domingo, 12 de maio de 2019

O BRASIL DERRETE SOB A INSENSATEZ POLÍTICA DA RIQUEZA ABSTRATA

"... o dinheiro sem valor, sobre esta base desvalorizada e dessubstancializada... desemboca no quadro da carnificina desnorteada e num recuo da civilização... O fetiche do
capital pôs em marcha um movimento de sacrifício reificado
cujo resultado acaba por revogar todos os elementos civilizacionais da história humana anterior..." (Robert Kurz)
Verificamos, no Brasil, com satisfação, a retomada dos protestos de rua e dos organismos sociais dos mais variados segmentos violentamente atingidos pela falência do capital. 

O mais auspicioso é que tais protestos não têm objetivos político-eleitorais, mas são resultantes da indignação com a redução dos seus padrões de consumo e de atendimento pelo Estado das demandas sociais básicas.

O menos auspicioso é que tais protestos reivindicam melhorias de condições por parte do Estado (mais dinheiro, em sua maior parte), como se fosse possível tirar leite de pedra; ou seja, quer-se que o capitalismo exaurido e seu Estado falido provejam as necessidades de consumo sob o critério aquisitivo do dinheiro. Isso não é mais minimamente possível.

Nem de longe se questiona a existência do dinheiro como modo de mediação social;  contesta-se, portanto, a realidade social cruel sem questionamentos sobre a sua base primária. É como querer que pé de laranja dê manga.  

O retrato do Brasil no concerto do capitalismo mundial depressivo é particularmente trágico, ainda que as nossas hermanas Argentina e Venezuela, p. ex., estejam com números ainda mais insatisfatórios. 
Estudantes cariocas protestam contra os cortes na Educação impostos pelo Governo Bolsonaro
Temos um governo administrativamente desconexo, socialmente retrógrado e economicamente liberal ortodoxo, que se constitui em linhas de ações político-administrativas conflitantes. Tal governo, ao invés de buscar soluções novas, recorre a métodos antiquados que já não se coadunam com nossa realidade social.

Ele opera a partir dos cinco segmentos ideológico-funcionais que se digladiam entre si, buscando a hegemonia da influência administrativa no poder. Cada um procura implantar administrativamente seus conceitos superficiais e estapafúrdios, os quais se materializam em idiossincrasias que têm decepcionado os seus incautos eleitores. São eles:
os olavistas, defensores de conceitos retrógrados, medievais, sem profundidade conceitual válida para o atual estágio da evolução científica e dificuldades sociais (fruto de um modelo de mediação social que encontrou o seu ocaso) e agrupando indivíduos de cultura mediana que foram alçados ao poder de forma abrupta e temerária;
os militares de alta patente reformados, os quais têm uma visão nacionalista e estatizante (em geral os militares querem um estado forte e intervencionista que se opõe ao liberalismo de mercado);
"tentam aplicar preceitos do Velho Testamento nos dias de hoje"
os fundamentalistas religiosos pentecostais, com suas visões de mundo extraídas de uma leitura bíblica ao pé da letra, que tentam aplicar preceitos do Velho Testamento nos dias de hoje, entrando em choque, p. ex., com a corrente armamentistas do próprio governo; 
os liberais ortodoxos da Escola de Chicago, capitaneados pelo ministro da Economia Paulo Guedes, cujas teorias de livre mercado num país com baixo nível de produtividade de mercadorias e obrigado a pagar juros altos de uma dívida pública crescente, e num mundo em recessão, estão perdidas no tempo e no espaço;
os tenentistas togados do Ministério da Justiça, ávidos por poder, cujas teses justicialistas e moralistas se chocam e competem com o Legislativo, sempre sequioso das benesses do próprio Poder, causando um choque entre governo e parlamentares. 

E quem está no comando é um personagem despreparado para o nefasto jogo político do poder, desprovido de experiência administrativa, o que transforma seu governo num amontoado de medidas ideologicamente conflitantes e administrativamente inócuas, as quais se chocam com a realidade econômica de depressão que o paralisa. 

