segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

EUFÓRICO POR TER OBTIDO SEU OURO DE TOLO, O CHANCELER VIAJOU NUMA MIXÓRDIA PRETENSIOSA – 2

Uma citação que ficou fora da arenga do Araújo
(continuação deste post)
A ação corajosamente proposta por Raul Seixas em sua música no momento em que estava mais recalcitrante e genocida a ditadura militar é justamente o contrário daquela pregada por V.Exª, pois Ouro de tolo se tratava (sub-repticiamente, para fugir da censura) de uma exortação para não acreditarmos no falso milagre brasileiro de e nos rebelarmos contra a passividade conformista.  

Por favor, não contextualize a poesia de Renato Russo e Raul Seixas em proveito dos seus conceitos retrógrados e confusos, pois eles não estão aqui para refutar o uso indevido de suas poesias e conceitos. 

Raulzito pregava uma sociedade alternativa, que é algo bem diferente de sua proposta de resgate da memória brasileira a partir de sua elite escravagista (não é demais lembrarmo-nos de que fomos um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão direta dos negros africanos para aqui trazidos e mantidos em condições subumanas.  

Quando lhe ouço definindo o Itamaraty como sendo o guardião da memória brasileira, e as razões elencadas para tal, tenho a impressão clara de que o senhor deseja que essa instituição faça uma mescla de capitalismo liberal com preceitos feudais, coisa que certamente não se coaduna com a ordem da economia globalizada confundida pelo senhor com globalismo por uma mera modificação semântica, pela qual se quer afirmar a validade do conceito de pátria (cada vez mais esvaziado de sentido universal).
Boçalnaro, o ignaro, que o senhor trata como mito, não está a promover a nova independência do Brasil e nem representa um renascimento do nosso país, mas apenas uma tentativa vã de consolidação da volta ao passado, em direção a outro governo que há 33 anos deixou o poder pela porta dos fundos. 

Tudo está a ocorrer graças à memória nacional amnésica que beneficia o enganoso populismo de direita, inconsistente e de curta duração, ao qual o senhor se filia. 

O senhor confunde conceitos. O sentimento cultural de um povo, suas raízes populares, sua memória genético-étnica e seus valores mais virtuosos não devem ser confundidos com sentimento nacional-patriótico; este último é xenófobo na sua essência mais profunda, por não comportar as relações humanas solidárias e livres para com os outros, e que transcendem as fronteiras geográficas.

Em matéria de (sur)realismo fantástico retrógrado o senhor somente consegue ser superado pela ministra e pastora evangélica Damares Alves (aquela fanática da goiabeira que agora quer uniformizar a cor das vestes infantis) formando um dupla imbatível em proferir sandices que vão desqualificar gradativamente a credibilidade do governo mitológico (e não mítico).

Contraditoriamente, o capitalismo liberal que o senhor e sua equipe de governo defendem torna obrigatório um deslocamento do capital para onde ele ainda puder acumular lucro crescentemente, daí a economia estar globalizada e não mais submetida aos limites retrógrados do nacionalismo patriótico.     

A diferenciação semântica sobre globalização e globalismo que o senhor e sua equipe de governo tentam estabelecer fiando-se no besteirol de astrólogos, é superficial e vazia de sentido conceitual consistente e virtuoso.

Os governos são nacionalistas por tendência natural, e o senhor, como membros da alta hierarquia institucional estatal de carreira, tende a confundir conceitos entre o verdadeiro interesse estatal com sua função estratégica para o capital (de um lado) e uma pretensa soberania política sobre a economia (do outro). Isso vai terminar mal. 

Não compreende que o Estado, que não é isento nem neutro, está sempre ideologicamente a serviço do capital que é mundial e privado. Esta contradição salta aos olhos hoje por estarmos atravessando a fase aguda do limite existencial do capitalismo como modo de produção social que se tornou anacrônico por seus próprios fundamentos.
Por favor não confunda capitalismo liberal como se fosse a antítese do socialismo capitalista de Estado, pois não o é; trata-se de espécies políticas de um mesmo gênero, qual seja a produção de mercadorias como forma de relação social. 

A antítese do capitalismo é uma relação social na qual se produza para satisfazer necessidades de consumo e não para a acumulação do lucro privado ou estatal, que é cada vez mais difícil de ser viabilizado e cada vez mais concentrado, constituindo-se como condição da autodestruição irreversível dessa última forma.  

A redoma teórico-patriótica à qual o senhor está tão aferrado já não faz mais sentido, e isso não deve ser confundido com a preservação de todas os nossos valores e tradições regionalistas.

O futebol brasileiro, p. ex., não é patrimônio patriótico, mas sim patrimônio imaterial do povo brasileiro, pois, como disse Nelson Rodrigues, “o escrete é a pátria em chuteiras” (e não os seus limites fronteiriços e institucionais!).

Aliás, as fronteiras não existem para quem tem dinheiro, pois a cidadania burguesa é uma mercadoria de boa aceitação internacional. Aos coitadezas do mundo resta o repúdio nas fronteiras que o senhor tanto defende e que os condena à morte nos mares, muros fronteiriços e novos campos de concentração. 

Por fim, quero dizer que há mais um ponto sobre o qual discordamos conceitualmente: o Brasil foi moldado, infelizmente, pelo anseio de riqueza e ganância das elites europeias que aqui chegaram e que trocavam espelhos por ouro desde o primeiro contato.  

Mas a pujança nacional (mesmo a medida em riqueza abstrata) foi feita com o suor da brava gente brasileira, que construiu tudo de bom que caracteriza a nossa melhor identidade (o samba, o futebol, a boa convivência étnica miscigenada, a nossa culinária, a nossa antiga cordialidade e alegria de viver, etc.), da mesma forma que a grandeza de Roma foi construída pela mão-de-obra dos escravos e dos artesãos humildes, e não por seus cultos tribunos e legiões vitoriosas.

Não foram as elites, mas a grande maioria do povo brasileiro quem fez o que há de melhor em nosso país. O Brasil, senhor ministro das Relações Exteriores, haverá, sim, de encontrar-se com a melhor memória brasileira, que é a de um povo simples, cordial e miscigenado pela imigração que o senhor agora tanto despreza, e cuja glória é formada por mãos calejadas, não pela fineza dos salões diplomáticos onde esse povo não é convidado.

Acredito e espero que nossa gente possa, um dia, comemorar uma verdadeira independência. 

E isto num futuro que, espero, seja breve. (por Dalton Rosado)
Gomes Brasil interpreta Viva, de autoria do Dalton, que participa do vídeo

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