Antonio Gramsci |
A população dos três países que formam a maior parte da costa leste da América do Sul soma cerca de 285 milhões de habitantes que corresponde a cerca de pouco mais de 60% da população de todo o continente.
São países ricos em riquezas materiais:
— a Argentina tem solo fértil e regime de chuvas regulares, além de riquezas minerais consideráveis;
— o Brasil continental é materialmente rico sob qualquer aspecto que se queira analisar; e
— a Venezuela detém uma das maiores reservas petrolíferas do mundo, gás natural e importantes recursos minerais.
Entretanto, padecem sob o critério socialmente opressor da riqueza abstrata.
O País vive crise cíclicas cada vez mais próximas. Sucedem-se governos e mais governos e a trajetória falimentar é a mesma.
O atual é encabeçado por Maurício Macri, democraticamente eleito e de inclinação conservadora, alinhado a tudo que representa o interesse da economia mundial. Ele recorre ao Fundo Monetário Internacional para pedir socorro financeiro, aceitando a imposição da ortodoxia do ajuste fiscal como forma de extirpar aquilo que considera como nexo causal do cancro econômico capaz de tudo corroer.
O Brasil, por seu turno, padece sob uma taxa de desemprego renitente, situada em torno de 11% (que corresponde a um total de 12 milhões de trabalhadores aptos ao trabalho, mas submetidos ao desespero de não poderem vender a única coisa que têm, a força de trabalho).
Pagamos juros altos, que correspondem ao dobro de todos os custos referentes à previdência social (suprimi-los, portanto, tornaria desnecessária a reforma previdenciária!).
E ainda temos um agravante: elegemos um presidente primário. que parece usar aquelas viseiras laterais que impedem a visão periférica, além de influenciado por filhos desequilibrados e deslumbrados com as perspectivas do poder. O resultado é um governo desconexo.
Enquanto isto se clama por mais emprego, quando, na verdade, ao invés de procurá-lo, deveríamos superá-lo e substitui-lo por um modo de participação coletiva na produção, voltando-a para o interesse social e não para o lucro. Assim:
— diante da falta de emprego, deveríamos abolir o emprego;
— diante da impossibilidade irreversível da retomada do crescimento, deveríamos abandonar a miríade do crescimento econômico (sempre excludente);
— diante da queda do nível de empregabilidade, os sindicatos deveriam se voltar para o chamamento à produção sem valor, objetivando a satisfação das necessidades de consumo coletivos.
Que tal, p. ex, ocuparmos a fábrica da Ford Caminhões no ABC paulista, que informa o fechamento de sua unidade fabril-automotiva, e, ao invés de aceitarmos a paralisia, mantermos, dentro do possível, os metalúrgicos em atividade produtiva (sem vender caminhões, mas produzindo-os para transportarem aquilo de que nosso povo realmente precisa, sem o tacão deletério abstrato da forma-mercadoria)?
A Venezuela dispensa comentários. É garroteada por uma ditadura militarista que, embora se diga anticapitalista e anti-imperialista, busca apoio capitalista na Rússia e na China, como pretenso contraponto seus (também capitalistas) inimigos. Ou seja, está perdida em meio aos próprios equívocos sócio-conceituais.
Nada mais é do que uma figura caricata de um marxismo tradicional que se esgotou historicamente justamente por ser a antítese do pensamento do Marx esotérico, aquele que prega o fim do trabalho, do Estado, da forma-mercadoria, do dinheiro, e de toda a entourage à sua volta.
Enquanto isto, o povo venezuelano, atônito, amarga a fome e a morte face a um espetáculo ridículo perpetrado por tiranos de um lado e do outro, todos falando em nome da verdadeira democracia.
De um lado estão os que lhe opõem embargos econômicos; são os mesmos que pretenderam oferecer ajuda humanitária como um cavalo de Troia moderno.
Do outro lado está um ditador tirano ignaro cuja compreensão sobre o que está na base da debacle social do seu país é a mesma que um analfabeto funcional tem da teoria da relatividade do Einstein.
