dalton rosado
SOBRE A NATUREZA DAS MUTAÇÕES SOCIAIS
"Se um processo comporta várias contradições, existe necessariamente uma delas que é a principal e desempenha o papel dirigente, determinante, enquanto outras ocupam apenas uma
posição secundária, subordinada"
(Mao Tsé-Tung)
O processo de evolução humana, calculado em cerca de 4,5 bilhões de anos, vem desde o surgimento de micro-organismos formadores da vida animal até os dias de hoje, quando os hominídeos se apresentam como a forma animal racional predominante; constitui-se no agregado de condições nas quais cada etapa é o pressuposto básico para o surgimento de uma nova etapa.
Dele se conclui que nada é definitivo, mas tudo se insere num processo de constantes mutações, as quais, por sua vez, não são lineares, já que não há simultaneidade evolutiva nos vários cantos da Terra, daí a dispersão de comportamentos sociais e de apreensão do saber.
As civilizações maia e asteca são diferentes em forma e conteúdo entre si, bem como das civilizações persa, chinesa, e das africanas.
Os europeus que chegaram às Américas no final do século 15 tinham culturas e valores sociais absolutamente diferentes dos que a habitavam, sendo inquestionável que é o domínio do saber aquilo que prevalece como cultura dominante quando povos de culturas diferentes se encontram (o que, obviamente, não se confunde com graus de qualidade de civilidade).
São as contradições sociais, conjugadas com o ganho do saber delas decorrentes, que impulsionam as mutações sociais, mas a inconsciência sobre o teor das contradições é fator de convivência com elas sem que se consiga superá-las.
Se os proletários tivessem consciência do seu imenso poder, a primeira coisa a ser superada seria a contradição implícita à sua própria condição de trabalhadores assalariados (a qual é uma categoria capitalista e, como tal, não caberia numa sociedade emancipada).
É a ignorância do oprimido sobre a natureza da opressão que permite a existência da opressão e a permanência da contradição que se expressa em aceitá-la de modo submisso. O oprimido é submisso e inconsciente à contradição que o oprime (e que, ao mesmo tempo, gesta a sua libertação).
O exemplo mais recente das contradições que impulsionam as mutações são os acontecimentos das últimas quatro décadas na China, com a ascensão ao poder de Deng Xiaoping após a morte de Mao Tsé-Tung em 1976.
Todos os esforços revolucionários de Mao baseados no maxismo-leninismo, bem como sua oposição ao revisionismo da Rússia sob Stalin e seu sucessor Nikita Kruschev, esbarraram na força ditatorial da lógica do fetichismo da mercadoria não superada, com suas contradições intrínsecas permanecendo em ebulição latente.
Mao era um grande estrategista militar-revolucionário, mas pouco afeito à crítica da economia política marxiana esotérica, tal qual o seu guru Vladimir Lenin, daí não ter convergido para uma produção social fora da lógica do valor, o que seria possível graças à extensão territorial da China.
O mesmo raciocínio se pode usar para a Rússia, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, com o incorporação de vários países libertados do nazismo à União Soviética.
Graças a essa contradição não superada, Deng-Xiaoping, que na França havia sido operário metalúrgico (da Renault) e estudante, pôde assumir o poder e promover a chamada segunda revolução, que nada mais foi do que aproveitar o potencial de mão-de-obra chinesa barata para a produção industrial de mercadorias a preços competitivos de mercado, fato que se constituiu numa contradição antes inimaginável no combate ao capitalismo.
Isto porque o desenvolvimento industrial chinês foi capaz de reduzir a substância do capital (ou seja, promoveu a redução de valor do trabalho abstrato) e inundar o mundo com suas mercadorias, com isto roubando espaço na concorrência internacional de mercado, ao mesmo tempo que reduzia a massa global de valor e de extração de mais-valia.
A contradição da sustentação do capitalismo chinês se assenta sob dois pontos:
1. a redução da massa global de valor; e
2. a colossal dívida pública e privada que se torna insolvável diante do limite de expansão do crescimento de sua produção industrial.
.
O modelo chinês vem sendo copiado pela Índia, o seu vizinho de igualmente populoso, e está causando mais uma contradição histórica, a volta do protecionismo de mercado, antes tão combatido pelos liberais capitalistas.
[No momento em que escrevo este artigo, noticia-se que o mundo financeiro foi abalado pelas taxações estadunidenses, com as bolsas de valores do mundo inteiro sofrendo quedas.]
A contradição imanente ao capitalismo se mostra muito mais forte do que a intenção política (que é falha) de sua superação.
A ignorância sobre o significado conceitual de um governo de direita é, p. ex., o que explica o momento atual brasileiro. A população está cega ao domínio conceitual do saber sobre a forma e conteúdo de sua própria mediação social e, ao mesmo tempo, desesperada pela falta de condições de provimento do seu sustento cômodo.