É graças a isso que vemos piorar o que já era ruim desde 2014. Os dados econômicos do Brasil no primeiro semestre foram um banho de água fria em quem estava animado com a troca de governo e a perspectiva para o segundo trimestre é de piora, tangendo para baixo os costumeiros prognósticos otimistas dos organismos econômicos: 
PIB cresce menos, inflação cresce mais
retomamos a escalada do crescimento do déficit primário das contas do governo federal no último mês de março, quando o dito cujo alcançou o montante de R$ 20,4 bilhões;
nossa dívida pública, sobre a qual incidem juros altos com relação àqueles praticados pelo G7, está crescendo e se aproxima de 80% do PIB,  sendo este um gargalo maior do que o déficit da Previdência Social, que atende a nossa população economicamente exaurida (se computamos os juros pagos, o déficit primário vai para R$ 61,2 bilhões);
a bolsa de valores, em queda após atingir os 100 mil pontos, marca saudada triunfalmente pelo presidente em Nova Iorque, agora se situa em 94.650 pontos (quem, em maio de 2008, haja aplicado na Bovespa R$ 1 milhão, hoje,  descontada a inflação e considerados os ganhos moderados do período havidos mais recentemente, não teria capacidade de compra de 1/3 desse valor);
tivemos, de janeiro a março deste ano, uma queda 2,2% na produção do setor industrial;
o valor de nossa moeda cai em relação ao dólar (moeda internacional), com US$ 1 hoje valendo R$ 3,96;
a inflação foi de 1,64% no primeiro trimestre e tende a crescer, o que projeta uma inflação anual de 6,56 pelo IPC (pelo IGP foi maior: 2,55%, de janeiro a março);
crescem os números do desemprego, que passou de 11,6% para 12,7% da população economicamente ativa, atingindo cerca de 13,4 milhões de brasileiros;

Segundo Daniel Titelman, diretor da Unidade de Assuntos Fiscais da Cepal, saímos de uma aceleração sincronizada para uma desaceleração sincronizada do crescimento econômico (ou seja, estamos rumando ladeira abaixo, com a previsão de crescimento do PIB brasileiro em 2019 caindo cada vez mais, devendo fechar, com otimismo, em apenas 1,49%). A previsão para o atual semestre é de PIB negativo.
Aumentou: já é de 12,7%, atingindo 13,4 milhões de brasileiros

Para todo o restante da América Latina a previsão é ainda pior (aumento de apenas 1,3% em 2019), comprovando que a crise da riqueza abstrata é conjuntural e não apenas uma questão de boa ou má administração político-governamental.  
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SOBRE O SUBSTRATO CONSTITUTIVO DA CRISE DA RIQUEZA ABSTRATA – Quando se analisa de modo isento a realidade da riqueza abstrata no seu momento atual de conexão globalizada e de perda da substância do valor, com inevitável aumento da emissão e circulação de dinheiro sem valor (aquele dissociado da produção de mercadorias), percebe-se facilmente que se trata de modo de relação social que atingiu o ápice das suas contradições e se constitui numa equação irresolúvel sob tais critérios.

Mais do que nunca estamos necessitando quebrar a base do ovo para colocá-lo em pé como fez Cristóvão Colombo.  

Não é uma questão de modelos econômicos (liberal –seja na versão ortodoxa ou na flexível– ou keynesiano –seja sob a forma estatista moderada ou sob a ortodoxa adotada, p. ex., pela Coréia do Norte) ou de os modelos políticos serem medievais ou moderninhos. 

A questão principal é a necessidade de superação do modo de produção atual one world, idêntico em todos esses modelos políticos. 
"a verdadeira riqueza é a material"
A verdadeira riqueza é a material, ou seja, aquela representada pela concretude dos elementos da natureza sem os quais a subsistência humana se torna impossível ou apenas sofrível; é a riqueza contida na natureza à espera de sua apropriação mediante uma extração racional e sustentável. 

A riqueza abstrata, por sua vez, é aquela representada pela forma-valor (dinheiro e mercadorias): uma idealização numérica estabelecida pela mente humana para conferir aos objetos e serviços servíveis à subsistência humana (e seus caprichos consumistas) um critério de aquisição social, segregacionista por excelência. 

Enquanto a riqueza material é concreta, a riqueza abstrata apenas faz uso da concretude dessa mesma riqueza material para existir e dar azo à segregação social abominável. A riqueza abstrata é oportunista e somente subsiste graças à inconsciência social sobre o seu conteúdo.  

Nada mais intolerável para a pequena percentagem mundial de administradores da riqueza abstrata e seus serviçais-beneficiários do que a ideia de superação desse instrumento maquiavélico de opressão social, daí as dificuldades com que nos depararemos ao confrontar tal abominação.

Tal ocorre porque a riqueza abstrata é aquilo que permite a sutil exploração (e nem sempre tão sutil assim) da produção do valor pelo trabalho abstrato, tida cinicamente pelo Paulo Guedes como forma de mediação social redentora e eficaz. 

Mas, as contradições cada vez mais evidentes demonstram a ineficácia da mediação social pela riqueza abstrata, e o que parecia impossível e até antinatural está a se prenunciar: a necessidade de superação da relação social por ela mediada.
A superação da riqueza abstrata implica a reintrodução (agora sob critérios evoluídos do saber científico-cultural) da natural produção racional e sustentável de bens e serviços mensurados pelo critério da necessidade de consumo social. 

A reintrodução da riqueza material como relação social representará a substituição da mesquinha mensuração quantitativa e qualitativa segregacionista da riqueza abstrata pela sua concretude (isto é, deletados os subterfúgios escravistas abstratos); e aliada a uma forma de organização social que lhe seja correspondente, horizontalizada, dando fim às imposições, de cima para baixo, dos poderosos. (por Dalton Rosado)

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