sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O PÊNDULO DA HISTÓRIA AGORA SE MOVE PARA A ESQUERDA

Toque do editor
Os seres humanos não suportam viver indefinidamente sem compaixão. Então, os períodos de desumanidade capitalista exacerbada vêm, desde o final da 2ª Guerra mundial, alternando-se com os de amenização dos rigores, em que algumas demandas sociais são satisfeitas e se restabelece, aos poucos e por pouco tempo (dificilmente chega a duas décadas), um ambiente de relativos otimismo, esperanças e solidariedade. 

É o que já se prenunciava com o refluxo da onda de extrema-direita nos três principais países em que se testou e foi reprovado o modelo execrável que combinava uma volta ao capitalismo selvagem na economia, ao totalitarismo dos anos de chumbo na política e ao rançoso moralismo medieval nos costumes. 

Trump se estrumbica e vai ser expelido da Casa Branca nas eleições do ano que vem, o governo do Bozo derrete e esfacela-se grotescamente e o brexit cada vez mais se demonstra inexequível e desastroso.

Mas, se o bode visivelmente está começando a ser retirado da sala, faltava uma pauta positiva, que mobilizasse os cidadãos para objetivos capazes de lhes proporcionar ao menos alguma melhora em suas condições de vida, já que as receitas ultradireitistas (protecionismo econômico, isolamento nacionalista em contraposição ao globalismo e imposição ilimitada da lei do mais forte) só pioraram o que já estava péssimo.

Daí o interesse do artigo abaixo do Fernando Canzian, jornalista vencedor de quatro Prêmios Esso e autor do livro Desastre global – um ano na pior crise desde 1929: ele dá uma boa ideia de quais serão as propostas do Partido Democrata em sua mais do que provável volta ao poder. As quais, lá prevalecendo, evidentemente repercutirão e gerarão consequências em escala global.

O pêndulo da História agora se move para a esquerda. Mas, se não eliminarmos as causas maiores desse movimento pendular, depois da fase do alívio virá outra temporada de horrores e retrocessos, pois o que se vislumbra não é uma solução, mas, apenas, uma daquelas obras de reforço que se fazem em edifícios ameaçados de desabar, para mantê-los em pé por mais uns tempos.
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fernando canzian
MUNDO PRECISA DAR UM JEITO EM GOTHAM CITY
Houve aplausos ao final da minha sessão de Coringa no sábado. Por conta de outros momentos, as palmas pareceram destinadas mais à revolta popular em que o filme termina do que ao conjunto da obra.

Coringa é maniqueísta ao contrapor pessoas solitárias e desassistidas em Gotham City a elites ricas e desalmadas. Mas captura o espírito do tempo: levou o Leão de Ouro no festival de Veneza e já arrecadou US$ 600 milhões, segundo a Forbes. 

O sinal dos tempos combina empregos precários, endividamento familiar recorde e explosão da desigualdade de renda em quase todo o mundo.

Isso já desaguou em respostas populistas equivocadas; à frente Donald Trump e seu corte de US$ 1,6 trilhão de impostos dos ricos e a confusão do brexit, que machucou a economia britânica.

O quadro é mesmo desolador: classes médias espremidas e enorme concentração de renda em um mundo cada vez mais quente e degradado, onde as respostas estruturadas da segunda metade do século 20 parecem ter dado lugar a pulsões negativas e a um darwinismo hostil.

Mas é preciso ter em perspectiva que os confusos últimos dez anos foram antecedidos pelo mais longo ciclo de melhora econômica global desde a 2ª Guerra.

Aquele período, interrompido pela crise de 2008-2009, de fato acelerou a concentração de renda. Mas também tirou milhões de pessoas da miséria, sobretudo na Ásia, na América Latina e na África. 

Há 40 anos a desigualdade cresce no mundo, mas agora parece promissor que o tema finalmente tenha sido central no debate de 3ª feira (15) entre os pré-candidatos democratas para a eleição do ano que vem nos EUA. 

A senadora por Massachusetts Elizabeth Warren, que desponta como uma das favoritas à indicação do partido, voltou a defender uma taxação progressiva, no que foi acompanhada pela maioria dos postulantes.
Seu plano é uma nova taxa de 2% para patrimônio familiar acima de US$ 50 milhões (R$ 205 milhões) e de 3% para os maiores que US$ 1 bilhão (R$ 4,1 bilhões), com potencial de arrecadar US$ 2,75 trilhões em dez anos para políticas sociais. 

Vários pré-candidatos também prometeram aumentar o salário-mínimo nos EUA e fortalecer os sindicatos, cujo declínio seria um dos motivos para a desigualdade recorde no país.

A greve da General Motors também entrou no debate. Em setembro, e pela primeira vez em 12 anos, a United Auto Workers levou 48 mil funcionários da montadora a uma greve por melhores salários, obrigando a empresa a oferecer aumentos e benefícios aos grevistas.

Dias antes, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico já havia proposto uma remodelação da tributação global para impedir que gigantes empresariais transfiram lucros pelo mundo para pagar menos impostos. 

Isso também limitaria a chamada fuga para o mais barato, quando uma empresa fabrica ou opera em territórios com tributação menor e mão de obra mais em conta para vender produtos em mercados lucrativos.

A história é pendular e não será o Batman a dar um jeito nas coisas. Os resultados de iniciativas como essa e a eleição nos EUA serão definidores do que vem por aí. 
por Fernando Canzian

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