Isto faz com que subsistam de modo imperceptível as contradições e sejam eleitos aventureiros desqualificados para o comando político-estatal dessa mesma população, que agora paga alto preço pela escolha insensata a que foi tangida.
Contudo, a contradição entre os bons resultados sociais prometidos e as decepções colhidas promove a busca de um novo conceito de relação social, ainda que o processo se repita de modo pendular entre projetos aparentemente antagônicos (governos de direita e de esquerda), mas que são similares nas suas bases econômicas.
Direita e esquerda, dentro de uma mesma concepção de modo de produção, representam variações políticas dentro de uma mesma base econômica, o que termina por fazê-las convergir tanto em termos de procedimentos quanto de conteúdo.
Somente com um novo modo de produção poderemos superar os nossos problemas sociais, daí existirem contradições principais sobre as quais devemos nos debruçar prioritariamente (as contradições secundárias, no entanto, não devem ser descuradas).
Se caminharmos no sentido de uma produção social marginal ao mercado, ainda que isso se dê de modo lento e experimentando/enfrentando as oposições que o próprio capitalismo oferece (estado e forças do capital), estaremos construindo uma sólida base social e num patamar superior — método que, apesar da maior lentidão, é muito mais eficaz e duradouro do que a revolução armada, que impõe pela força a derrubada de uma outra força armada, sem questionar os fundamentos conceituais mais profundos da força derrubada.
Saber para onde ir e como ir é o único modo de sairmos do labirinto intrincado que mantém o povo enredado nessa miséria e barbárie que cada vez mais se acentua.
Vivemos hoje a contradição das contradições no itinerário da humanidade sobre o planeta Terra.
Por um lado adquirimos, um saber capaz da realização de feitos admiráveis:
Por outro lado –e exatamente pelo desenvolvimento vertiginoso do saber–, a forma de mediação social pelo critério da produção de valor a partir da força de trabalho mensurada por um quantitativo de valor tornou-se algo absolutamente anacrônico, matematicamente inviável e desumano.
O processo de capital que se transforma em mercadoria e que se transforma novamente em valor aumentado (C-M-C+) no mercado perdeu a sua base de exequibilidade social e está transformando a vida humana num inferno social. Tal fenômeno se consubstancia no vazio fim em si mesmo da valorização do valor com os malefícios sociais daí decorrentes, agora acentuados pelo seu ocaso histórico.
A contradição entre a tese —a produção de mercadorias a partir da mercadoria força de trabalho, modo de segregação patrocinado pela forma-valor (questão de forma)— e a sua antítese —o modo de mediação social tornado obsoleto sob tal critério graças à evolução tecnológica (questão de conteúdo)— está a engendrar a síntese, consubstanciada na necessidade de criação de um novo modo de produção social que possa absorver todo a saber da humanidade em benefício da dita cuja.
Dele se conclui que nada é definitivo, mas tudo se insere num processo de constantes mutações, as quais, por sua vez, não são lineares, já que não há simultaneidade evolutiva nos vários cantos da Terra, daí a dispersão de comportamentos sociais e de apreensão do saber.
As civilizações maia e asteca são diferentes em forma e conteúdo entre si, bem como das civilizações persa, chinesa, e das africanas.
Os europeus que chegaram às Américas no final do século 15 tinham culturas e valores sociais absolutamente diferentes dos que a habitavam, sendo inquestionável que é o domínio do saber aquilo que prevalece como cultura dominante quando povos de culturas diferentes se encontram (o que, obviamente, não se confunde com graus de qualidade de civilidade).
A marcha da humanidade na América Latina... |
São as contradições sociais, conjugadas com o ganho do saber delas decorrentes, que impulsionam as mutações sociais, mas a inconsciência sobre o teor das contradições é fator de convivência com elas sem que se consiga superá-las.
Se os proletários tivessem consciência do seu imenso poder, a primeira coisa a ser superada seria a contradição implícita à sua própria condição de trabalhadores assalariados (a qual é uma categoria capitalista e, como tal, não caberia numa sociedade emancipada).
É a ignorância do oprimido sobre a natureza da opressão que permite a existência da opressão e a permanência da contradição que se expressa em aceitá-la de modo submisso. O oprimido é submisso e inconsciente à contradição que o oprime (e que, ao mesmo tempo, gesta a sua libertação).
O exemplo mais recente das contradições que impulsionam as mutações são os acontecimentos das últimas quatro décadas na China, com a ascensão ao poder de Deng Xiaoping após a morte de Mao Tsé-Tung em 1976.
Todos os esforços revolucionários de Mao baseados no maxismo-leninismo, bem como sua oposição ao revisionismo da Rússia sob Stalin e seu sucessor Nikita Kruschev, esbarraram na força ditatorial da lógica do fetichismo da mercadoria não superada, com suas contradições intrínsecas permanecendo em ebulição latente.
...e no mundo, segundo o muralista David Siqueiros. |
O mesmo raciocínio se pode usar para a Rússia, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, com o incorporação de vários países libertados do nazismo à União Soviética.
