segunda-feira, 25 de novembro de 2019

"O NEOLIBERALISMO NASCEU NO CHILE E MORRERÁ NO CHILE", AFIRMA UM LÍDER SECUNDARISTA DA LUTA CONTRA PIÑERA

A insurreição chilena é coisa de muchachos (jovens, moços). Às vezes, quase crianças. 

Os estudantes se rebelam há mais de uma década contra o sistema educativo implantado por Augusto Pinochet e contra a herança da ditadura. Desta vez, conseguiram o apoio de grande parte da sociedade chilena:
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"Nos acostumamos à violência, não temos nada a perder”, diz Víctor Chanfreau, de 17 anos, porta-voz da assembleia de estudantes secundaristas. “O neoliberalismo nasceu no Chile e morrerá no Chile". 
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Nas ruas de Santiago, devastadas após quase cinco semanas de protestos e destroços, as batalhas campais são cotidianas. Os carabineros [polícia militarizada], conhecidos como pacos, e o Exército atuam com uma dureza que beira a brutalidade durante o estado de emergência. Já são 23 os mortos em todo o país. Mais de 200 pessoas perderam os olhos ou sofreram lesões oculares graves porque as forças de segurança não hesitam em disparar balas de efeito moral. 

Mas os jovens continuam se manifestando. Os feridos recebem atendimento médico em centros improvisados. “Têm uma coragem que nós, amedrontados pela experiência da ditadura, não pudemos ter”, afirma Carla Peñaloza, doutora em História e professora da Universidade do Chile.

É preciso conversar com Peñaloza num café, porque o edifício da Universidade foi ocupado pelos estudantes. Trata-se de uma ocupação organizada, e um recepcionista atende, afável, atrás de uma mesa que bloqueia a entrada. Lá fora há uma manifestação de professores. O ambiente parece próprio de uma situação revolucionária. “Tudo isso às vezes cansa e dá medo, mas a normalidade em que vivíamos era falsa; a realidade é o que vivemos agora”, diz a docente.

Pinochet promulgou a Lei Orgânica Constitucional do Ensino, publicada no Diário Oficial em 10 de março de 1990 –mesmo dia em que o ditador cedeu a presidência a Patricio Aylwin. 

Seu último legado foi um sistema educativo que entregava o ensino público aos municípios e favorecia a segregação entre centros para ricos e centros para pobres, além de limitar um gasto estatal que ainda hoje, após várias reformas, continua sendo o mais baixo entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

Era uma educação ajustada aos dogmas neoliberais. A universidade privada exige que os estudantes se endividem durante anos ou décadas para pagarem os cursos.

A primeira grande explosão estudantil ocorreu em 2006. Foi a chamada revolução dos pinguins, por causa dos uniformes escolares. Mais de 400 centros fecharam, e 600 mil rapazes participaram das marchas e greves do 30 de maio: foi a grande crise que inaugurou a presidência de Michelle Bachelet, uma antiga vítima da ditadura que acabava de chegar ao palácio de La Moneda. A rebelião dos jovens explodiu de novo em 2008, 2011,2012, 2015 e 2018.

O atual presidente, o conservador Sebastián Piñera, teve uma ideia para acabar com as rebeliões estudantis. Sua lei Sala Segura, aprovada no ano passado pelo Congresso, permitia expulsar os alunos que portassem algum tipo de arma, cometessem algum tipo de agressão ou causassem danos à infraestrutura
Na prática, a norma permitia expulsar os que protagonizassem protestos, como a ocupação de uma escola. Com isso, muitos garotos se convenceram de que não deviam esperar nada da presidência ou dos parlamentares. 

O Congresso é hoje uma instituição sem nenhum prestígio entre os jovens contestadores e percebido pela maior parte da sociedade, segundo diversas pesquisas, como quase irrelevante. Muitos deputados atribuem o problema à impossibilidade de acabar com o ajuste constitucional imposto por Pinochet.

O darwinismo social legado pela ditadura, o culto aos âmbitos individual e privado em oposição ao coletivo e público, marcou uma geração. “Nas manifestações dos últimos dias, vivenciei pela primeira vez na vida um sentimento de comunidade”, diz uma jovem escritora nascida quando a ditadura se transformou numa democracia vigiada pelo próprio Pinochet, a partir da chefatura do Exército.
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OPINIÕES DIVERGENTES — A jovem prefere não dar seu nome. É uma cautela frequente. Talvez por uma (justificada) desconfiança em relação à imprensa, talvez pelo medo de expressar opiniões que divergem do sentimento coletivo. 

Um grupo de estudantes que se senta na Avenida Providencia e bloqueia o trânsito ao meio-dia também prefere que seus comentários sejam atribuídos a nós
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"Nós queremos que este sistema injusto acabe agora, que os repressores paguem e que o Chile deixe de ser propriedade dos cuicos [classe alta e dominante]", diz uma adolescente de uniforme, pouco antes de os carabineros dispersarem o grupo com jatos de água.
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Os estudantes que bloqueiam o trânsito não pertencem a famílias pobres, mas tampouco se sentem parte desse núcleo abstrato que costuma ser resumido em alguns sobrenomes transformados em símbolos (Larraín, Walker, Edwards, Zaldívar) e recitados como uma oração. 

