quinta-feira, 24 de outubro de 2019

PREFIRO DETONAR ESSA MERCANTILIZAÇÃO AMBULANTE DO QUE VER AQUELA VELHA CUPIDEZ PREVALECENDO SOBRE TUDO

O jornalista Jotabê Medeiros está lançando um livro sobre Raul Seixas que, como o de Rodrigo Janot sobre a própria imagem no espelho de seu narcisismo exacerbado, preencherá muitos espaços no noticiário não em função da obra em si, mas de um factoide suposto ou real.

Janot fez com que se tornasse conhecida uma mirabolante tentativa não levada às últimas consequências de assassinar o ministro Gilmar Mendes em plena sessão do Supremo Tribunal Federal, só que a data alegada não bateu com detalhes factuais e sua versão caiu no mesmo descrédito que tudo referente ao ex-PGR nos inspira.

Fiquei contente em saber que a noite de autógrafos ficou às moscas e que alguém disponibilizou a auto-oniro-biografia na web, de forma que ele pouco deve ter lucrado desmoralizando a si mesmo e inspirando dúvidas sobre a própria sanidade mental.

O livro sobre o Raul contém elucubrações a respeito de o maluco beleza haver, de alguma forma, contribuído para a prisão e tortura de Paulo Coelho  por parte do DOI-Codi.

Este artigo fez o Raul me chamar para pileques 
Mas, não há nada realmente conclusivo, fica tudo no campo das especulações e de uma ilação tirada a partir de um relatório da repressão que também não é taxativo.

Então, informo ao biógrafo fofoqueiro (e não é a primeira vez que escrevo isto) que tais relatórios e inquéritos eram verdadeiros sambas do crioulo doido. Primeiramente, porque condensavam informações arrancadas de torturados e estes, percebendo o que os inquisidores sabiam ou acreditavam saber, geralmente o corroboravam para evitar mais torturas. 

Depois, ao encerrarem os inquéritos, os responsáveis apresentavam tudo que haviam apurado como se tivesse sido afirmado por todos os réus, quando, na verdade, era a soma do que vários haviam admitido, um pouco cada um.

Porque coonestávamos tais farsas assinando embaixo? Porque as informações que tentávamos preservar no limite das nossas forças eram aquelas que poderiam levar à queda de militantes e ao desmantelamento de redes. 

Para informações que teriam uso apenas judicial não dávamos a mínima: sabíamos que nossas sentenças não dependeriam de provas, mas seriam previamente definidas pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas e os pseudos-julgadores, nas auditorias militares, apenas dariam um jeito de fazê-las parecerem consistentes.
Ocultismo livresco e fantasia de Merlin

Na década passada, recebi um levantamento de tudo que havia a meu respeito nos arquivos do Deops. Parecia obra de ficção. Eu era citado como presente em episódios que nem sequer conhecia (caso de um tribunal revolucionário do qual não fui juiz, embora a propaganda enganosa das viúvas da ditadura até hoje repita tal fake news).

Como recebi aqueles depoimentos na íntegra e não apenas os trechos a mim referentes, também notei que em várias ações armadas a autoria era atribuída a um número excessivo (o dobro do real, ou mais) de companheiros. 

Em alguns casos, eu sabia exatamente quantos e quais tinham atuado. Noutros, baseei-me nas características da ação, que nem de longe demandavam tanta gente no planejamento, execução e apoio. Preferíamos, por motivos de segurança, reduzir o pessoal envolvido ao mínimo necessário.

Minha conclusão, enfim, é de que algo tão nebuloso  e difícil de apurar tanto tempo depois como o que se está atribuindo ao Raulzito JAMAIS deveria ter sido incluído numa biografia. Por que e para que colocar sob suspeição, sem certeza nenhuma, um mito libertário da magnitude do Raul?

Piores, a meu ver, foram as reticências de Paulo Coelho, que nem confirmou, nem negou tal indignidade, mas disse haver suspeitado disso e se mantido calado por 45 anos. Esta afirmação profundamente infeliz (e jamais acreditarei que tenha sido incidental, em se tratando de um profissional da palavra), evidentemente levou água para o moinho dos interessados em insuflarem uma polêmica artificial.

Daí a repórter que o entrevistou para a Folha de S. Paulo ter incluído esta pérola no seu texto: 
Desta vez ele saiu muito mal na foto...
"Medeiros, por sua vez, crê que Coelho 'não tem a menor dúvida, hoje, após ver o documento, de que Raul o entregou'".
Que documento? Aquele mesmo da repressão que, noutro trecho da entrevista, é assim mencionado pela entrevistadora: "Mas, mesmo os papéis oficiais não são conclusivos". Durma-se com um barulho desses...