Graças a essa contradição não superada, Deng-Xiaoping, que na França havia sido operário metalúrgico (da Renault) e estudante, pôde assumir o poder e promover a chamada segunda revolução, que nada mais foi do que aproveitar o potencial de mão-de-obra chinesa barata para a produção industrial de mercadorias a preços competitivos de mercado, fato que se constituiu numa contradição antes inimaginável no combate ao capitalismo.
Isto porque o desenvolvimento industrial chinês foi capaz de reduzir a substância do capital (ou seja, promoveu a redução de valor do trabalho abstrato) e inundar o mundo com suas mercadorias, com isto roubando espaço na concorrência internacional de mercado, ao mesmo tempo que reduzia a massa global de valor e de extração de mais-valia.
A contradição da sustentação do capitalismo chinês se assenta sob dois pontos:
1. a redução da massa global de valor; e
2. a colossal dívida pública e privada que se torna insolvável diante do limite de expansão do crescimento de sua produção industrial.
Depois da longa marcha, isto?! |
O modelo chinês vem sendo copiado pela Índia, o seu vizinho de igualmente populoso, e está causando mais uma contradição histórica, a volta do protecionismo de mercado, antes tão combatido pelos liberais capitalistas.
[No momento em que escrevo este artigo, noticia-se que o mundo financeiro foi abalado pelas taxações estadunidenses, com as bolsas de valores do mundo inteiro sofrendo quedas.]
A contradição imanente ao capitalismo se mostra muito mais forte do que a intenção política (que é falha) de sua superação.
A ignorância sobre o significado conceitual de um governo de direita é, p. ex., o que explica o momento atual brasileiro. A população está cega ao domínio conceitual do saber sobre a forma e conteúdo de sua própria mediação social e, ao mesmo tempo, desesperada pela falta de condições de provimento do seu sustento cômodo.
Isto faz com que subsistam de modo imperceptível as contradições e sejam eleitos aventureiros desqualificados para o comando político-estatal dessa mesma população, que agora paga alto preço pela escolha insensata a que foi tangida.
Contudo, a contradição entre os bons resultados sociais prometidos e as decepções colhidas promove a busca de um novo conceito de relação social, ainda que o processo se repita de modo pendular entre projetos aparentemente antagônicos (governos de direita e de esquerda), mas que são similares nas suas bases econômicas.
Direita e esquerda, dentro de uma mesma concepção de modo de produção, representam variações políticas dentro de uma mesma base econômica, o que termina por fazê-las convergir tanto em termos de procedimentos quanto de conteúdo.
"saber para onde e como ir: o único modo de sairmos do labirinto" |
Se caminharmos no sentido de uma produção social marginal ao mercado, ainda que isso se dê de modo lento e experimentando/enfrentando as oposições que o próprio capitalismo oferece (estado e forças do capital), estaremos construindo uma sólida base social e num patamar superior — método que, apesar da maior lentidão, é muito mais eficaz e duradouro do que a revolução armada, que impõe pela força a derrubada de uma outra força armada, sem questionar os fundamentos conceituais mais profundos da força derrubada.
Saber para onde ir e como ir é o único modo de sairmos do labirinto intrincado que mantém o povo enredado nessa miséria e barbárie que cada vez mais se acentua.
Vivemos hoje a contradição das contradições no itinerário da humanidade sobre o planeta Terra.
Por um lado adquirimos, um saber capaz da realização de feitos admiráveis:
"engenharia genética e clonagem de seres vivos" |
— a engenharia genética e clonagem de seres vivos;
— a produção de Inteligência artificial;
— a programação de robôs capazes de efetuar diversas tarefas;
— os prodígios na área da comunicação instantânea e visual;
— os verdadeiros milagres no campo da medicina;
— o armazenamento e processamento de informações cibernéticas sem as quais ainda estaríamos patinando nas anotações burocráticas e perecíveis; e
— as descobertas fantásticas no campo da física e da química, etc., etc., etc.
.Por outro lado –e exatamente pelo desenvolvimento vertiginoso do saber–, a forma de mediação social pelo critério da produção de valor a partir da força de trabalho mensurada por um quantitativo de valor tornou-se algo absolutamente anacrônico, matematicamente inviável e desumano.
O processo de capital que se transforma em mercadoria e que se transforma novamente em valor aumentado (C-M-C+) no mercado perdeu a sua base de exequibilidade social e está transformando a vida humana num inferno social. Tal fenômeno se consubstancia no vazio fim em si mesmo da valorização do valor com os malefícios sociais daí decorrentes, agora acentuados pelo seu ocaso histórico.
"necessidade de criação de um novo modo de produção social" |
Colocar uma cunha entre a fissura que ameaça romper o dique da segregação humana milenar é saber aproveitar as contradições que ora se apresentam como condição da mais importante mutação social em curso neste início de século 21. (por Dalton Rosado)
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