domingo, 13 de janeiro de 2019

OU O BRASIL ACABA COM A BURRICE ENTRONIZADA, OU ELA ACABA COM O BRASIL

dalton rosado
A MORAL DO CAPITAL (auri sacra fames)
"O ouro arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos
íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos
sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a
lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes
títulos, genuflexões e a aprovação na bancada
dos senadores" (William Shakespeare)
Há uma discussão eterna sobre a boa ou má índole da natureza humana, existindo quem considere que temos uma inclinação natural para o egoísmo e a ganância (e até atribua a tais compulsões um sentido virtuoso!). 

Seríamos nós dominados por um imperativo irresistível de sobrevivência, a nos fazer agir de forma canibalesca com relação aos nossos semelhantes, diferentemente (para pior) dos animais irracionais, que preservam os membros da mesma espécie?

Ou somos, como aprendemos nos nossos rudimentares conceitos sociológicos, produtos do meio (Rousseau)? Mas não é o homem, ele próprio, quem molda o meio no qual vive?

A ontologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza do ser. Mas, como se conhecer a sua natureza ontológica original, ainda uterina ou nascitura, se é que ela exista e seja definitiva? 

Como se saber se, tal qual uma semente vegetal que traz no seu cerne a concepção de toda a sua forma futura, o ser humano, desde a concepção, tem uma forma mental preconcebida? 
"o capital coloca todos contra todos"

Pessoalmente considero que o ser humano é fundamentalmente bom desde a sua concepção, embora sofra a interferência interna e externa das condições que moldam o seu ser desde a concepção, formação física e ao longo da vida, principalmente aquelas havidas no período de sua formação psicológica. 

Mas, neste campo sou um palpiteiro cujos conceitos podem ser contestados por quem tenha conhecimentos científicos mais aprofundados sobre o tema.   

A natureza do ser humano é um tema desafiante, mas alguns conceitos são evidentes, como: 
— a grandeza da racionalidade evolutivamente adquirida pelos humanos (que a ministra Damares Alves, fanática religiosa, nega ao contestar a teoria da evolução da Charles Darwin); 
— a certeza de que somente a solidariedade tornou possível a sobrevivência humana face a outras feras muito mais potentes, nos primórdios de sua existência;
— a importância do seu sentido gregário, que o capacita para a convivência comunitária construtiva.

Mas por que, apesar dos nossos imensos ganhos da área do saber, fomos e ainda somos capazes de cometer tantas atrocidades contra o próprio ser humano? 

Considero que o contínuo genocídio da humanidade (agora com ares de barbárie social, como ocorre no Ceará e em muitas regiões do Brasil) resulta da prevalência mundial do sistema produtor de mercadorias, que submete os humanos ao seu fetichismo reificado e irracional. 
Barbárie social em Fortaleza: caminhão e carro incendiados

Tal modo de produção e relação social pontua como o mais genocida dentre todos os congêneres experimentados pela humanidade ao longo do tempo; nunca se matou o nosso semelhante tanto e em tão pouco tempo.  

O conflito entre a solidariedade, essa característica generosa do ser humano, e o individualismo nele induzido pelo modo de relação social excludente e avaro (auri sacra fames) que prevalece no mundo inteiro, está mais do que nunca na pauta do dia.

No exato momento em que tomou conta de todos os quadrantes do nosso planeta esgotou-se a sua capacidade de expansão territorial e do consumo de mercadorias (ainda que com valores reduzidos), como previu Marx há 160 anos.

Quando afirmamos repetidamente que a forma-valor corresponde a uma lógica autotélica, é porque ela se alimenta dos recursos que ela mesma produz, e quanto mais produz, mais precisa produzir para si mesma; tal dinâmica, contudo, é insustentável no longo prazo. 

Assim, a linha estatística ascendente da necessidade de reprodução do valor (que tem de crescer ad infinitum) é mais íngreme do que a linha da capacidade de consumo humana (tanto a natural como a provocada pelo desemprego), isto gerando um desequilíbrio econômico que, em algum momento, se torna explícito e demonstra a sua inviabilidade como modo de relação social sustentável. É chegado tal momento.   
Bola fora: Gerson virou símbolo do amoralismo egoísta

O valor não é plenamente distributível conforme nos ensinou Marx na sua teoria sobre a queda tendencial da taxa de lucro, mas é constantemente (e necessariamente) cumulativo, e obrigatoriamente reaplicável, sob pena de perecimento precoce.  

Este foi o grande equívoco da economia marxista tradicional estatizada (capitalismo de Estado) pretensamente proletária, que não entendeu que a lógica de produção do capital, o qual, mesmo nas mãos do Estado, obedece à sua natureza autotélica.  