A moeda venezuelana já não existe. O seu colapso demonstra bem o que é o dinheiro, substância abstrata, representação numérica materializada do valor, e que somente sobrevive a partir da validade da forma-mercadoria em circulação.
Como há baixa circulação mercantil na Venezuela, o valor monetário, como abstração que é, deixa de existir tal qual fumaça após a decomposição material de um objeto num incêndio.
O mais grave é que, ao invés de abolir o valor como medida de riqueza, a Venezuela se agarra ao valor como forma de sobrevivência, circunstância que a está conduzindo a um caos absoluto, com consequências imprevisíveis. É que o Estado não pode abolir o valor do qual é dependente.
Brasil, Argentina e Venezuela, com suas importâncias geográficas e populacionais perante o mundo, são países governados por formas políticas que se afirmam democráticas.
Mas, o que é a democracia sob a égide do capital, senão uma arapuca por meio da qual o povo é sub-repticiamente induzido ao auto-sacrifício (tal qual um camicaze inconsciente que defendesse com a própria vida a permanência da opressão social da qual é vítima)?
Por Dalton Rosado |
Brasil, Argentina e Venezuela têm mais em comum do que possa supor a nossa vã filosofia.
4 comentários:
A Argentina não aprendeu nada com o passado recente; com uma ditadura sanguinária, com o ministro Martinez de Hoz no comando do desmonte da indústria, elegendo e reelegendo o medíocre Menem. A massa argentina chuta os Kirchner que enfrentaram os abutres do sistema financeiro internacional e lhes impos derrota.
Na Venezuela parece ter havido o mesmo erro ocorrido no Brasil na escolha do sucessor. Havia o presidente da empresa de petróleo estatal e Hugo Chaves escolheu o bronco, despreparado Maduro. Aqui o egoismo de Lula escolheu a incompetente Dilma que leva as massas ignorantes eleger o presidente atual.
Para os três países, para mim se aplica o que disse o escritor Jorge Luis Borges: " A DEMOCRACIA É UM ERRO ESTATÍSTICO, PORQUE NA DEMOCRACIA DECIDE A MAIORIA E A MAIORIA É FORMADA POR IMBECIS."
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Dalton.
Demorei, mas entendi o fulcro da sua argumentação.
Contudo gostaria de pedir-lhe o favor de esclarecer a respeito desta minha visão de como se implantará a pretendida extinção da mercadoria e do dinheiro.
Assim, vejo que você aponta sendo implementado na forma de uma uberização da economia, a princípio mediada por dinheiro, mas que que claramente aponta para o escambo (digital) que você preconiza.
Estas plataformas que regulam as trocas de serviços decerto se expandirão para toda a economia. Os protocolos de trocas de bens e serviços serão contabilizadas diretamente aos benfeitores e o estado cobrador de impostos deixará de existir, sendo substituído por um Estado direcionador de políticas que visem a produção de bens e oferta de serviços beneficiando toda a sociedade.
Por ser de adesão imediata, representará também acesso ao trabalho benfeitor a qualquer que tenha a boa vontade de colocar seus talentos a serviço da comunidade.
Que acha da minha opinião?
Não há respostas prontas para a questão da implantação de uma relação social não mediada pelo dinheiro, pois deverá ser construída a partir dos ensinamentos que teremos ao caminhar ao seu encontro.
Há, entretanto, alguns conceitos que devem nortear a nossa ação teórica e prática e que serão merecedoras dos ajustes que a própria realidade nos apresentará.
Eis aí um comentário sobre dois conceitos básicos (que interferem em todos os outros):
Escambo – é a forma embrionária do valor, a sua gênese. Foi o sistema de trocas quantificadas de objetos de quantidades e qualidade diferenciadas o que criou a ideia de valor a partir do tempo de trabalho necessário para o fabrico dos objetos trocados, que, assim passaram a ser considerados mercadorias.
Assim, tudo que a partir daí se desenvolveu passou a ter como núcleo central germinador a lógica da mercadoria que substituiu, paulatinamente, em todos os quadrantes do mundo, a antiga partilha, na qual a produção coletiva supria as necessidades coletivas independentemente da quantidade produzida individualmente.
