segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O LIBERALISMO NÃO É LIBERAL – 1

Nada mais intervencionista, do ponto de vista estatal, do que o liberalismo quando a economia apresenta os seus entraves de crescimento e se estabelecem os impasses próprios às suas contradições endógenas e exógenas.

Por seu turno, nada mais liberal do que o keynesianismo quando se trata de necessidade de expansão econômica de uma economia estatizante (o caso da China é exemplar).

As duas doutrinas obedecem a um único critério, qual seja a necessidade de sustentação do insustentável: a lógica do capital e de suas categorias econômicas, dentre as quais o Estado figura como cidadela que se pretende inexpugnável.

Ambos os projetos, o liberal e o keynesiano, são estatistas, ainda que sob formas políticas ligeiramente diferenciadas (mas convergentes, pois o capital não pode viver sem o apoio do Estado mantenedor da regulamentação da ordem de exploração social pelo trabalho abstrato, primeira e primária categoria do capital, sem a qual não se acumula o dito cujo).

Originária da doutrina iluminista que queria livrar as emergentes relações mercantis do jugo monárquico-eclesiástica feudal, a palavra liberalismo se origina do termo latino liber (liberdade).
"as duas doutrinas obedecem a um único critério"

Nada mais conveniente para as doutrinas escravistas emergentes do que o uso de palavras que passam a ter conotação semântica indutora de conceitos libertários quando, na verdade, apenas encobrem as históricas formas de escravização do homem pelo homem. A palavra democracia é uma delas. 

O liberalismo, que teve no economista Adam Smith um dos seus mais proeminentes defensores nos albores do século 18, advinha da política do laissez-faire (deixar fazer, deixai passar, o mundo segue por si mesmo), que se contrapunha à doutrina fisiocrata (da aristocracia rural) e defendia mais liberdade para a fruição mercantilista. 

Apesar de embutir a prática da sub-reptícia escravização indireta do trabalho abstrato, o liberalismo não embutia crueldade tão evidente quanto a da escravização direta dos servos europeus ou negros africanos. 

Defendida por doutrinadores economistas e filósofos como John Locke, David Hume, Immanuel Kant, Adam Smith, David Ricardo, Jean Baptiste Say, George Berkeley, Edmund Burke e, mais recentemente, por Milton Friedman, a filosofia liberal tinha como pressuposto conceitual a ideia de que, por ensejar que os indivíduos sociais fossem livres para promover a própria iniciativa, sem a coerção do Estado feudal dono de quase tudo e senhor das leis, ela seria libertária.
"liberdade para a raposa conviver livremente com as galinhas"

Consideravam, ademais, que tal suposta liberdade promoveria o bem-estar social coletivo. Mas, tal doutrina estava assentada sob um pressuposto limitador: a relação social mercantil segregacionista (equivocadamente tida como libertadora do escravismo direito então praticado).

Ora, jamais poderia ser libertária uma doutrina baseada numa lógica abstrata de relação social que, já no seu nascedouro, promovia a segregação social. 

A verdadeira mudança foi a de que o senhor de todos as verdades não seria mais o absolutismo governamental. O papel de definir as regras das novas formas de relações sociais passou a ser exercido por uma lógica impessoal, abstrata, vazia de sentido humano (pois apenas se aproveita utilitariamente das pessoas), baseada numa lei legiferada por tal sentimento de exclusão social.

Concedia-se à raposa a liberdade para conviver livremente com as galinhas num mesmo galinheiro.

O Estado passou a ser dividido em poderes independentes e harmônicos entre si, próprios à doutrina republicana liberalista, que serviriam a impessoalidade do capital, o novo e tirânico soberano. Nesta nova formatação, o Estado se tornou o súdito obediente e dependente das relações econômicas emergentes que o sustentariam pela via da cobrança dos impostos. 
"...capital, o novo e tirânico soberano"

Tudo, então, passou a ser mensurado e regido por um padrão monetário representativo do valor como relação social.

Assim, com sua nova formação política obedecendo à imposição das regras mercantilistas, o Estado atuaria a favor das ditas cujas como guardião da regulamentação social pelas leis burguesas, que antes de serem pretensamente isonômicas, correspondem justamente à legalização oficial da corrupção intrínseca à acumulação do capital. 

Refiro-me, evidentemente, ao roubo oficializado e descriminalizado da apropriação indébita do valor produzido pelos trabalhadores na subjugada venda da mercadoria força de trabalho pelos trabalhadores. 

Mas, com o tempo foram aguçando-se as contradições de uma relação social baseada na exploração de uma minoria sobre a maioria, causadora de crises cíclicas e insustentabilidade social e ecológica. Aí caiu a máscara do Estado republicano e se pôde perceber todo o seu faciosismo intervencionista opressor.

Foi o Estado liberal pretensamente isonômico em face das relações sociais aquele que mais promoveu genocídios em curto espaço de tempo na história da humanidade, com destaque para as duas guerras mundiais.
Por Dalton Rosado
E é o Estado republicano capitalista que, paradoxalmente, nega agora os direitos sacramentados na fase ascendente do capitalismo, pois eles já não são mais possíveis de serem concedidos. Então, o capital atualmente exige o sacrifício de seus alimentadores (os trabalhadores) no altar da famigerada concorrência de mercado.   
(continua neste post)  

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