terça-feira, 22 de janeiro de 2019

"CONTEÚDO DA FALA DE BOLSONARO NO FÓRUM DE DAVOS CABERIA EM MEIA DÚZIA DE TUÍTES. FOI CONSTRANGEDOR"

josias de souza
BOLSONARO SERVE EM DAVOS
UM DISCURSO DE TWITTER
Eis algo que ele deveria ter lido antes do vexame
Jair Bolsonaro dispunha de 45 minutos para discursar no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Falou por apenas seis minutos. 

Poderia ter aproveitado sua estreia internacional para seduzir chefes de Estado, presidentes de corporações globais, diretores de órgãos multilaterais e dirigentes de ONGs. Mas preferiu despejar sobre a audiência uma retórica de redes sociais. 

Disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Espremido, todo conteúdo de sua fala fornece um sumo que caberia em meia dúzia de tuítes. Foi constrangedor. 

Na prática, Bolsonaro serviu em Davos uma versão ultralight do mesmo cardápio eleitoral digerido pelos brasileiros na campanha de 2018. Nos primeiros parágrafos, chegou a acenar com a perspectiva de "apresentar a todos o novo Brasil que estamos construindo." Era fake news

Ouviu-se a seguir um pronunciamento tão profundo quanto uma poça d'água —do tipo que uma formiguinha conseguiria atravessar com água pelas canelas. "Vamos diminuir a carga tributária, simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir, empreender, investir e gerar empregos", prometeu Bolsonaro, sem explicar como entregará a mercadoria. 

Nenhuma palavra sobre a reforma da Previdência. "Trabalharemos pela estabilidade macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as contas públicas", acrescentou, em timbre vago. 

Ao inquirir Bolsonaro, o fundador do fórum de Davos, Klaus Schwab, ofereceu ao presidente brasileiro a chance de se redimir. 
"sem mencionar metas e prazos, caprichou no lero-lero"
De saída, perguntou quais seriam os "passos concretos" que Bolsonaro daria nos próximos meses para trazer à luz o "novo Brasil" de que que falara no discurso. 

Ao responder, Bolsonaro deixou claro que estava mesmo decidido a perder oportunidades. Abstendo-se de mencionar metas e prazos, caprichou no lero-lero. 

O presidente repetiu platitudes. Coisas como "tirar o peso do Estado de cima de quem produz", investir na "educação ineficiente", "tirar o viés ideológico dos nossos negócios"… 

Ao resumir seus propósitos, o orador declarou: "Representamos um ponto de inflexão, onde (sic) a questão ideológica ficará de fora disso tudo." Não é nada, não é nada, Bolsonaro não disse nada mesmo. 

A certa altura, Bolsonaro soou como um agente de turismo: "Conheçam a nossa Amazônia, nossas praias, nossas cidades e nosso Pantanal. O Brasil é um paraíso, mas ainda é pouco conhecido!" 

Na última frase, fez inveja aos pastores evangélicos: "Tendo como lema 'Deus acima de tudo', acredito que nossas relações trarão infindáveis progressos para todos." 

Bolsonaro desperdiçou um pedaço do seu pronunciamento para dizer algo que ninguém ignora: "O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional". 
Sérgio Moro, sobre Flávio Bolsonaro: "Não me cabe comentar"

E retomou o tom de candidato: "Tenham certeza de que, até o final do meu mandato, nossa equipe econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, nos colocará no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios." Considerando-se que o Brasil está na posição de número 73, pode-se dizer que faltou ambição ao capitão. 

Além de Paulo Guedes, Bolsonaro citou no seu micro-discurso o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública): é "o homem certo para o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro." 

Suprema ironia: mais cedo, ao participar de um painel sobre corrupção, o ex-juiz da Lava Jato esquivara-se de uma pergunta sobre a movimentação bancária suspeita do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. "Não me cabe comentar." 

