O tenentismo fardado de 1930... |
demétrio magnoli
MINISTÉRIO PRIVADO
Eles obedecem a dois senhores. Com a mão esquerda, prestam serviço ao Estado, oferecendo denúncias criminais. Com a direita, propagam nas redes sociais um programa ideológico ultraconservador.
Foi com esta mão que uma centena de promotores e procuradores de um certo Ministério Público Pró-Sociedade escreveu uma carta aberta contra os críticos do pacote de Moro, responsabilizando-os pelo caos na segurança pública nos últimos 30 anos. A dupla militância e o tom fanático do texto evidenciam a extensão do caos —mas no Ministério Público.
Quem se recorda de Luiz Francisco de Souza, o procurador-militante que, um quarto de século atrás, dedicava seu tempo a produzir notícias destinadas a favorecer o PT? De 1 ou 2 a 100, do petismo ao bolsonarismo, o fenômeno da partidarização do MP alastra-se como fogo no cerrado.
O Ministério Público Pró-Sociedade nasceu em congresso realizado na sede da Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF, no final de dezembro. O movimento organiza-se como partido político, explicitando sua doutrina.
Do congresso, emanou um manifesto com 23 enunciados. Nele, o partido de promotores e procuradores alinha-se com o Escola Sem Partido, sustenta políticas de encarceramento em massa, cinde os direitos humanos para defender exclusivamente os direitos humanos das vítimas, critica a censura ilícita de notícias falsas na internet e sugere uma censura lícita à pornografia em eventos artísticos.
...e o igualmente autoritário tenentismo togado dos dias atuais |
Nada de errado para um partido político de extrema-direita determinado a mudar as leis. Tudo errado quando se trata de funcionários de Estado encarregados de zelar pelo cumprimento das leis.
Notavelmente, o manifesto do Ministério Público Pró-Sociedade mobiliza uma novilíngua orwelliana. Declara, no prólogo de seu próprio programa de transformação social, que o MP não deve ser agente de transformação social.
Na mesma introdução a seus 23 enunciados ideológicos, classifica as ideologias como derivações de sonhos e abstrações contrárias à concretude dos fatos, da realidade, da verdade, explicando professoralmente que conservadorismo não é ideologia, mas expressão da realidade pautada na ordem, na liberdade e na justiça.
O PT inventou; eles copiaram. O Ministério Público Pró-Sociedade (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do MP) inspira-se metodologicamente na Associação Juízes para a Democracia (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do Judiciário). São, os dois, típicos partidos da boquinha.
Luiz Francisco de Souza foi quem lançou a nova e nefasta onda |
Tal como os juízes-militantes, os promotores e procuradores militam dentro do Estado, na condição de funcionários com estabilidade, apropriando-se de uma instituição do sistema de Justiça para promover sua plataforma ideológica.
E, tal como no caso deles, sua atividade militante é financiada pelos impostos de todos os cidadãos, que pagam seus salários, seus régios auxílios-moradia e seus gordos benefícios previdenciários.
O pacote de Moro afoga as louváveis prioridades de combate à corrupção e ao crime organizado num caldo de inconstitucionalidades, mudanças legais inócuas e estímulos à violência policial.
Mas, acima de tudo, simula não ver que o encarceramento em massa de pequenos delinquentes converte as penitenciárias em campos de recrutamento das facções criminosas. O ataque furibundo do novo partido de promotores e procuradores tem a finalidade de cercear a crítica ao caldo viscoso que sabota as intenções virtuosas.
A militância político-partidária é direito de todos, fora do sistema policial e judicial. Decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu Luiz Francisco de Souza, por práticas incompatíveis com o cargo. O que fazer com uma centena de promotores e procuradores dispostos a, no exercício de suas funções, ignorar a letra das leis para servir à sua ideologia? (por Demétrio Magnoli)
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Toque do editor: quando as Organizações Globo, o procurador-geral da República Rodrigo Janot e o grupo JBS se conluiaram para derrubar o presidente Michel Temer, esquerdistas vingativos chegaram ao orgasmo, vendo na armação ilimitada uma oportunidade de vingarem o impeachment de Dilma Rousseff.
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Fui um dos poucos a advertir que a emenda poderia sair pior do que o soneto, alertando para os perigos que correríamos apoiando uma demonstração de força do nascente tenentismo togado.
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Pois bem, mesmo com a tramoia dando com os burros n'água, a facção militante ultradireitista dos promotores continuou ganhando influência, até chegar ao quadro sinistro contra o qual nos adverte acima Demétrio Magnoli.
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Vale a pena relermos o artigo do primeiro blogueiro que vislumbrou tal perigo, Rodrigo Vianna. Foi profético! (por Celso Lungaretti)
4 comentários:
"Fui um dos únicos..." ou "Fui um dos poucos..."?
Único é um só.
Marco Aurélio
Correto, correção feita, obrigado!
Antes do Rodrigo Vianna, em 23/5/2017, outros já haviam tratado a anomalia das ações dos procuradores lavajateiros em comparação com o Tenentismo dos anos 1920. Não são jornalistas ou blogueiros profissionais, mas profissionais de áreas relacionadas às ciências humanas. Seguem três exemplos:
Artigo do adv. Pedro Maciel, no Brasil 247, em 26/8/2016:
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/pedromaciel/251950/Neotenentismo-de-Curitiba-conservador-e-autorit%C3%A1rio.htm
Artigo de adv. Murillo Aragão, no ConJur, em 8/12/2016:
https://www.conjur.com.br/2016-dez-08/murillo-aragao-forca-tarefa-lava-jato-tenentismo
Artigo do sociólogo Luiz Werneck Vianna, no OESP, em 20/12/2016:
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tenentes-de-toga-comandam-essa-balburdia-juridica-afirma-cientista-politico,10000095549
Marco Aurélio
Valeu, Marco Aurélio, boa lembrança!
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