segunda-feira, 14 de outubro de 2019

ROMANCE DE BOLSONARO COM TRUMP NUNCA PASSOU DE UMA MIRAGEM

Para o público, era o casamento hétero dos sonhos. O capitão queria refazer o mundo com o magnata. Mas, em privado, o romance nunca passou de uma miragem.

Logo nas primeiras semanas, Bolsonaro fraquejou na hora de bancar a escalada militar na Venezuela. O episódio contribuiu para a demissão de um dos principais fiadores da sua relação com Donald Trump, o beligerante John Bolton.

Acostumado a dividir a humanidade entre vencedores e fracassados, o presidente americano também ficou desiludido com a gestão calamitosa da crise da Amazônia, que ressuscitou um dos seus antagonistas, Emmanuel Macron. 

Sinal mais recente do distanciamento, a conferência da Conservative Political Action Conference [tentativa de estruturação internacional da extrema-direita] deste fim de semana não passou de uma festa de condomínio cheia de figurinhas carimbadas.

O convidado mais importante era um obscuro senador de Utah. Muito pouco para um evento apresentado como fundador de uma nova época nas relações Brasil-Estados Unidos.  
"sonho americano fez Bolsonaro tomar decisões desastrosas"

Mergulhado numa guerra comercial e frustrado com a debacle de Binyamin Netanyahu em Israel, Trump passou a ver a revolução conservadora como uma prioridade secundária e até um embaraço.  

Para complicar as coisas, o processo de impeachment tem na sua origem agentes externos dispostos a tudo para agradar ao presidente americano. Os republicanos passaram a abominar a ideia de contar com mais um embaixador voluntarista e inexperiente na pessoa de Eduardo Bolsonaro.

Além de serem ridículas, as constantes analogias matrimoniais de Bolsonaro revelam uma incapacidade profunda de entender a natureza das relações internacionais. Não são os líderes que se relacionam, são os Estados que cooperam. Nada se move com estardalhaços e berros, mas com longos e burocráticos processos.

Com base no sonho americano, o governo Bolsonaro tomou várias decisões estruturais e potencialmente desastrosas. 

Na questão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, p. ex., o mais grave não é o atraso no processo de adesão, mas a perda de estatuto de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio, que jamais poderá ser revertida.
"festa de condomínio cheia de figurinhas carimbadas"

Mais grave ainda, a paixão americana deixou as relações internacionais do Brasil em frangalhos. 

Na Europa, o presidente é persona non grata, e o acordo com a União Europeia é dado como morto e enterrado. 

Ele é visto pelos Brics como aquele cara que largou a família por uma aventura e agora quer voltar para casa. O problema é que a família saiu por cima. O Banco dos Brics finalmente decolou, e os sul-africanos ocuparam o vazio deixado pelos brasileiros.

Preocupados com a atitude brasileira na Venezuela, chineses e russos parecem pouco entusiasmados com a ideia de reacomodar o brasileiro errático. 

Bolsonaro se encontra em situação semelhante na América Latina, onde queimou as pontes com o futuro presidente da Argentina e alienou o seu mais competente aliado, Sebastián Piñera.

Na vida como na política, não se deve subir tom sem ter a garantia de que se pode ganhar a briga. Bolsonaro e os seus inexperientes diplomatas viraram a mesa em troca de uma promessa que jamais será cumprida. 

Agora fica a pergunta: tem alguém sobrando para dialogar com o presidente brasileiro? 
(Por Mathias Alencastro, doutor
em ciências políticas por Oxford)

4 comentários:

Davis Holmes disse...

Análise vinda de um comunista , petista e bolchevique, só podia dar nisso. Aguarde.

celsolungaretti disse...

Prezado sr. Holmes,

o Mathias Alencastro cujo artigo este blog reproduziu é doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra), pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e especialista em política africana.

Foi assessor internacional da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência em 2015 e, no ano seguinte, diretor de Relações Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

É colunista da Folha de S. Paulo desde abril de 2017.

Já sobre o Mathias Alencastro ""comunista, petista e bolchevique" a quem o sr. se refere, não encontrei uma linha sequer em lugar nenhum.

Espero que o sr. possa indicar a fonte dessa sua afirmação, como deve ser um cuidado elementar quando se fazem afirmações desse tipo a respeito de outro cidadão.

Isso até o dr. Watson poderia lhe explicar.

Anônimo disse...

Caro, CL

Embora eu não acompanhe nenhum seriado da indústria cultural de roliúde, posso afirmar que o brazil desses novos tempos é um país de "walking deads"...

O pior é que talvez seja irreversível.

celsolungaretti disse...

Você viu as fotos do encontro da direita selvagem no último fds? Aqueles esquisitos todos pareciam mesmo ter saído de um seriado de zumbis...

Eu também não tenho muitas esperanças de que o Brasil ainda melhore (um pouquinho que seja) sob o capitalismo, antes da pane geral do sistema.

O que mais me preocupa é que a esquerda continua perplexa e inoperante. Seria importante termos uma esquerda lúcida por aqui quando as grandes crises estiverem acontecendo.

Poucos quadros, com muito discernimento e disciplina, podem fazer a diferença em momentos caóticos. A revolução de 1917 aconteceu assim. Os bolcheviques numericamente eram até insignificantes, mas sabiam o que queriam enquanto todos os outros estavam aparvalhados.

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