domingo, 15 de dezembro de 2019

A 'POLÍCIA BANDIDA' TEM TUDO A VER COM A INFLUÊNCIA EXERCIDA POR UM PRESIDENTE QUE ELOGIA O ARBÍTRIO E A TRUCULÊNCIA

demétrio magnoli
INIMIGOS DA POLÍCIA
Há, e são muitos, policiais profissionais que cumprem a sua missão de proteger a ordem pública e a segurança dos cidadãos respeitando estritamente a lei. 

Existem, e não poucos, policiais que vão muito além de seu dever. Eles apartam brigas de casais, assumem riscos pessoais excessivos para salvar indivíduos em perigo, fazem partos em situações de emergência, amparam famílias durante os dias traumáticos do sequestro de um dos seus. Por culpa dos inimigos da polícia, geralmente esquecemos disso.

Um inimigo da polícia é o policial que usa sua arma como ferramenta para violar a lei. Aquele que chantageia pessoas vulneráveis para obter propina, cobra tributos informais de atividades irregulares, engaja-se na intermediação de negócios ilegais, associa-se a máfias políticas ou empresariais. 

Ou, ainda, aquele que pratica pequenos gestos cotidianos de arbítrio, recorre à brutalidade gratuita, envolve-se em operações de vingança homicida, forma milícias. 

Esse tipo de policial degrada sua profissão: a substância pegajosa que dele emana suja o uniforme de seus colegas honestos e mancha até mesmo os distintivos dos colegas heroicos. 

O policial contaminado pelo preconceito é um inimigo da polícia. Ele enxerga o bairro de periferia ou a favela como terra estrangeira —e seus habitantes, especialmente quando jovens e negros, como delinquentes naturais. 

Sob a lente de seus óculos, o baile funk dos pobres é orgia criminosa. Nesse olhar fraturado começa o trajeto que se conclui em tragédias como a de Paraisópolis, em São Paulo. 

Entretanto, quase invariavelmente, a consumação da barbárie depende de uma palavra que vem de cima.

A polícia é o que seus comandos querem que seja. A cultura policial nasce nos escalões superiores —isto é, nos comandantes e nas autoridades políticas que os selecionam.  

Policiais bandidos sempre existirão, mas a polícia bandida é o fruto do presidente que elogia o arbítrio e a truculência, do filho do presidente que homenageia milicianos, do governador que pede tiros bem na cabecinha ou do que nada vê de condenável na alta letalidade das operações de sua polícia.

Os principais inimigos da polícia têm nome e sobrenome: chamam-se Jair Bolsonaro, Wilson Witzel, João Doria.

O policial profissional sabe que o policial bandido é seu inimigo —e, por isso, espera que sistemas de controle o identifiquem e excluam da corporação. 

Entre os maiores inimigos da polícia encontra-se Sergio Moro, o ministro que, por meio de seu excludente de ilicitude, almeja impedir a punição de criminosos uniformizados. 

O dispositivo, se aprovado, representaria o triunfo jurídico da polícia bandida —ou, dito de outro modo, o enterro definitivo da polícia profissional. Atrás da proposta legislativa, espreita a sombra do esquadrão da morte.

A Lei de Drogas, envelope jurídico do preconceito social, é o pátio de encontro dos inimigos da polícia. Seus holofotes comprimem, numa tábua única, a alta criminalidade do narcotráfico, o pequeno crime da mula ou do aviãozinho e o consumo de entorpecentes no pancadão da periferia (esqueça a rave de Pratigi, na Bahia: nas festas da classe média não circulam drogas!). 

Os adolescentes mortos em Paraisópolis são danos colaterais da Lei de Drogas, como o são as crianças alvejadas no Rio e a multidão de presos sem nome das penitenciárias convertidas em escolas do crime.

Os inimigos da polícia fazem com que, no lugar de respeito, a polícia se torne objeto de temor, aversão e ódio. Não há nada mais perigoso do que isso para os policiais. 

Eles têm que cumprir sua missão em territórios hostis, entre pessoas que os enxergam como as ameaças mais letais. Devem, portanto, operar em comunidades que preferem o silêncio à cooperação ou, em casos extremos, escolhem cooperar com os criminosos. 

O partido do excludente de ilicitude também mata policiais. (por Demétrio Magnoli)

6 comentários:

William Orth disse...

Bom dia. Puxa o Demétrio, que é outro que não entende nada de Polícia esqueceu de colocar a notícia de que uma médica e um enfermeiro foram sequestrados de uma unidade da prefeitura para atender um ladrão baleado no miolo da Paraisópolis. Sim. Sequestro com cárcere privado. Coisa de filme de televisão. Ah, mas isso ele não fala porque não interessa, afinal o ladrão baleado é uma vítima da truculência policial. As pessoas humildes trabalhadoras ficaram sem atendimento até hoje porque a prioridade é o santinho criminoso. Volto a insistir. Esses caras que moram nos Jardins, Leblon e escrevem na folha e UOL vão reeleger Bolsonaro em 2022. Não diga que não avisei. Abraço.

Anônimo disse...

