sexta-feira, 31 de maio de 2019

OS POLÍTICOS ESTÃO TODOS ENTRE A CRUZ E A CALDEIRINHA – 2

(continuação
A reforma da previdência social, que provoca um rombo de mais de R$ 200 bilhões no orçamento público (déficit que tende a crescer cada vez mais!), não é questão de fácil administração, pois implica restrições aos direitos dos beneficiários, de forma a adequar essa realidade capitalista às exigências contábeis do déficit público. 

É isto que está na base do consenso das elites governamentais, por elas falaciosamente chamado de pacto da governabilidade.

Tenta-se de tirar dos pobres trabalhadores rurais, velhos e deficientes a já precária proteção previdenciária per capita, bem como de se fazer o alongamento temporal do direito à aposentadoria, tudo dentro da racionalidade capitalista segundo a qual é preciso manter-se saudável e saldável a lógica (depressiva) do sistema.

Trombeteia-se que o déficit público se constitui na causa da depressão econômica, quando na verdade ele é o efeito de uma lógica de reprodução do valor que encontrou o seu ponto de saturação. Tal equação somente se resolve com a superação da mediação social pelo valor (dinheiro e mercadorias), a qual implicaria a superação do Estado e de todas as instituições que estão a lhe servir.

Toda essa racionália se desenvolve dentro da lógica capitalista de mediação social, como se não houvesse outra possibilidade de convivência social senão a partir da produção de valor (dinheiro e mercadorias); então, nela prevalece a tese de que se tem de matar o paciente para acabar com a doença. 

A submissão à lógica capitalista mundial é flagrante: de nenhuma das análises políticas e midiáticas consta, p. ex., o repúdio às elevadas taxas de juros pagas pelo Brasil no mercado financeiro internacional, as quais correspondem ao dobro do déficit orçamentário da previdência social. 

O consenso do dito pacto da governabilidade é forte em sacrificar os fracos, mas fraco em atingir os agiotas internacionais. 
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SOBRE UMA IMPROPRIEDADE DE FUNÇÃO CONSTITUCIONAL — Em nenhum lugar do mundo onde haja pactos políticos envolvendo o Executivo e o Legislativo se constata a presença da corte constitucional representada pelo seu presidente.

A impropriedade se deve a dois aspectos distintos da função jurisdicional: 
— o presidente do Supremo Tribunal Federal representa, obviamente, o órgão maior do Poder Judiciário no que diz respeito às solenidades e temas concernentes à ordem constitucional do país, mas nunca em ações políticas cujas constitucionalidades possam ser objetos de questionamentos e análises jurisdicionais pela Corte Suprema; e   

— cada ministro integrante do STF tem voz própria nas suas decisões e não podem ser representados por ninguém, principalmente quando se trata de um pacto político de cujo teor possam discordar.
Cara de um, focinho do outro...
Mas no Brasil tudo pode quando se trata de um conchavo das elites para salvar a cidadela protetora da (des)ordem capitalista.

Pois não é que, em nome de uma harmonia que revoga a pretensa independência dos Poderes do Estado, o ministro José Antônio Dias Toffoli aceitou participar de um acordo político para a governabilidade?! 

Ainda por cima, comprometeu-se a assinar uma carta de princípios sobre o tema, conforme divulgado pelo chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni...

O Brasil é o campeão quando se trata de desigualdades sociais entre as elites e o povo. Que país civilizado tem uma renda domiciliar per capita domiciliar de R$ 1.373,00 (segundo o IBGE), mas paga a seus magistrados um salário trinta vezes maior e a seus parlamentares, um salário cem vezes maior? 

Qual o critério de realização da justiça, quando em sua origem está uma ordem social injusta nos seus mecanismos de mediação social (lógica do valor) e quando se pratica a injustiça salarial para favorecer exatamente aqueles que são incumbidos da defesa de princípios isonômicos de tratamentos sociais? 

É por estas e outras que nos entristecem tanto os últimos acontecimentos políticos, com significativa parte da população ainda se deixando enganar por salvadores da pátria e apoiando candidatos comprometidos com a imposição de medidas político-administrativas antipovo. 

Ou seja, muitos que seriam terrivelmente prejudicados contribuíram para o aprofundamento das próprias desgraças, comportando-se como desavisados zumbis nas praças públicas, enrolados no verde-amarelo da pátria desalmada, Brasil! (por Dalton Rosado)

3 comentários:

Anônimo disse...

