sábado, 26 de outubro de 2019

A PRECARIZAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA LEVA O POVO ÀS RUAS EM VÁRIOS PAÍSES

dalton rosado
A PERPLEXIDADE POLITICO-ECONÔMICA MUNDIAL
Nunca antes neste planeta houve tanta perplexidade no mundo econômico e político. É que o inimigo não é externo, mas são os próprios fundamentos de base do sistema econômico-político que, aceleradamente, entram em processo de disfunção social, prenunciando o seu colapso.

Já não funciona o discurso da direita liberal (mas com pendores ditatoriais na política quando a democracia burguesa mostra as suas vísceras putrefatas), de colocar nos ombros dos ditos comunistas  e dos anêmicos socialistas a responsabilidade da crise.

Por seu turno, o discurso da esquerda institucional, de boa administração e humanização do capital a partir do Estado estatizante, também não funciona. 

Sobra a insatisfação popular contra tudo e contra todos; e,  em meio à incerteza sobre o que fazer, caminhamos para uma anomia social perigosa. 

A dilaceração de laços de amizades e familiares causada pelo conflito de opiniões (geralmente pouco avalizadas e superficiais), bem como das relações profissionais e negociais em processo de deterioração de sustentabilidade que mediam o funcionamento da sociedade, criam um clima de animosidade no qual todos se tornam potencial ou efetivamente desafetos ou inimigos de todos. É o salve-se-quem-puder do pau-de-sebo capitalista. 

A solidariedade humana somente aparece quando o sentimento de sobrevivência inato em nossa espécie se dissocia da idiossincrasia do sistema político institucional e mercantil que medeia as sociedades atuais em processo de decomposição orgânica. 

Aliás, o substrato conceitual da competição autofágica do capital se assemelha à síndrome de Macbeth, o general que, na tragédia shakespeariana, abandona seus escrúpulos em favor da ambição, da cobiça e do poder. 

Ele é açulado pela Lady Macbeth, cujo desejo de poder e ascensão social transforma todos os sentimentos e atitudes em posturas absolutamente destrutivas (qualquer semelhança dela com os filhos do capitão é meramente a vida repetindo a arte).   

O capital é indutor da autofagia social, contrária a todos os preceitos que permitiram ao ser humano, ao longo de sua História, a superação das adversidades a partir do sentimento gregário e solidário. 

Mas, como não há mal que dure para sempre, eis que o capitalismo encontra o seu limite interno de expansão sem o qual ele definha e perece. Antes, contudo, tentará nos arrastar juntos para o abismo.

Atingimos atualmente esse estágio-limite que está a impor aos seres humanos de todos os quadrantes planetários os infortúnios de uma resultante trágica. O remédio que tentam nos empurrar goela adentro tem nome, significado e se traduz numa única palavra: austeridade

Empresas de todos os setores da economia obedecem ao critério da necessidade de redução de custos de produção, aderindo sofregamente à automação.

O Estado, que não produz valor e é dependente dos humores da economia para financiar, via impostos, a sua incumbência constitucional primária (manutenção das instituições de controle e regulação da ordem capitalista, bem como de criação e manutenção da infraestrutura de produção de mercadorias) e secundária (provimento das demandas sociais), vê-se obrigado a endividar-se para cumprir tais tarefas. 

Quando se trata de reduzir custos da máquina estatal, a primeira ordem que o capital lhe dá é a supressão do provimento das demandas sociais básicas (educação, saúde e segurança pública) e, especialmente, de outras tidas como secundárias (serviços que deveriam ser públicos mas são pagos, num claro e crescente processo de bitributação, como se dá com o acesso às demandas judiciais, p. ex.).

Ora, é evidente que tais imposições ditadas pela lógica do capital em depressão causam insatisfação popular. Esta é a razão da perplexidade que envolve empresários, sistema financeiro e governantes, obrigados a administrar a escassez. 

Não é por menos que a grande mídia empresarial e formadora de opinião pública e o segmento político-empresarial incitam a comemoração de redução de direitos (trabalhistas e previdenciários) como se fossem pressupostos indispensáveis para a retomada do crescimento econômico. 

Mas, a realidade se choca violentamente com a manipulação sublinear midiática e política, que tem fôlego curto diante da realidade trágica que insiste em vir à tona. 
A mesma insatisfação faz multidões de equatorianos protestarem...
Os indivíduos sociais, submetidos à austeridade econômica e estatal cada vez mais insuportável, reagem contra o que está posto (seja conservadora, reformista, liberal ou keynesiana a orientação de seus respectivos governos) e mesmo sem saberem exatamente para onde ir. 

O inconformismo agora é tão extremado que a manipulação política própria ao chamado pêndulo da ineficácia (que se move da eleição de políticos esquerdistas para a de direitistas e vice-versa, sem sair do mesmo lugar) já não consegue prevalecer. É que as engrenagens do pêndulo enferrujaram e estão travadas de tal modo que nenhum hábil e experiente relojoeiro suíço as consegue movimentar. 