.OS MAGOS CARLOS CASTAÑEDA E PAULO COELHO EXIBIRAM O MESMO NÚMERO: A TRANSMUTAÇÃO DE LOROTAS EM OURO   De resto, já que Paulo Coelho habilmente ajudou a magnificar uma besteirinha dessas sem assumir francamente o ônus de acusar o ex-parceiro e receber o troco de quem acha tudo isso uma deplorável forçação de barra (meu caso!), vou lembrar o que me fez nunca mais levá-lo a sério. 

Quando bebi e papeei algumas vezes com o Raul no início da década de 1980 (mais sobre isso aqui e aqui), muita coisa se apagou da minha mente por causa das disputas de levantamento de copos que travávamos, mas algo me chamou tanto a atenção que retive para sempre na memória.

Segundo o Raul, ele e o Paulo Coelho eram tão obcecados por ocultismo que se davam ao trabalho de traduzir, apenas para uso próprio, textos quase desconhecidos de bruxos famosos do passado. Se bem me lembro, não só os escritos em idiomas vivos, mas até manuscritos em latim.

Ele até hoje continua fazendo seu teatrinho.
Então, somando dois e dois, encontrei quatro. Percebi que Paulo Coelho de mago nunca teve nada e apenas utilizara essas informações que absorvera para vestir uma fantasia de Merlin e enganar os otários com livros bem inferiores, p. ex., aos de Carlos Castañeda.

Só que o mexicano e sua literatura fantástica sobre bruxos e cogumelos havia sido desmascarado por um jornalista investigativo. Embora ele fizesse tudo que podia para esconder-se da imprensa, um repórter mais teimoso acabou descobrindo que Castañeda não passava de um pesquisador que fora a fundo no resgate de cultos primitivos do povo azteca. 

Aí, percebendo que faturaria muito mais fingindo ter vivenciado pessoalmente tais experiências do que admitindo que delas prosaicamente tomara conhecimento ao gravar depoimentos de velhos indígenas, jogou a tese acadêmica que estava escrevendo no lixo e lançou o ficcional A erva do diabo, em cuja veracidade tanto bicho-grilo acreditou piamente. 

Paulo Coelho vendeu o mesmo peixe podre pela segunda vez. E, fantasia por fantasia, sempre achei mais fascinantes e bem escritas as do Castañeda. (por Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político)

2 comentários:

Ricardo Pires disse...

Gustav Flubert recomendava que não devemos perder tempo em ler livros bons porque não sobraria tempo para ler os ótimos. De Paulo Coelho li apenas "O Alquimista". Não perdi mais meu tempo.
Incrível como ele acumulou uma fortuna em dólares com suas fantasias.

Concordo com as palavras do psicólogo, escritor, Ezzo Flávio Bazzo:

"...Digam o que que quiserem os ressentidos e os invejosos [pelo acúmulo da fortuna], mas para mim, o Paulo Coelho fez para a filosofia e para a sociologia [com seu sucesso] o que nem um outro intelectual foi capaz:

demonstrou com com suas brochuras açucaradas, na prática e sem grande esforço, que a espécie, a humanidade, as pessoas em geral são alienadas, superficiais, fúteis, repugnantes e que SÓ ADORAM E CONSOMEM AQUILO QUE SE LHES ASSEMELHA".

celsolungaretti disse...

Este último episódio foi bem revelador de quem o Paulo Coelho realmente é. Saltou aos olhos que ele queria mesmo fazer com que o Raul Seixas passasse a ser visto como dedo-duro, mas, ao perceber que a repercussão do seu tuíte havia sido muito negativa, recuou e jogou toda a culpa em cima do Jotabê Medeiros.

O papel do biógrafo foi mesmo uma lástima, mas parece que nem tinha nascido em 1968, então não podemos exigir dele uma identificação maior com o que o Raulzito representou.

Já do companheiro de início da jornada, parceiro de pesquisas esotéricas e de composições, tínhamos o direito de esperar um comportamento bem diferente. E vimos um sujeito mesquinho, talvez até invejando um morto, e depois exibindo seus dotes de manipulador para tentar convencer todo mundo que ele não havia sugerido o que realmente sugeriu.

Certa vez, como repórter do Estadão, fiz uma série de reportagens pegando no pé de um secretário de Turismo de São Paulo e ele acabou me chamando para reconhecer seu erro. Fiquei até em dúvida sobre se não havia pegado pesado demais com o fulano.

Mais tarde, contudo, descobri que ele havia sido o chefe da sucursal da Última Hora em SP quando do golpe de 1964 e desertara da redação com medo de ser preso, só voltando duas semanas depois, quando sentiu-se em segurança. Só que aí o pessoal da sucursal já tinha se dispersado todo, não havia mais como reativar. Ou seja, o comandante foi o primeiro a ir para o bote quando seu navio começou a afundar.

Aí fiquei tranquilo: conclui que o sujeito merecera totalmente o tratamento que eu lhe dera, se não pelo episódio da demolição equivocada, mas por sua pusilanimidade em 1964.

Desta vez também entrei batendo pesado no Paulo Coelho e sua saída pela tangente mostrou que ele é exatamente como eu achava que ele era.

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