segunda-feira, 29 de julho de 2019

ANTI-INTELECTUALISMO, A DOENÇA SENIL DO CAPITALISMO AGÔNICO

Num interessante artigo do último domingo (28/07), o filósofo e jornalista Helio Schwartsman atribuiu o atual "anti-intelectualismo cada vez mais exacerbado e do qual as pessoas têm cada vez menos vergonha" ao fato de que muitos cidadãos recebem agora uma "profusão de narrativas sobre tudo", sem que estejam aptos a decidir sobre boa parte desses temas.

Daí a hipótese formulada por Schwartsman, de que, nestas condições, "as pessoas estejam simplesmente desistindo da ideia (...) de que suas crenças —ou pelo menos parte delas— devam estar amparadas por fatos verificáveis e raciocínios lógicos e estejam optando por adotar a opinião que mais lhes dá prazer", mesmo que seja a de que a Terra é plana, a de que os estadunidenses não pisaram na Lua ou de que Adão e Eva realmente existiram. 

Tentarei lançar mais algumas luzes sobre os motivos do gritante retrocesso civilizatório atual, igualmente sem a pretensão de esgotar o assunto.

A transição do sociedade patriarcal para a de massas correspondeu à evolução do capitalismo industrial para o pós-industrial, em que as máquinas trabalham e os seres humanos se ocupam predominantemente de atividades financeiras, burocráticas e de serviços. 
Uma das consequências de o capitalismo haver concluído sua etapa ascendente, entrando em crise cada vez mais acentuada e vergando sob o peso de suas contradições, foi terem se tornado desnecessários ou bem menos necessários os titãs do passado, que lideravam conquistas e avanços. Diluiu-se, portanto, a autoridade dos expoentes nos quais a sociedade patriarcal se mirava. 

Líderes empresariais e associativos, governantes, cientistas, pensadores, professores, engenheiros, médicos, juízes, etc., deixaram de ser vistos como exemplos a serem imitados e como pessoas cuja opinião devesse merecer especial respeito. A integridade, o saber ou a competência passaram a pesar muito menos que a riqueza e a fama.

A ênfase da sociedade de consumo é toda no cliente: ela se organiza para proporcionar a cada consumidor em potencial tudo aquilo que ele tiver grana para bancar. Endinheirados serão sempre tratados como príncipes, mesmo que não passem de repulsivos sapos.
E, existindo mercado, surgirá inevitavelmente quem ultrapasse quaisquer limites para explorá-lo, nem que seja proporcionando drogas pesadas, pedofilia, snuff ou mesmo pessoas para serem pessoalmente torturadas pelo tarado (a Operação Bandeirantes foi uma das pioneiras neste nicho), partes do corpo para transplante extraídas de gente viva, etc. O freguês tem sempre razão.

Completaram esse tão admirável quanto detestável mundo novo:
1. uma desrepressão sexual quase ilimitada (mas acompanhada de uma desvinculação do amor, a ponto de muitas pessoas praticarem o Kama Sutra inteiro com parceiros catados ao léu, mas rejeitarem peremptoriamente envolvimento sentimental e, como as prostitutas de outrora, não beijarem...); e, claro,
2. as redes insociáveis nas quais qualquer boçal ignaro emite opiniões sobre assuntos dos quais não entende bulhufas, sempre encontrando boçais ignaros que o aplaudem. Antes, para difundir suas opiniões, os indivíduos precisavam ter como colocá-las em livros, jornais, revistas, obras de arte, microfones, palanques, etc. Agora basta tuitar.

Como cantaram Carlos Gardel e Caetano Veloso, 
"¡Todo es igual! / ¡Nada es mejor! / Lo mismo un burro / que un gran profesor. / No hay aplazaos ni escalafón, / los ignorantes nos han igualao..."  

Então, não deve nos espantar que a idiotia religiosa, da qual a humanidade vinha aos poucos se libertando desde o iluminismo, tenha voltado com tudo exatamente a partir da segunda metade do século passado.

E que agora, à medida que a crise capitalista se agudiza e as pessoas se tornam cada vez mais miseráveis e desesperadas, recrudesça um populismo de extrema-direita tão grosseiro e turbulento que chega a nos lembrar os nefandos tempos do nazifascismo. 

Tal pesadelo, no Brasil, já conduziu à Presidência da República um sujeito que é quase um analfabeto funcional, mas consegue tuitar seus zurros e encontrar os que com ele se identificam, para juntos tentarem destruir uma civilização que, mesmo com tantos defeitos e mazelas, eles jamais teriam sido capazes de construir. (por Celso Lungaretti) 

2 comentários:

Anônimo disse...

"É um absurdo tão grande que custamos a crer. É um caso grave de extremismo. A religião cegou a inteligência desses dirigentes."
Esta frase foi dita pelo vice diretor cultural da UNESCO, Mounir Bouchenaki, em 2001, acerca das destruições praticadas pelo Talebã, no Afeganistão, contra as estátuas de Buda, consideradas patrimônios da humanidade.
Mas serve também, como uma luva, para esses tempos bestiais em que vivemos no Brazil...

celsolungaretti disse...

Eu posso pensar em muitas e muitas análises desses fenômenos, mas compreender racionalmente não ajuda a aceitar.

Lembro-me de que, lá pelos meus 14, 15 anos, eu assistia clássicos no Pacaembu ao lado de torcedores adversários e respeitávamo-nos mutuamente. Era muito raro eu ver alguém sair na porrada.

Quando conheci o Rio de Janeiro, em 1970, pessoas puxavam conversa no bar apenas pelo prazer de conversar, sem nenhuma má intenção.

Morei no Rio Comprido. Certa vez machuquei o pé e andava com ele enfaixado. Transeuntes que eu jamais havia visto faziam piadas cordiais na rua, "chutou a trave em vez da bola?".

Cansei de viajar pegando carona com caminhoneiros, sozinho e até com namorada, sem problema nenhum. Só queriam companhia, alguém com quem ficassem batendo papo para não pegar no sono.

Tenho pena das minhas filhas, que não viverão situações como estas, nem conhecerão pessoas de fora do seu círculo de relacionamentos, pois isto agora se tornou perigoso. Que lástima! Como regredimos!

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