"Bolsonaro mostrou qual é o inimigo nº 1 de seu governo" |
vladimir safatle
IDIOTAS ÚTEIS
O fato será lembrado. A primeira grande ação nacional contra o governo do sr. Bolsonaro, envolvendo manifestações comparáveis ao que vimos em junho de 2013, foi feita pelos estudantes e universitários em ao menos 170 cidades.
Nada poderia ser mais explícito. Há uma juventude que, desde as ocupações de 2011 —passando por 2013, pelas ocupações dos secundaristas em 2016 e pelas várias mobilizações dois últimos dois anos—, aparece como o principal motor de revolta e descontentamento.
São anos de mobilizações constantes, de capacidade de articulação e de expressão clara de recusa às prioridades e à brutalidade do Estado brasileiro. Quando o sr. Bolsonaro evidenciou a face mais primária de sua violência, chamando-os de idiotas úteis, ele acabou por mostrar qual é o verdadeiro inimigo nº 1 de seu governo.
Seu grupo sabe que há uma geração forjada no fogo das ruas que paulatinamente se constitui como sujeito coletivo de um processo possível de transformação radical. O desgoverno que hoje tomou de assalto o Planalto apareceu exatamente como a tentativa desesperada de impedir que tal emergência ocorra. Ela vai apenas acelerá-la.
Contra a transformação, os velhos métodos estão de volta. Nos últimos dias, vimos a já previsível enxurrada de imagens fake de anarquia sexual e de balbúrdia nas escolas e universidades. Alguém deveria dar livros de Wilhelm Reich para esse pessoal ler.
"alguém deveria dar livros de Reich para esse pessoal" |
Desde os anos 1930, sabemos que todo fascismo mobiliza o ressentimento daqueles que fazem de tudo para não serem afetados pela circulação da sexualidade. Como se a sexualidade livre fosse colocar o corpo social em estado de degenerescência e degradação.
Não por outra razão, os nazistas, além que criarem termos como o famoso bolchevismo cultural, criaram também o bolchevismo sexual —que este governo vai rapidamente ressuscitar. Podem apostar.
Mas, além do método afetivo via WhatsApp, há ainda o método racional. Ele consiste em baixar a voz e dizer: “Veja bem, números são números. Não há dinheiro, mas se a reforma da Previdência passar, tudo volta ao normal”.
É nessas horas que fica claro o que o governo quis dizer quando vira para a população e a chama de idiota. Porque é necessário uma certa limitação de raciocínio para acreditar em algo desta natureza.
Primeiro, ninguém mostrou número algum, cálculo algum para chegar no valor de 30% de corte nas universidades. Começou-se cortando 30% de três universidades que pretensamente estariam a produzir balbúrdia, mas quando ficou evidente que era uma pressão política contra certos reitores, o Ministério da Educação saiu-se com a generalização do corte. Como se vê, tudo com um profissionalismo impressionante.
"Jair Bolsonaro desencadeia a guerra da Educação" |
Segundo, porque o conto de que o crescimento virá com a reforma da Previdência é tão seguro quanto aquela história de que basta o impeachment para reaquecer imediatamente a economia.
Ou de que, diminuindo impostos para empresários, eles voltariam a investir com seu espírito animal.
Ou de que, diminuindo impostos para empresários, eles voltariam a investir com seu espírito animal.
Você pauperiza a população, retira-lhe direitos e garantias, transfere renda para setores que preferirão o investimento seguro do rentismo, descapitaliza o Estado e depois não sabe por que a economia não cresce. Isso não funcionou em lugar algum do mundo e não funcionará aqui.
De toda forma, o jogo enfim começou. As manifestações não terminaram na 4ª feira. Elas apenas começaram, e com força.
Quem esteve nas ruas entendeu que não há negociação alguma com este governo, que o sr. Bolsonaro não age como presidente, mas como chefe de gangue, com lógica e modos de chefe de gangue que procura surfar no ressentimento de seus recrutas.
O destino do Brasil era passar por uma polarização radical. Isso estava explícito desde as eleições de 2014. Um polo só havia se configurado. Agora, virá o segundo.
(por Vladimir Satatle)
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