sua preocupação diante da possibilidade de uma longa permanência de Bolsonaro no poder: não se trata de uma febre passageira, alerta o correspondente Bruno Meyerfeld, no Rio de Janeiro.

O resumo do ano Bolsonaro, segundo Le Monde, inclui mentiras em série, observações racistas e homofóbicas, apologia da tortura e da ditadura, piadas fecais sujas e misóginas, delírios conspiratórios e insultos a dirigentes de países estrangeiros – que fazem o estadunidense Trump e o italiano Salvini parecerem pessoas de grande cortesia ou gentis sociais-democratas.

Porém, o correspondente do Le Monde deixa entrever uma esperança, a de que uma tal tempestade no governo brasileiro possa terminar antes do fim do mandato de Bolsonaro, citando que um terço dos 38 presidentes não chegaram ao término dos seus quatro anos.

Chantal Rayes, correspondente dos jornais Libération, da França, e Le Temps, da Suíça, enfatiza uma perda importante: 
"A política ultraliberal posta em prática pelo líder de extrema-direita procura liquidar com os programas sociais deixados por Lula e Dilma Rousseff, começando pelo setor das habitações".
Uma análise importante do primeiro ano Bolsonaro é a dos jornalistas Benedikt Peters e Christoph Gurk, que escrevem para os jornais alemães e suíços Süddeutsche ZeitungDie Zeit, Tages AnzeigerBasler ZeitungBerner Zeitung e Der Bund

Ao comentarem o aparentemente estranho comportamento de Bolsonaro, dizem esses correspondentes: 
"O político de extrema-direita está lutando contra os jornalistas, ambientalistas, políticos e a ativista ambiental Greta Thunberg. 
Tudo isso poderia ser interpretado como a ação enganosa de um chefe de Estado confuso. Mas isso seria um erro. Porque os insultos e o argumento são sistemáticos".
 Para Bolsonaro, dizem os correspondentes, a floresta não tem nenhum valor, porém o solo onde estão as grandes árvores é um tesouro inexplorado; em seu lugar, logo haverá gado e empresas de mineração. Quem protestou contra isso foi removido ou demitido de seus cargos. 

Quando organizações e governos estrangeiros criticaram as queimadas, Bolsonaro apelou ao nacionalismo e inventou existir uma campanha internacional liderada pelo ator Leonardo DiCaprio, só aceita mesmo por seus fanáticos seguidores.

A conclusão dos jornalistas é preocupante: a violência contra homossexuais tem aumentado por influência indireta de Bolsonaro, que, durante a campanha presidencial, se declarava orgulhoso por ser homofóbico, tendo mesmo afirmado: 
"Eu não poderia amar um filho gay. Prefiro que ele morra num acidente de carro".
A escalada de violência policial também foi destacada pelos correspondentes:
"A situação nas favelas do Rio ou São Paulo é particularmente dramática, onde a polícia está travando uma guerra contra os pobres e negros, alimentada por Bolsonaro, que declarou publicamente não ver problema em policiais matando pessoas. 
De fato, há vítimas de violência policial todos os dias, inclusive crianças. Somente no Rio, quase um quarto dos assassinatos são devidos à polícia".
A REAÇÃO INSANA DE BOLSONARO — O presidente Bolsonaro não leu esses resumos do seu governo em 2019, pois não é chegado numa leitura, e mandou cortar todas as assinaturas de jornais destinados ao Palácio da Alvorada, em Brasília. 

Se houvesse lido, teria ficado furioso e proferido alguns palavrões, na linguagem desbocada de quem é carente de maior vocabulário. Talvez decidisse expulsar os correspondentes do Brasil, mesmo porque quase houve um precedente no passado.

Sua reação mais recente às críticas dos jornalistas visou profissionais da imprensa brasileira que estavam diante dele no Palácio da Alvorada: 
"Vocês são uma espécie ou uma raça em extinção e deveriam ser cuidados pelo Ibama".
O recado foi dado: na hipótese de ele obter poderes para isso, a imprensa não afinada com Bolsonaro vai ter de se dobrar aos seus caprichos e os jornalistas independentes (que não são nem uma raça nem uma espécie, mas cidadãos formados em jornalismo, portanto profissionais da imprensa) serão extintos. Noutras palavras, serão demitidos ou processados ou ameaçados, para que deixem de escrever ou de falar na mídia.

O dramático nessa aceleração de ameaças é constatar o constante apoio dos líderes e fiéis evangélicos a Bolsonaro, quando a palavra-chave da Reforma era a livre interpretação dos Evangelhos, ou seja, o respeito ao livre arbítrio, com a decorrente liberdade de imprensa.

O desmantelamento do Brasil não fica só na ameaça aos profissionais da imprensa, chega mesmo à base da formação cultural, logo depois da alfabetização – Bolsonaro quer transformar os livros didáticos em cartilhas ilustradas para limitar o acesso ao conhecimento das novas gerações. Cartilhas nacionalistas ou fascistas ou evangélicas ao nível intelectual do presidente, para acostumarem as crianças a não pensar e a não ir além do permitido ou por Deus ou pelo presidente. 
Dramático, porque a esse mesmo nível serão levados os filmes, peças teatrais, composições musicais, espetáculos de dança, num incêndio da cultura e da formação brasileira tão grave quanto o incêndio da Amazônia. (por Rui Martins, diretamente da Suíça)

2 comentários:

william orth disse...

Boa tarde Celso. Realmente Bolsonaro é uma caricatura. Mas e Lula? Este foi condenado em pelo menos 2 instãncias. Quando saiu em uma situação constrangedora disse que deveriam prender o culpado do suicídio(???)Fora outras pérolas( vento aprisionado da Dilma).Quebrou o país, espalhou a corrupção etc. Mas isso o Rui não fala.Isso não da vergonha. Mais uma dúvida, porque o Rui não fala que a taxa de homicídios esta caindo ?Rui se acha acima do bem e do mal. Bom, lá na Suiça o socialismo do Rui funciona. Opa, esqueci que lá não é Cuba nem Venezuela né Rui. Abraço.

celsolungaretti disse...

William, o mais apropriado é que o Rui lhe responda, já que suas críticas a ele foram personalizadas.

Então, quero apenas esclarecer que o artigo em questão fez parte dos balanços do ano findo: o Rui o escreveu para o Observatório da Imprensa, com o objetivo de mostrar como o transcurso do primeiro ano do governo Bolsonaro foi avaliado pela imprensa européia.

E, como de hábito, eu também o publiquei, assim como o Rui publica no Direto da Redação os artigos que escrevo para o Congresso em Foco.

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