quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

PORQUE NÃO DEVEMOS GOVERNAR, NEM ALMEJAR O PODER (4ª parte)

(continuação deste post)
c) a queda do PIB mundial, da massa global de mais-valia e de valor válido – Organismos mundiais insuspeitos de vinculação com a ordem capitalista anunciam a desaceleração da economia mundial. O Fundo Monetário Internacional, em informação dada pela sua presidente Christine Lagarde, anuncia (obviamente contra a sua vontade) a redução do PIB mundial em 2019 e 2020. 

China e Estados Unidos, locomotivas do crescimento econômico mundial por terem sido vitoriosos na guerra concorrencial de mercado, dão claros sinais de emperramento. 

A China acaba de divulgar uma queda no seu PIB em 2018, fixado em 6,3%, que é a menor taxa de crescimento econômico desde 1990. Este fenômeno vem se repetindo ano a ano na China, sendo tal desaceleração econômica atribuída à queda do consumo interno e às restrições tarifárias à importação de produtos chineses pela via de medida protecionistas dos países importadores (dentre eles, principalmente, os EUA).

Entretanto, faz-se mister afirmar uma obviedade. Embora crescer de um valor de 1 para 2,represente uma taxa de 100%, em termos de importância econômica global não significa muito. Mas, quando se chega a números altos e se quer manter a taxa de crescimento numa mesma proporção matemática por anos a fio, isto passa a ser impossível. 

Como a disputa concorrencial de mercado se dá dentro de um espetro de capacidade de consumo que não cresce na mesma proporção do desejo de expansão comercial dos produtores de mercadorias, a resultante óbvia é que em algum momento haja um redução da média anual de taxa de crescimento econômico de quem passou a abocanhar grande parte do mercado.

É o que está acontecendo com a China. De um PIB anual de US$ de 361 bilhões em 1990, a China passou a cerca de US$ 15 trilhões em 2017, ou seja, um aumento de cerca 4.300% em 27 anos. Agora, as taxas de crescimento vêm, exatamente, se reduzindo. 

Isto porque crescer permanentemente com as mesmas taxas registradas nos primeiros anos é algo impossível de ocorrer, seja porque o consumo de mercadorias é previamente estabelecido (ainda que se estimule o consumismo desenfreado), seja porque os países importadores se veem atingidos pela queda de suas produções industriais internas de mercadorias e passam a adotar medidas protecionistas.

O liberalismo econômico somente se mantém como doutrina econômica aceitável para quem está ganhando a guerra mercantil concorrencial, mas isso só vai até o limite em que a raposa do liberalismo deixa de comer as galinhas alheias e passa a enfrentar a fome. 

É o que está a acontecer com os Estados Unidos, que sempre pregaram o liberalismo de mercado e agora estão adotando medidas protecionistas contra importações, justamente porque a dinâmica do lógica do capital virou a chave contra seus próprios interesses, graças aos seus altos custos sociais de produção.

A desaceleração do crescimento econômico da China não é coisa de pequena monta para o sistema de crédito mundial, na medida em que sua colossal dívida pública e privada está num curva ascendente. O FMI afirma que atingirá 290% do PIB do país até o final de década e pode acarretar a insolvência até mesmo do spread financeiro incidente sobre ela.

Os EUA estão sendo obrigados a tomar medidas protecionistas para tentarem conter os prejuízos advindos da antiga feitiçaria que agora se voltou contra eles próprios, os feiticeiros.

O FED, o Banco Central Americano, aumentou a taxa de juros de 0,5% ao ano para 2,0% a.a. O que poderia parecer sintoma de recuperação econômica que visa frear o consumo, na verdade é o seu oposto, pois o que está na base desse comportamento é a necessidade de contenção da pressão inflacionária pela discrepância entre consumo de importados e capacidade de produção interna competitiva. 
Os títulos do tesouro estadunidense subiram de 2,0% ao ano para 3,1% a.a. em razão da necessidade de suprimento da crescente e estratosférica dívida pública daquele país, além de estarem pagando mais para títulos com vencimento em prazo menor. Isso é sintoma de desaceleração à vista.

A redução de impostos feita pelo presidente destrumpelhado causou um substancial aumento da dívida pública; isto representa maior endividamento por emissão de títulos públicos e moeda sem lastro, podendo gerar pressão inflacionária, principalmente se o dólar estadunidense deixar de ter receptividade no mercado internacional de câmbio. 

Todos esses fatores, somados à briga política para a obsessiva construção do muro na fronteira com o México que paralisou o pagamento das despesas públicas orçamentários do governo (o shutdown), estão contribuindo para uma previsão de queda do crescimento do PIB estadunidense para 2019.

Mesmo incluindo-se nesta análise a União Europeia, que abrange os países mais ricos da Europa, com significativa produção industrial, os prognósticos recentes são de redução gradual do crescimento do PIB: 2,1%, no fechamento de 2018, 1,9% em 2019 e 1,7% em 2020.

O PIB japonês, por sua vez, deverá crescer apenas 1,3% em 2019, o que será insuficiente para fazer face à sua colossal dívida pública e privada, que já equivale a mais de 200% do PIB.   

Argumentam os defensores do capitalismo que tais perspectivas de desaceleração econômica se devem aos riscos crescentes e interconectados, tanto no cenário doméstico quanto no externo. 

Mas, até aqui citamos apenas ameaças que pesam sobre as grandes locomotivas da economia planetária. Quando a questão se transfere para a periferia mundial, o quadro é bem mais grave, tendo em vista a pobreza reinante e renitente. 

Segundo a Cepal – Comissão Econômica para a América Latina, nosso continente deverá registrar, em 2018, um pífio crescimento de 1,3% no seu PIB, abaixo do 1,6% do ano anterior. As projeções são também decepcionantes para a grande Ásia (com exceção da Índia) e a África. 