***
Deus criou a natureza
E também as belezas
Desta vida
O Planet Hemp quer saber
Por que é que essa erva
É proibida?...
Perguntam Bezerra da Silva e Marcelo D2 na música Erva Proíbida.
Para quem tiver interesse de saber por quê, o Rafael do canal Ideias Radicais fez o vídeo
"Por que a Maconha é proibida? Uma análise histórica"
É um vídeo com quase 50 minutos no qual ele destrincha as origens da proibição e da "guerra ás drogas".
Ele vai muito mais além do que o cara deste texto explicitou.
Acredito que vale a pena googlar e assistir a peroração e escutar a canção.
***
SF
*

Anônimo disse...

É o mesmo D.M. que disse uma vez:
"O Juiz Moro é acusado de fazer política, com ambições políticas, as mesmas
acusações que já foram feitas ao Ministro
Joaquim Barbosa.
Trata-se de difamação, os atos de Sérgio Moro
são bem embasados e seguem os ritos cabíveis,
e foram confirmados em 99% pelos Tribunais
Superiores, inclusive o STF. Não se trata de
um juiz que decidiu perseguir partidos políticos
e pessoas com objetivos inconfessáveis, sem
prestar contas à hierarquia do Poder Judiciário." Hã???

celsolungaretti disse...

E o que tem isso a ver com o post de hoje? Quem condena os pecadores ao inferno eterno são os fanáticos religiosos. Eu não vou deixar de publicar um artigo corajoso, consistente e otimamente escrito por causa de um erro de avaliação de vários anos atrás.

E digo mais: como um partido de esquerda havia se mancomunado com alguns dos piores crápulas do capitalismo, envolvendo-se em todo tipo de maracutaias, um analista honesto tinha motivos para acreditar que o Moro estivesse apenas fazendo seu serviço.

Só a partir da incorporação do Moro à horda do Bozo e das revelações da vaza-jato é que passaram a ser casos perdidos aqueles que o continuavam apoiando. O Magnoli e o Padilha, pelo contrário, desde então o repudiaram.

Os petistas não se conformam até hoje com tais posturas? É por não terem feito a autocrítica que estão nos devendo até hoje. Como diz o povão, quem dorme com cães acorda cheio de pulgas.

Independentemente de a quem pertencia o sítio, o triplex e outras ninharias, que só interessam a quem dá importância à Justiça burguesa (eu não dou!), é incontestável que houve um mar de lama e que o PT não pode negar sua responsabilidade POLÍTICA por tudo de catastrófico que dele adveio. Pois é isto que verdadeira interessa para nós, não as responsabilidades criminais, que são a única coisa que o PT discute e tenta negar desde o começo.

Está na hora de vir a público esclarecer o PRINCIPAL: que mensalões e petrolões nada têm a ver com os valores da esquerda e que os petistas que chafurdaram no mesmo chiqueiro dos políticos profissionais fisiológicos não estavam agindo como homens de esquerda quando assim procediam.

Anônimo disse...

"(...)um erro de avaliação de vários anos atrás."
"(...)um analista honesto tinha motivos para acreditar que o Moro estivesse apenas fazendo seu serviço."

O que é isso companheiro? Você realmente acredita na ingenuidade do D.M.?

celsolungaretti disse...

O conluio descarado do Moro com a Lava-Jato só se evidenciou depois dos vazamentos.

Quanto à responsabilidade política do PT por haver desmoralizado não só a si próprio quanto à esquerda brasileira como um todo (o cidadão comum não fazia distinção entre a força dominante e os agrupamentos menores que se mantiveram fiéis aos valores revolucionários), eu já alertara que isto aconteceria em meados de 1997, no artigo "PT expulsa PT", publicado com destaque na página de Opinião do Jornal da Tarde (que era um vespertino importante de SP naquele tempo).

O PT expulsou Paulo de Tarso Venceslau porque ele tentou deter o primeiro grande desvio de recursos dos cofres públicos para os do PT. Alertei que tal aberração teria o efeito de um "liberou geral!" e que o abandono da moral revolucionária um dia destruiria o partido.

O desvirtuamento do PT não escapava aos bem informados, como o Magnoli. Então, é compreensível que ele não tivesse, num primeiro momento, uma noção mais precisa do desvirtuamento da Lava-Jato.

Mas, se temos de guardar rancor de alguém, é do PT, que nos deixou com a imagem de farinha do mesmo saco, tirando-nos da condição de exceção à podridão moral dominante na política brasileira.

Hoje, se quisermos reconstruir a esquerda, terá de ser como nos anos 60, quando o PCB se desmoralizou por causa de sua incapacidade de prevenir e, depois, de reagir ao golpe de 1964, então seus melhores quadros debandaram para outros agrupamentos, reduzindo-o à insignificância.

O PT está totalmente queimado e atrapalha o resgate da credibilidade da esquerda. É ISTO que devemos lamentar, não os papéis desempenhados por alguns intelectuais.

Agora é fácil dizer que a Lava-Jato não passou de um instrumento para afastar a esquerda do poder. No entanto, em 2008, quando da Operação Satiagraha (uma mera disputa de mercado entre duas gangues capitalistas, na qual uma esquerda de verdade não tinha motivo nenhum para alinhar-se com qualquer uma delas), eu fiquei praticamente sozinho afirmando que o combate à corrupção era e sempre fora uma bandeira da direita.

Boa parte da esquerda viu naquele episódio uma oportunidade para obter ganhos políticos como paladina do combate à corrupção. Ou seja, não só o PT dera motivos para ser acusado de corrupto, como a esquerda não adotava a atitude corajosa de explicar ao povo que a maior de todas as corrupções é a existência do capitalismo em si.

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