segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

DALTON ROSADO E A ESTÉTICA DO MURO – 2

(continuação deste post)
O APARTHEID SOCIAL MUNDIAL, O PROCESSO DE MIGRAÇÃO E O AUMENTO DA FOME NO MUNDO — Há muros invisíveis, não tangíveis, mas sentidos por quantos são impedidos de viverem em seus solos natais por questões da competição autofágica da concorrência internacional de mercado.

Agora, na contramão da história, os promotores dos muros invisíveis querem reeditar os muros físicos (como o muro de Berlim, erguido durante a guerra fria e que foi derrubado por absoluta convergência de interesses capitalistas de mercado).   deste post

Mais uma vez a triste história do capitalismo se repete, e de modo tragicômico: que outra qualificação merece a obsessão destrumpelhada em erguer um muro na fronteira com o México para impedir a entrada dos explorados pobretões latino-americanos?!  

Os países grandes produtores de mercadorias manufaturadas de alta tecnologia, patenteadas, que lhes facultam a extração de mais-valia exacerbada pela criação de alto valor excedente, acham muito bom vender esses itens de alto custo para os países pobres e corromperem seus governos despóticos e/ou corruptos.

Entretanto, quando os povos dos países explorados pelo capital (e não pelo imperialismo estatal como a esquerda tradicional sempre entendeu, dando ênfase ao poderio político-estatal, ainda que o Estado e seu controle monetário contribuam para a exploração) resolvem migrar para os países desenvolvidos, que agora enfrentam problemas causados pela debacle capitalista mundial, são recebidos como criminosos da pior espécie. 

A verdade é que os muros que vêm sendo construídos na Europa e a formação de campos de refugiados que guardam uma certa semelhança com os campos de concentração, são o reflexo da decomposição de uma ordem social que chegou à exaustão quanto à capacidade de suprimento das necessidades de consumo de toda a população mundial.

Ademais,  ameaça a própria sobrevivência da nossa espécie, seja com a poluição de rios, mares e solos, seja com o esgotamento de recursos imprescindíveis à vida humana, seja com o aquecimento global.  

A violência urbana que ergue muros é apenas a explicitação física de um outro muro, o do apartheid social, que deixa a todos nós, os que ainda não fomos embrutecidos pela insanidade mental que vê no retrocesso civilizatório a saída para os males sociais, a nos perguntarmos:
"Por que temos a capacidade de chegar à marte; de produzir tantos engenhos eletrônicos de comunicação instantânea e a cores; de brincarmos de deuses a partir da engenharia genética; por que, apesar de tantos avanços, ainda não fomos capazes de estancar a fome que grassa no mundo, aumentando sempre?"
Segundo a FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o número de famélicos do mundo cresce há três anos seguidos. Era de 815 milhões em 2016, subiu para 821 milhões em 2017 e continua em trajetória ascendente.  
São muitos os fatores que convergem para essa realidade, inutilmente negada pelos que nos tentam impingir a lorota de que o capitalismo possa nos resgatar da miséria, como afirma repetidamente o futuro ministro bolsonaresco da Economia, o pupilo mediano da escola neoliberal de Chicago, Paulo Guedes.

É evidente que as consequências do aquecimento global e a intensificação das guerras contribuem para a má performance econômica global, mas tudo isso tem uma causa subjacente: o próprio capitalismo. 

O muro que se ergue para a agricultura de subsistência ou para a produção mercantil da pequena propriedade rural é intransponível em razão da impossibilidade de competirem com a agricultura em larga escala, restrita àqueles que são capazes de obter altos níveis de produtividade (mediante a mecanização e o uso de defensivos agrícolas, que são impeditivamente caros para o 3º mundo, o qual é obrigado a pagar valores astronômicos pelos princípios ativos desses agrotóxicos que amiúde causam mortes). 

É verdade que um agricultor brasileiro produzindo soja com o auxílio de toda a família montada em tratores (e com financiamento bancário subsidiado) ainda consegue obter algum sucesso econômico.  
Mas, a maioria dos agricultores não opera nestas condições ideais, e isto a FAO não diz. Ela omite que, a despeito dessas exceções que só vêm confirmar a regra, a causa da fome é a lógica capitalista, ao induzir à produção em escala como condição sine qua non de viabilidade econômica. 

Uma coisa é o diagnóstico da existência dos efeitos a partir de análises superficiais, outra coisa é a compreensão e aceitação do verdadeiro remédio para a sua cura.

Algo ligado à mesquinha vontade dos homens está a impedir que nos emancipemos e resolvamos definitivamente esse problema milenar, que ora toma contornos dramáticos. Urge desvendarmos esse mistério.

Derrubar os muros invisíveis para que não surjam cada vez mais muros visíveis é o que está na ordem do dia nestes tempos estranhos que precisam ser elucidados.

Será que Cesare Battisti [clique aqui para escutar uma composição de Dalton Rosado sobre a saga do perseguido político italiano] conseguiu atravessar o muro e ir para um país que projete um futuro mais civilizado do que o nosso?

Feliz natal para todos e um ano novo de resistência às prováveis intempéries. (por Dalton Rosado)
"Quando o muro separa, uma ponte une / Se a vingança encara, o remorso
pune / Você vem me agarra, alguém vem e solta  / Você vai na marra,
ela um dia volta / E se a força é tua, ela um dia é nossa / Olha
o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando /
Que medo você tem de nós!"

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