Qualquer observador da cena econômica-política, por mais alienado que seja, pode concluir que há algo de mais grave nos céus planetários do que os aviões de carreira. 

Não pode ser mera questão de governabilidade o fato de que a maioria dos países sul-americanos (Chile, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Argentina e Brasil) vive um período de ebulições causadas por um único motivo: a precarização da qualidade de vida de suas populações.

...e os chilenos em peso exigirem a renúncia de Piñera.
Países tão distantes geograficamente como o Líbano, a França, a Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Haiti, quase todas as nações africanas, os grandes contingentes populacionais asiáticos, os países onde ocorreu a primavera árabe, etc., padecem do mesmo mal, ainda que em proporções diferentes. 

Nós, os revolucionários emancipacionistas, consideramos que a raiz do problema é ter o modo de produção social mercantil (que sempre foi segregacionista e escravizador) atingido o ponto de curva descendente, multiplicando as ameaças à humanidade. 

Cabe-nos, então, a imensa missão teórica e prática de delinear e agir no sentido de aglutinar as imensas forças sociais (dispersas em protestos pontuais, que são importantes como demonstração de força e insatisfação) em objetivos teleológicos e princípios que visem a superação dos pilares deteriorados do capitalismo mundial e da decomposição político-governamental. 

Nossos grandes objetivos são: 
— a construção de uma ordem social de produção voltada unicamente para a satisfação do consumo social, consequentemente desligada da famigerada viabilidade econômica imposta pela lógica do valor, cujo vazio fim em si mesmo da autovalorização a partir do lucro na oportunista produção mercantil, apenas promove a segregação social e a escravização indireta; 
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— a migração para uma organização estrutural horizontal, sem hierarquia de mando, na qual a sociedade civil possa exercer o controle da vida social sem manipulações políticas;  e
"seu objetivo é o empoderamento do totalitarismo militarista"
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— o estabelecimento de cânones jurídicos civis que representem a formalização do direito substantivo e adjetivo voltados para o verdadeiro critério de realização do ideal de justiça, com o ser humano passando a ser o grande beneficiário da dita cuja (não é tarefa fácil de ser implementada, dada a resistência recalcitrante dos que detêm os privilégios de uma concentração de renda ultrajante!).

Sob as ordens do capital, séculos de construção da cidadela de exploração e manipulação de consciências moldaram a atual estrutura da dominação político-empresarial abstrata. Então, não vai ser a mera decomposição orgânica e funcional de sua lógica aquilo que fará os seus beneficiários aderirem, por consciência e espírito humanitário, às novas regras de convivência social que se fazem urgentemente necessárias.

Sabemos que a insatisfação generalizada tem sido alvo da ação de pensamentos e doutrinas conservadoras que procuram, em benefício próprio, fazer a transferência de responsabilidades, martelando dia e noite que a culpa da debacle social reside na falta de austeridade com as contas públicas e na corrupção. Algo como o criminoso culpar a vítima por sua própria morte.

Tais oportunistas tentam se colocar como outsiders políticos, quando, na verdade, sempre foram parte da podridão que em que chafurda o stablishment. Seu objetivo é o empoderamento do totalitarismo militarista como forma de manutenção de um status quo socialmente insuportável, daí tratar-se de um político fadado ao fracasso no longo prazo.

"a perplexidade atual pode dar lugar a novas esperanças"
Infelizmente, muitas vezes a inconsciência da sociedade sobre si mesma faz quem já está espoliado e depauperado atirar-se nos braços de vigaristas e estelionatários políticos que somente agravarão seu penar. 

É graças a isso que vemos, nos generalizados movimentos sociais de insatisfação mundo afora, as bandeiras ultraconservadoras disputando preferência com as libertárias. 

Como dissemos, trata-se de um processo de anomia social e de revolta inconsciente, baseada na concretude da carência social cujo resultado depende da conscientização e de uma ação que se contraponha à manipulação da informação e possa colocar o trem nos trilhos da transformação social verdadeiramente libertária.   

Ao nosso favor está o fato de que o alicerce do pensamento conservador e dos seus instrumentos de dominação está assentado em areia movediça. Como em outros momentos da História, aquilo que parecia tão sólido acaba desmanchando no ar, abrindo espaços para a nova ordem social exigida pela transformação dos modos de produção social. 

Vivemos um desses momentos, pois a perplexidade atual pode dar lugar a um novo clarão de esperanças, com a emergência de:
— um modo de vida social harmônico e justo; 
 cômodo, do ponto de vista da satisfação do consumo;
 ecologicamente sustentável;
 prazeroso no ócio produtivo e estimulador das verdadeiras virtudes humanas; e
 capaz de transformar e elevar os seres humanos a um estágio superior de sua racionalidade. 

Mãos à obra! 
(por Dalton Rosado)

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