A produção de mercadorias, que é a expressão e constituição do valor, sob este critério autotélico não pode ser distribuída(o), mas tem de ser permanentemente e necessariamente reinvestido em capital fixo (equipamentos e máquinas) para fazer face à concorrência de mercado. Aí ocorrem dois fenômenos:
— a concentração da riqueza abstrata (valor) nas mãos do capital vitorioso na guerra concorrencial de mercado; e
— uma evolução tecnológica do capital fixo, aplicada à produção de mercadorias que servem ao capital circulante, a qual mata a galinha dos ovos de ouro do capital, qual seja o trabalho abstrato (capital variável), única forma de reprodução aumentada de valor na circulação de mercado.

Estes fenômenos são próprios à ilogia de uma forma de relação social que já nasceu fadada ao colapso num momento vindouro. 
"o capitalismo está no ocaso"
Tal momento se aproxima, 3 mil anos depois do seu nascimento e após cumprir todo o seu ciclo de crescimento e existência. Agora está no ocaso, marchando para a morte. 

A lógica da produção e reprodução do valor é um processo histórico (não ontológico) antinatural, daí tender ao insustentável. Se ainda sobrevive, é graças à irracionalidade que tomou conta dos racionais. 

Tudo que o ministro Paulo Guedes defende como forma de introdução de um capitalismo inteligente em contraponto ao capitalismo burro (praticado pelo Brasil até aqui) tem sobrevivência efêmera, por estar inserido na ilogia capitalista. 

O seu raciocínio somente opera dentro dessa mesma ilogia, que não admite formas alternativas do modo de produção social; mas, a inflexibilidade com que rejeita a própria superação o condena ao fracasso de longo prazo. 

Ainda que se venda tudo que for patrimônio estatal; que se reduza o tamanho do Estado à sua função de mero guardião da institucionalidade que dá sustentação à vida mercantil capitalista; e que se volte ao velho mercantismo puro do laizzez-faire (atualmente apresentado como algo novo às massas inconscientes e ávidas de soluções imediatas), já não há mais como salvar o moribundo.

Acresça-se à insustentabilidade da lógica capitalista de longo prazo um código ético social abominável, amoral, derivado dessa mesma lógica, à medida que ela induz a todos a tentarem levar vantagem contra os outros. É uma lógica nascida da apropriação indébita, mas oficialmente consentida (correspondendo, portanto, a uma corrupção implícita), representada pela extração de mais-valia.
Acabamos de entrar nela

O capital coloca todos numa guerra fratricida contra todos (e nela todos perdem!). O modo de produção social atual se funda numa corrupção que os princípios do direito natural (jus) condenam, mas para a qual a hipocrisia normativa judiciária (fas) se faz de cega.

Este é o fator indutor de um molde social negativo, a chamada lei da vantagem, aquela que levou o nosso canhotinha de ouro, o Gerson, a ter sua imagem associada a uma amoralidade ignominiosa em propagandas veiculadas na mídia. Não há nada mais socialmente abjeto e amoral do que a aceitação passiva de um código ético que aprova o roubo da reprodução cumulativa como algo virtuoso! 

Assim, mesmo que não se chegue a uma conclusão definitiva sobre a natureza da índole humana (se naturalmente boa, má ou indiferente, até que seja socialmente formada), é certo que boa coisa não se gera a partir da forma-valor e da sua lógica de produção social baseada na geração do lucro e de sua reprodução cumulativa e segregacionista. 

A forma-valor é o gene da segregação social e tem de ser superada como forma de relação social.

Lembrando a frase célebre do botânico francês Auguste Saint-Hilarie, "ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil", encerro com uma atualização pertinente:

Diante dos disparos incessantes de baboseiras antigas e outras novas neste Brasil macunaímico de tantos saques e achaques; da negação da ciência pela ministra Damares Alves; e de uso literário indevido pelo ministro das Relações Astrológicas Exteriores, chegou a hora de afirmarmos que, ou o Brasil acaba com a burrice entronizada, ou ela acaba com o Brasil. (por Dalton Rosado) 
Obs: no espírito do artigo acima, o
Dalton recomenda aos leitores que
ouçam esta música por ele
composta, na interpretação
do cantor Gomes Brasil.

2 comentários:

Anônimo disse...

Celso, será que o índio entregará o Battisti aos canalhas? Aguardando um artigo seu.

celsolungaretti disse...

O artigo está no ar, mas não responde à sua pergunta.

É impossível afirmar algo com convicção. Percebe-se que o noticiário é altamente tendencioso e quer dar exatamente a impressão de que está tudo acertado com o Morales.

Mas, estará mesmo? Seria algo tão ruim para o prestígio dele que eu fico imaginando que haja algo que ainda não estejamos sabendo. É melhor nos pronunciarmos em cima de fato consumado.

E, embora seja difícil influenciar daqui a decisão dele, escrevi nesse espírito. Em 2008/2011 às vezes acontecia de meus textos terem tal efeito, principalmente quando muitos articulistas e blogueiros iam na esteira do que eu havia escrito. Temos de acreditar sempre e tentar de tudo.

Abs.

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