Não há dúvida de que o sistema privilegia os poderosos. Um claro exemplo disso foi o dos empresários Carlos Délano e Carlos Lavín, que no ano passado, após cometerem uma enorme fraude fiscal, foram condenados a uma pena de quatro anos de prisão que o próprio juiz substituiu por uma obrigação de comparecer a aulas de ética. “Os abusos são escandalosos”, diz um executivo espanhol que trabalha para uma empresa chilena.

“Lutamos pela educação, mas também por aposentadorias decentes, por um salário-mínimo digno, pelo direito ao aborto, pelo fim do sistema opressivo”, enumera o porta-voz estudantil Víctor Chanfreau. “Que não nos digam que essas coisas não são assunto nosso, porque são: afetam nossos familiares e nos afetarão no futuro”, diz.

Chanfreau, que foi detido algumas vezes durante os mandatos de Bachelet e Piñera, é neto de Alfonso Chanfreau, um desaparecido na ditadura de 1974. Não recrimina os pais pelo medo de protestarem nas ruas: 
"Eles sofreram a ditadura militar e uma repressão terrível. É normal. Entendo que minha mãe tema por mim”. O importante, segundo ele, é que o medo esteja se transformando em “raiva, alegria, capacidade de organização". 
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“Nós, jovens, não somos os heróis dessa história. Cada pessoa que se mobiliza é heroica”, afirma. (reportagem de Enric González publicada no jornal El País com o título de A revolução dos jovens do Chile contra o pesadelo social herdado de Pinochet)
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Jovens manifestantes chilenos cantando em 2019 "El derecho de vivir en paz",
uma das composições mais populares de Victor Jara, assassinado em público
pela ditadura de Pinocht num estádio de futebol transformado em prisão

2 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto as consciências de classe subitamente emergem nos países hermanos, por aqui, as TV's continuam manipulando os sentimentos do povão...dessa vez, toda a atenção e preocupação é com a morte de um ex apresentador de auditório.

celsolungaretti disse...

Isso também me choca, companheiro. Ver pessoas tão comuns se tornarem especiais para milhões só porque o sistema resolveu direcionar os holofotes para elas. E ainda alardeiam meritocracia! Nem a pau, Juvenal.

Na máquina de fazer doidos há muito assisto só noticiosos e esportes. Antes, via também filmes. Agora aprendi a baixar tudo que me interessa ver e ganhei acesso a obras muito melhores, pois consigo acessar arquivos e legendas não disponibilizados no Brasil.

Então, a única imagem que eu tenho do Gugu é como o sujeito que, no comecinho do SBT, aparecia nos intervalos dos filmes ligando para telefones escolhidos a esmo. Se a pessoa estivesse assistindo ao filme, ganhava prêmio. Dava para perceber que era para isso mesmo que ele servia, mas o fabricaram como grande personalidade de TV. Podia ser qualquer outro, daria no mesmo.

E o Faustão? Era um razoável repórter de campo nas transmissões radiofônicas de futebol. Ganhava a vida de forma mais honesta do que agora, quando contribui para a imbecilização de tanta gente por meio do seu abominável programa dominical.

Ao mesmo tempo, principalmente fazendo revistas de música, conheci artistas muito mais talentosos do que os consagrados, mas que nunca se projetaram. Talvez por serem bons demais para os padrões rasteiros da indústria cultural brasileira.

Tem esquerdista que é contra apenas as mazelas mais gritantes do capitalismo, como a desigualdade, a destruição da natureza, etc. Eu detesto o todo e cada uma de suas partes. Acho insuportável a sociedade que o capitalismo produz e as pessoas que ele forma.

Minhas lembranças mais felizes são as do tempo do movimento estudantil e, depois, de quando vivi em comunidade alternativa, porque convivia e interagia com pessoas empenhadas em se tornarem pessoas melhores e mais despojadas, fraternas e sensíveis, sem os defeitos incutidos por uma sociedade podre.

Também me dava bem com os companheiros da luta armada, mas foi um período com tantas tragédias que as recordações acabam não sendo boas. Certa vez me dei conta de que, quando lembrava os acontecimentos de 1968, pareciam terem todos se passado em dias ensolarados; e os de 1969 a 1971, em dias escuros, nublados, chuvosos.

É óbvio que a realidade não tinha sido essa, havia dias bonitos e feios nos dois períodos. Mas, as emoções interferiam com as lembranças. A fase em que corri muito perigo e a toda hora recebia notícias ruins sobre o destino dos companheiros ficou marcado para mim como sombrio.

Acho uma lástima saber que, nesse meio século como revolucionário, não consegui melhorar nem um pouco o Brasil que vou legar para minhas filhas; em alguns aspectos está pior ainda do que em 1967, quando entrei nesta estrada.

Mas, como ainda não estou com o pé na cova, tenho a esperança de que ainda haja melhoras. Pelo menos, que o Bozo e seus freaks voltem para a insignificância da qual jamais deveriam ter saído.

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