sexta-feira, 24 de maio de 2019

O BRASIL NÃO É PARA PRINCIPIANTES – 3

(continuação deste post)
— na aposta num estado mínimo com força máxima – há um conflito entre o pensamento liberal do seu ministro da Economia e o pensamento estatista e nacionalista que foi ensinado e absorvido pelo presidente nos seus tempos idos de caserna. Mas, quanto ao Estado mínimo, há uma convergência entre ambos. O presidente quer o Estado mínimo como forma de sobrar dinheiro para aquilo que considera importante (orçamento militar e concentração de poder econômico das verbas públicas consigo para fazer a doutrinação estatal ao seu modo); já para o ministro da Economia, o Estado mínimo objetivaria o equilíbrio financeiro da máquina defensora do capital, sem intervencionismos que considera prejudiciais ao livre mercado. Assim, por motivos diferentes, ele almejam o Estado mínimo;
— na postura diante dos direitos humanos – existe um sentimento no governo, que é o mesmo da campanha eleitoral, de que se deve punir o crime organizado ou individual com rigor. Geralmente, tal postura não leva em conta as causas da criminalidade, mas apenas os seus efeitos. Atacar as causas significaria esmiuçar os porquês da nossa tragédia social; é mais fácil usar-se o discurso do combate letal à criminalidade e seus efeitos perante uma sociedade amedrontada, quando se tem isso como objetivo eleitoral e falácia teleológica do governo. A barbárie em curso no Brasil somente poderá ser debelada erradicando-se as injustiças sociais causadas por um modelo segregacionista e elitista. Não que devamos condescender com a criminalidade, mas nenhum dos dois lados da questão pode ser negligenciado, como acontece agora..  

Não é por menos que a Anistia Internacional pede a revogação do decreto presidencial que libera as armas de fogo para uso coletivo, inclusive de fuzis semiautomáticos de grosso calibre. O governo caminha na direção oposta do consenso internacional sobre tal questão.    

Por esses motivos conjugados e adicionando-se a eles a debacle da economia mundial (a única exceção são os Estado Unidos, cujo artificialismo tem data marcada pra implodir), não é de estranhar-se que o governo já esteja apelando para uma sustentação popular fora dos padrões republicanos. 

Mas, os bolsonaristas não se apercebem de que a insatisfação popular com a depressão econômica em curso frustra todas as expectativas por eles mesmos insufladas; assim, como o Brasil é um país de instituições elitistas, mas conscientes do seu papel dominador sob a forma republicana, eles jamais conseguirão consolidar-se no poder pela via golpista. A influente elite brasileira torce o nariz para projetos de déspotas amadores.  

O Brasil pode ser fácil de ser enganado eleitoralmente, mas não se dobra com a mesma facilidade a uma tirania aventureira. Isto nem os ditadores de 1964/85 ousaram evidenciar (a despeito de seu caráter genocida e autoritário), pois sempre usavam trajes civis no exercício da Presidência, como forma de dourar a pílula. 

O capitão presidente Boçalnaro, o ignaro não irá longe com seus planos golpistas; e, como não sabe conviver com a complexidade política e econômica do Brasil, o seu impeachment já está se desenhando no horizonte; do jeito que as coisas vão, deve ser só uma questão de tempo. 

Sempre afirmei que os revolucionários não deveriam assumir o governo sob o capitalismo, tese que a esquerda politicista partidária não pode aceitar por viver pendurada nas tetas do Estado (que se nutre do capitalismo na cobrança de impostos). 

Do ponto de vista do interesse popular, o Estado, como instância opressora e serviçal do capital, não pode ser simultaneamente o oposto disto. 

Ou seja, é a máquina que extrai impostos de uma população exaurida economicamente para as funções estatais de manutenção da opressão capitalista, sob o disfarce do cada vez mais precário atendimento às demandas sociais (parcela que corresponde a uma pequena percentagem do que é pago pelos pretensos beneficiários, os cidadãos).

Não me surpreende o capitão presidente Boçalnaro, o ignaro afirmar, menos de cinco meses após a posse, que o Brasil é administrativamente ingovernável. As nossas conclusões são idênticas, mas decorrem de avaliações de naturezas e propósitos diferentes.  

O presidente tenta plantar a ideia de que, se as corporações e instituições do Estado fossem cordatas aos seus projetos absolutistas e ideologicamente idiossincrásicos, a governabilidade estaria assegurada.

Como isto jamais poderia ocorrer numa sociedade complexa como a nossa, ainda mais amargando um processo de depressão econômica originário de suas próprias contradições, o presidente vende o peixe podre de que, com apoio popular, governando como um déspota pretensamente iluminado, ele seria capaz de conduzir o Brasil a um porto seguro. Acredite quem quiser.

Há algo de Jânio Quadros nessa pretensão, com menor qualidade cultural e idêntico messianismo tresloucado.   

O presidente, desde a sua campanha eleitoral, deixa transparecerem seus pendores absolutistas, armamentistas, racistas, xenófobos, misóginos, homofóbicos e, em suma, ditatoriais. 

Sua retórica tosca e agressiva pode até ter servido na caça aos votos (ainda que obtivesse apenas 39% dos votos em disputa), mas não serve para governar; aí ele entra em desespero, mostrando a sua verdadeira face despótica ao apelar para uma intervenção popular que suprimiria as corporações e instituições, objetivo último das manifestações convocadas pela internet para o próximo domingo, dia 26, sob seu beneplácito.   

Se o Estado é intrinsecamente opressor, o Estado pensado e desejado pelo presidente Boçalnaro, o ignaro, seria explicitamente tirânico. 
Quando denuncio a ingovernabilidade, pari passu proponho a diluição do poder vertical do Estado em organizações horizontalizadas de participação popular e a partir de um modo de produção que supere a mercadoria e o trabalho abstrato e possa ser voltada para o atendimento das necessidades sociais de consumo.

Tal proposição é o avesso daquilo que quer o presidente. A única convergência que temos é a constatação da ingovernabilidade do país: 
  • ele, com seu simplismo característico, acredita que um estado mínimo absolutista restabeleceria a governabilidade sob o capitalismo; 
  • eu estou consciente da necessidade de uma mudança muito mais profunda, que liberte a sociedade do capital e, consequentemente, da mercadoria, do trabalho abstrato e do Estado. 
A verdadeira alternativa ao modelo atual, que faz água por todos os lados, é uma sociedade organizada sob outro modo social e de produção. 

A teoria se aproxima da realidade e vai tornando compreensível e claro o que antes era incompreensível e obscuro. 

(por Dalton Rosado)

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