As equivocadas análises superficiais das causas dos números negativos do crescimento da economia mundial atêm-se sempre a fatores políticos incidentes sobre a realidade, como se se pudesse manter a lógica capitalista viabilizada a partir de administradores públicos e executivos competentes, probos e sensíveis.

É que os analistas dos organismos econômicos internacionais, todos eles ligados à defesa da dinâmica do capital, jamais podem dizer o que agora afirmamos: 

A queda dos indicadores econômicos mundiais se deve a fatores econômicos inerentes às contradições irremovíveis da dinâmica da reprodução do capital (e não a fatores meramente políticos), os quais provocam a queda da massa global de extração da mais-valia e da massa global de valor válido produzido, problema que somente poderá ser resolvido com a sua superação e consequente substituição por outro modo de produção social.

Essa queda da economia mundial encontra explicação naquilo que Karl Marx vaticinou a partir dos seus estudos sobre a crítica da economia política, concluindo que o capitalismo já vivia à sua época a promoção da miséria social de grandes segmentos populacionais em contraponto à riqueza concentrada em bolsões de capitalização.

E que as viveria ainda mais no curso do seu desenvolvimento, graças às contradições básicas irremediáveis que se explicitariam com maior evidência, dentre as quais destacamos as seguintes: 
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— ao mesmo tempo em que desenvolve a produtividade das forças de produção com o uso tecnológico cada vez mais avançado da tecnologia aplicada à produção de mercadorias (hoje com o uso da microeletrônica, então inexistente), reduz a um mínimo o valor das mercadorias, o que implica a redução da massa global de valor e de extração de mais-valia;
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— dispensa, em sua maior parte, o trabalho abstrato, único produtor de valor, o que provoca o desemprego estrutural e a eliminação completa da capacidade de compra de mercadorias por segmentos populacionais excluídos do processo de produção e redução da capacidade aquisitiva de outros pelos baixos salários (a escravidão direta, dos negros africanos e servos europeus, foi abolida para proporcionar salários e a existência de mais compradores de mercadorias), daí resultando uma redução da produção e venda de mercadorias ao nível global.

Basta uma análise superficial da composição do PIB dos países desenvolvidos, relativamente aos setores primário (agricultura e agronegócio, de baixíssima importância para a economia mundial) e secundário (indústria), únicos que contabilizam valor novo válido para a economia, para se inferir a inconsistência dos números fictícios, baseados em moeda sem valor, que compõem e flutuam nas suas economias artificiais.

[Quanto ao setor terciário, de serviços, ele apenas troca de mãos valor já existente, e que representa maior parte do PIB.]

É evidente que estamos todos vivendo sob a égide de um modo de relação social que se alicerça em fundamentos inconsistentes; então, tal qual um castelo de cartas quando submetido ao vento forte, o capitalismo está prestes a ruir. 

A nós cabe evitarmos as graves consequências bélicas para a humanidade e toda a vida planetária que podem advir da transição necessária para um novo modo de produção social.  (por Dalton Rosado) 
(continua neste post)

2 comentários:

Anônimo disse...

***

Estou lendo com muito interesse esta série de artigos. Eles parecem a consolidação de todo embasamento teórico para a afirmativa sublinhada de que o capitalismo não atende mais as necessidades humanas e deve ser substituído.

Por outro lado, não concordo em receber a responsabilidade de evitar as consequências nefastas da queda do sistema capitalista. E enumero as razões, obviamente
1 - Não fui eu quem criou este sistema.
2 - Quem o criou sabe que o capitalismo é inviável e já está tomando medidas para que a transição a uma nova forma de mediação social, que não seja o fetiche da forma valor, seja tranquila e isenta de maiores prejuízos.

celsolungaretti disse...

Caro Leitor anônimo,

agradeço sensibilizado o seu interesse em ler e acompanhar os artigos da série “porque não devemos governar, nem almejar o poder”. A aridez da tecnicidade de algumas abordagens nem sempre são fáceis de serem assimiladas e suas leituras causam enfado, apesar das suas importâncias para sairmos do atoleiro no qual estamos metidos. Daí considerar a importância da leitura e assimilação do seu conteúdo.

Somente como um nível de consciência social de segmentos expressivos da sociedade, capaz de apontar caminhos e descobri-los ao caminhar, é que poderemos conduzir a humanidade a um novo patamar de relações sociais.

Todos nós, queiramos ou não (inclusive eu), somos obrigados a ganhar dinheiro diariamente para o nosso sustento pessoal. Assim, mesmo quando somos conscientes do mal que isso representa, não nos é oferecida alternativa de modo de vida social. O que deve nos interessar é sabermos como criticar e oferecer alternativas para a superação do impasse que a cada dia se avoluma tanto do ponto de vista do nosso sustento material como ecológico.

Tanto nós, como todos os nossos ancestrais mais imediatos, ajudamos a construir o capitalismo e o ratificamos por inconsciência social sobre a negativa dinâmica de sua evolução desde os primórdios.

Não houve uma pessoa que criou o capitalismo, mas a dinâmica de uma lógica de segregação social escravista que tomou conta paulatinamente da humanidade durante os últimos três mil anos e se aperfeiçoou economicamente, politicamente, institucionalmente e juridicamente, mas que agora encontrou o seu ocaso como relação histórica que é (não natural, nem ontológica).

Os defensores do capitalismo o defenderão até a morte, inclusive com a nossa própria morte se não contribuirmos para a sua superação conscientemente e por vontade majoritária. Mas acredito que um processo de conscientização que implique numa correta filosofia da práxis em confronto com uma realidade social insuportável que se explicita cada vez mais como evidente nos ajudará a sair dessa.

Um abração, Dalton Rosado.

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