Ficou boiando na atmosfera do fórum de Davos a sensação de que Bolsonaro pronunciou um discurso de Twitter para evitar arroubos e expansões que reproduzissem numa vitrine planetária as polêmicas que ardem no noticiário nacional. 

De fato, no fim das contas, algumas omissões foram mais valiosas do que o próprio discurso. P. ex.: Num encontro que tem como tema central a Globalização 4.0, Bolsonaro citou o ministro Ernesto Araújo (Itamaraty) sem ecoar a tola retórica antiglobalismo do seu chanceler. 
"jato presidencial poderia ter ficado no hangar"

A operação montada pelo governo para converter o governo Bolsonaro numa atração de Davos teria ficado mais barata para o contribuinte se o presidente ficasse no Brasil, plugado às redes sociais. Iriam à Suíça apenas os postos Ipiranga Guedes e Moro. 

Se o objetivo era transferir para os ministros a tarefa de satisfazer o apetite internacional por esclarecimentos sobre o que está por vir no Brasil, o jato presidencial poderia ter ficado no hangar. 
(por Josias de Souza)

6 comentários:

Cássio disse...

Celso,

Poste a sua opinião sobre esse novo desdobramento do caso Queiroz, o envolvimento do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro.

Abçs

celsolungaretti disse...

Vou ficar devendo um texto meu, Cássio. Estou no meio do pandemônio de uma mudança, não conseguiria escrevê-lo neste instante.

Mas, postei um artigo do Igor Gielow que vem bem ao encontro de minha opinião: os indícios são fortes, mas, por enquanto, insuficientes para a coisa ganhar maior vulto.

Espero que colegas da grande mídia façam uma boa investigação jornalística deste caso.

Isto se os veículos deixarem, claro. Há muitos embargos nas redações. Abs.

Vandeco disse...


Felizmente eu tenho ouvidos, e visão bem diferente do Sr Jânio de Freitas. Ressaltando que tenho experiência internacional em participação com empresários da Europa e EUA, bem como presto serviços para empresa que viabiliza investimentos no Brasil de empresas estrangeiras.

Vandeco disse...

... bem diferente que o Sr. Josias de Souza...

Vandeco disse...

Nenhum investidor, empresário, empreendedor e por aí vai aguenta ouvir discursos de mais de vinte minutos. Eu tenho experiência internacional e até hoje, com os meus mais de 70 anos presto serviços para uma empresa que viabiliza investimentos estrangeiros no Brasil. Já participei de comitivas governamentais do Brasil nos EUA e Europa, tendo inclusive participado na escrita de discursos de participantes. Esses discursos se passarem de 20 minutos não mais terão atenção do público. Tem de ser direto ao assunto. Após o discurso, do Presidente ou Governador, que dá o tom, as diretrizes, as metas, enfim o direcionamento do seu governo é que os ministros, assessores delimitam para o público o que pretende o governo. E foi isso que o Bolsonaro fez. Os participantes do DAVOS puderam, em seguida, tratar com os ministros presentes todos os assuntos em pauta, tendo o NORTE que o presidente, anteriormente, deu. É isso aí, não existe a complexidade que todos imaginam e que a mídia apresenta. Tudo é muito simples. A mídia é que faz as fantasias.

celsolungaretti disse...

Vandeco,

passei uns 6 anos da minha vida trabalhando em editorias de Economia dos jornais do grupo Estado. E jamais vi um presidente da República, em reunião de alto nível, fazer um discurso tão medíocre quanto o do Bolsonaro.

Você acha que grande empresário quer ouvir lengalenga anticomunista do tempo da Guerra Fria? Isto é para os bobos acreditarem. Eles esperavam é que Bolsonaro lhes apresentasse diretrizes de governo plausíveis. E só receberam retórica ultrapassada e platitudes.

O Bolsonaro, cuja estatura já era de nanico aos olhos dos poderosos, conseguiu sair de Davos menor ainda do que entrou. Nunca deveria ter dado as caras por lá.

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