sábado, 29 de dezembro de 2018

UNIVERSIDADE, A ÚLTIMA TRINCHEIRA CONTRA ESTUPIDEZ DA ERA BOLSONARO – 4

(continuação deste post)
Finalmente, para fechar o espetáculo, Bolsonaro escolheu a ministra dos Direitos Humanos: a pastora Damares Alves. 

Ela logo viralizou na internet com um vídeo de 2016 no qual ela aparece, quase possuída, diante dos fieis de sua igreja batista em Belo Horizonte, lembrando o dia em que, com 10 anos — prestes a cometer suicídio —, teria ficado cara a cara com Jesus num pé de goiabeira. 

Damares narrava o seu drama pessoal, de uma criança traumatizada aos 6 anos pelo abuso sexual que sofreu de um pastor evangélico. Tratou-se de uma catarse de forte conteúdo emocional, que comoveu muitos e assustou outros tantos.

É sempre tocante um depoimento transtornado pela memória de uma criança violentada, um ato bestial que todos condenamos. Mas, a purgação pública de Damares, que se expôs na igreja como pastora, sem imaginar que seria ministra dois anos depois, tem um grave problema. 

À mulher de César... ou melhor, à mulher ministra de Bolsonaro não basta ser sensata. É preciso parecer sensata.

É bom lembrar que a expiação dramática de Damares, no limite de um surto nervoso, não é o depoimento de uma criança de 10 anos, mas a narrativa de uma mulher então na maturidade de seus 52 anos. 

O desempenho carregado de angústia e agonia da pastora, beirando o desequilíbrio emocional, não passa uma boa impressão sobre a sensatez que se espera de uma ministra mentalmente equilibrada que precisa tratar com bom senso dos temas complexos de sua pasta — Mulher, Família e Direitos Humanos.

A questão mais grave que envolve Damares não é o constrangedor relato sobre Jesus no pé de goiaba. Ela ainda defende valores conservadores e religiosos contra o abortamento num país onde 1 milhão de abortos induzidos, proibidos por lei, são praticados anualmente. 

O aborto inseguro e clandestino causou a morte de 203 mulheres em 2016, um óbito a cada dois dias, duas mil mortes nos últimos 10 anos, segundo o Ministério da Saúde. Damares promete continuar na luta para manter essa criminosa ilegalidade.

Um temor ainda maior é a visão religiosa extremada que a ministra tem sobre a relação criança x escola, ferindo frontalmente o princípio civilizado da separação entre Estado e Igreja, consagrado na Constituição que expressa a soberania do Estado laico. 

Na mesma igreja em que contou sobre Jesus e a goiabeira, Damares expressou uma perversão que o repórter Bernardo Mello Franco, d'O Globo, revelou ao país: sua funda descrença na escola e sua fé radical na igreja. Disse: 
"Chegou a nossa hora. É o momento da igreja de Jesus ocupar a nação. É o momento de a igreja governar. As instituições piraram. Só uma não pirou: é a igreja de Jesus... A escola não é mais lugar seguro para nossos filhos. O único lugar em que seu filho está protegido é o templo, a igreja..."
Dessa vez não era um surto, nem um depoimento alucinado. Era apenas a firme convicção da pastora que virou ministra. E isso é muito mais grave do que o desvario na goiabeira. O capitão Bolsonaro deveria, num sermão particular com Damares, explicar a ela que este não é o momento de a igreja governar. 

Nem agora, nem nunca, já que vivemos numa democracia, não num Estado teocrático. O Brasil não precisa ser ocupado por nenhuma igreja. As instituições não piraram e ninguém precisa subir em pé de goiaba para descobrir o lugar certo para os filhos. A escola, que dispensa qualquer desatino místico, será sempre o lugar certo, seguro e sensato para as crianças brasileiras.

Enfim, aí está a inacreditável barafunda de pensamentos obtusos, definições esdrúxulas, bobagens explícitas, boçalidade galopante e rombuda burrice que parecem intumescer alguns cérebros do iminente Governo Bolsonaro.

São evidências assustadoras, que resumem uma overdose acumulada de militarismo redivivo, uma visão retrógrada da realidade, uma clara intolerância intelectual, um medieval fundamentalismo religioso e uma absurda repulsa a marcos civilizatórios consagrados nos países mais avançados do mundo. 

O Brasil de Bolsonaro — de seus avatares autoritários e astrólogos influentes, de seus diplomatas e professores impregnados de ideologia (embora finjam combater a dita cuja), de seus fanáticos pirados pela fé e pela salvação divina —, o Brasil do capitão ameaça uma marcha batida pelos coturnos da insensatez, na contramão do progresso, do conhecimento e da história.

Os direitos humanos estarão sempre ameaçados quando a estupidez interdita a inteligência. A Universidade é nossa última trincheira de resistência.

Educadores, por favor, resistam à imbecilidade e à ignorância! (por Luiz Claúdio Cunha, ex-consultor da Comissão Nacional da Verdade, jornalista e escritor, em artigo publicado no site Congresso em Foco)

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