O excedente de produção, não consumível, era doado como demonstração de generosidade e orgulho pelas comunidades que assim procedessem. A troca sem quantificação é generosa, humana, natural, e é substancialmente diferente do escambo, vez que este último envolve um conceito comercial, quantificador da forma-valor, segregacionista, que devemos superar.
Trabalho abstrato – a partir do escambo formou-se a ideia de quem tem mais mercadorias para trocar tem mais poder individual, e logo em seguida veio a escravização direta dos vencidos nas guerras (ou devedores inadimplentes), condição que proporcionava aos detentores das mercadorias produzidas pelos escravos um poder social como senhores dessa nova forma (escravista) de socialização.
O capitalismo tem essa gênese escravista, segregacionista, e por isso mesmo é contraditório, antinatural, apenas histórico, e fada ao fim histórico irreversível.
O trabalho abstrato tem a mesma gênese, ou seja, produz valor, mas de uma forma aparentemente livre, pois os trabalhadores poderiam escolher a quem vender a sua força de trabalho, a única coisa que detêm. Formou-se, portanto, de modo sub-reptício, uma forma de apropriação individual da riqueza abstrata, pelo surgimento do capital (tempo de trabalho acumulado), e do valor socialmente produzido pelo trabalhadores. Uma forma moderna de escravização.
O trabalho abstrato, entretanto, por se reger pela lógica abstrata do valor, tende a ser reduzido substancialmente com a introdução da alta tecnologia à produção, e assim, sua obsolescência tende a matar a galinha dos ovos de ouro, o próprio capital.
Assim, abolir o trabalho abstrato é abolir a mercadoria; abolir a mercadoria é abolir o valor e toda a engrenagem sócio-político-econômica que se lhe dá sustentação institucional. A democracia eleitoral é a representação mais acabada e adequada à sub-reptícia escravização pelo trabalho abstrato,
A questão do surgimento da era cibernética tem ajudado a tornar evidente a irracionalidade desse modo de produção ancestral que se modernizou na forma, mas que já não encontra nessa mesma forma uma correspondência com o seu conteúdo. É por isso que encontrou o seu limite de expansão interno e deve sr superado como um dado negativo da história.
Entendo que a construção de uma rede de trabalhadores desempregados crônicos, e que cada vez estão mais desesperados, e que se unam para a produção a partir da contribuição de produção com outros trabalhadores (todos em setores diferentes e convergentes) poderá ser um bom começo, mesmo que isso receba a oposição beligerante do Estado que, como eterno serviçal do capital, certamente não verá com bons olhos tal atividade.
Um abraço fraterno e nosso agradecimento por tentar as dif~iceis formulações no sentido da ruptura com o velho obsoleto, que cada vez mais se torna genocida (agressões ecológicas aí acrescidas). Dalton Rosado.
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Dalton,
Sua explanação não me esclareceu sobre a possibilidade das plataformas de troca de serviços se tornarem a base de uma nova economia, baseada em princípios aproximados aos que você postula.
O que devo considerar de forma axiomática é que dificilmente o bicho homem repartirá seu excedente orgulhosamente, ainda mais se souber fazer as contas.
Então, para a extinção do trabalho assalariado e do fetiche da mercadoria (lucro), há que se procurar alguma forma de conter os abusos e desvios resultantes da preguiça e oportunismo de alguns, que necessariamente aproveitar-se-ão da generosidade imponderada de outros.
O acesso de todos aos bens e serviços necessários a uma vida plena é bom e belo, mas é imprescindível que seja Justo, pois não se pode alimentar o deletério e o criminoso com a desculpa que é direito inalienável deles continuarem existindo e delinquindo.
Portanto, parece-me que sua teoria baseado no marxismo esotérico precisa se refinada para considerar os aspectos práticos da Serena Justiça.
Uma coisa pode ser boa e bela, mas se não for Justa não tem o caráter humano, ou seja, racional.
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