Dalton,
Você apresenta a tese que a mercadoria, incluso o dinheiro, é a causa da miséria e dos sofrimentos humanos e aponta a sua eliminação como a salvação da humanidade.
Ocorre que desde que o dólar perdeu sua conversibilidade em ouro a moeda do mundo é sem lastro.
Mesmo que os gringos tenham corrido para fazer sua conversibilidade em petróleo, ele não teve mais o limitante da escassez e raridade do padrão ouro.
Aliás, essa conversibilidade é só para constar, pois os governos sempre emitiram moeda sem lastro como maneira de dinamizar a economia.
Assim tem ocorrido na China, USA e ocorreu na Alemanha pós 2a guerra.
Quando o estado utiliza bem esta ferramenta, fiscalizando a correta aplicação dos recursos (assim faz sentido o combate a corrupção), potencializa enormemente a economia e destrava o progresso de uma nação.
Por aqui, temos um estado refém de títulos de dívida para dar lastro a moeda que crie e que mal disfarçam a dragagem da riqueza do povo através dos juros.
As propostas do governo atual continuam com esta lógica subalterna, tratando o Estado como serviçal de orçamentos lastreado em papéis da dívida, e não impondo a sua moeda, o que o faz ser refém do dólar especulado no mercado futuro e nos humores do mercado.
O dinheiro pode não ser o vilão que você pinta se for bem utilizado.
E sua proposta de eliminação da produção de mercadoria como impulsionadora do progresso pode dar resultado numa sociedade de anjos, mas com os demônios que temos agora ainda é o engodo do dinheiro quem faz eles progredirem.
Salvo melhor juízo.

celsolungaretti disse...

Caro leitor anônimo,

o Estado tem a incumbência constitucional de promover o controle monetário como forma de tornar a emissão de moeda num quantum representativo de valor, que por sua vez deve representar um quantum médio de valor de tempo de trabalho coagulado nas mercadorias. Valor (dinheiro) é tempo de trabalho abstrato (mercadoria força de trabalho) coagulado nas mercadorias (que representam valor), e fora disso, é manipulação de câmbio.

Essa é uma demonstração cabal da dependência e função serviçal do Estado ao capital. Numa sociedade não mediada pela produção de mercadorias, mas apenas pela produção de bens servíveis ao consumo social, tanto o Estado como poder vertical, centralizador, como (consequentemente) o controle monetário, desapareceriam.

Os países que fizeram a revolução marxista-leninista não compreenderam a importância da superação da produção mercantil e terminaram por se quedar aos impérios absolutistas do capital, por fazerem parte, sob uma determinada forma política diferenciada do capitalismo liberal de organização estatal, da lógica segregacionista do capítal, ainda que pretensamente por boa intenção (era o próprio Marx quem dizia que o inferno está cheio de bem-intencionados).

Quando o Estado emite moeda a seu bel prazer sem conexão com a produção de mercadorias, isso provoca inflação, ou seja, perda de valor da moeda em relação às mercadorias. Esse é o bê-a-bá da economia. Isso só não ocorre com a emissão de dólar pelos Estados Unidos porque o mundo inteiro aceita de bom grado essa moeda podre como se fosse válida; eles exportam inflação para outros países; mas esse artificialismo tende a ter um fim catastrófico, é só esperar pra ver (num tempo histórico social, não humano).

Os países de economia relativamente pobre (em relação à população, ou seja, em números relativos e não absolutos) não têm esses mecanismos artificiais e se endividam pagando taxas de juros pesadas sobre suas dívidas públicas e privadas (é o caso do Brasil).

Não há como utilizar bem essa ferramenta como você quer, justamente porque não se pode fazer omelete sem ovos. O controle do sistema monetário pelo Estado, nos países pobres, mesmo quando eficiente e capaz, não é capaz de por si só de propiciar um desenvolvimento econômico substancial, posto que este que depende do nível de produtividade (custo de produção=igual a produção de mais mercadorias em menos tempo de trabalho abstrato) para se obter sucesso no previamente delimitado mercado de concorrência internacional. A guerra comercial é vencida por quem consegue maior produtividade por custos menores, e nessa guerra sempre haverá alguns vencedores e muitos perdedores.

O dinheiro (expressão materializada da forma-valor) é uma lógica de produção social segregacionista, subtrativa, concentradora de renda, e por fim destrutiva e autodestrutiva (como agora ocorre ao atingir o ápice das suas contradições internas). Por isso ele não é uma mera fita métrica sem influir na vida social, mas a encarnação de Mefistófeles como forma de viabilização de um modo de escravização menos evidente do que a escravização antiga (que os negros sofreram no Brasil há apenas pouco mais de 130 anos), mas que felizmente demonstra agora a sua inviabilidade como modo minimamente eficaz de promover a mediação social sustentável e cômoda.

Obrigado pela leitura e oportunidade de aclarar o debate sobre essa questão vital.

Um abraço, Dalton Rosado.

SF disse...

***
Eita!
Escreva mais a respeito deste assunto, Dalton.
Ficou devendo uma análise da política monetária da China e da Alemanha do pós guerra que são sabidamente calcadas nas moedas fiat.
O Brasil teve que obter a estabilidade da moeda ao custo de juros escorchantes (plano Real), mas, mesmo a esse custo, promoveu grande dinamização na economia que naufragava na hiperinflação.
Do lado da China, o câmbio artificialmente baixo e investimento em tecnologia garantiram um verdadeiro milagre econômico.
Eu acho...
Mas, você detem um tanto de conhecimentos a respeito destes assuntos e faz excelente análise sob a ótica de marxismo bem mais coerente com Marx.
Escreva mais, por favor.

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