segunda-feira, 29 de outubro de 2018

APÓS A INFLEXÃO DE RECUO SOCIAL, SERÁ RETOMADO O INEXORÁVEL AVANÇO DA RODA DA HISTÓRIA

O tempo da história não obedece à contagem cronológica do tempo linear de uma vida humana. Tem outra dimensão. 

É preciso estarmos atentos à rotação da roda da História para compreendermos que, ainda que possamos em alguns momentos retroceder socialmente, isto apenas significa um espaço temporal para o condicionamento de um impulso maior de sua velocidade.

O ser humano sobre a face da Terra (da qual é originário, sendo, portanto, parte dela) se constitui numa criatura em desenvolvimento sob todos os aspectos; a própria natureza molda o nosso destino evolutivo. 

Neste sentido, todos os acontecimentos históricos significam um estágio de progressos e crises que se alternam sempre no sentido da evolução do saber, da civilidade, da virtude e da capacidade do ser humano de se prover comodamente e de modo que tenha tempo para cultivar comportamentos que dignifiquem a sua existência.

As crises mais não são do que o impasse gerador do que é novo e capaz de catapultar o progresso. Por mais inquietantes que sejam os prenúncios da positivação de posturas autoritárias e negadoras das virtudes humanas, eles são sempre apenas a antevéspera da sua própria negação.

Os hediondos crimes nazistas, p. ex., demonstram do que o ser humano é capaz num ambiente de positivação da negatividade humana. 

Tais crimes, contudo, não se sustentam historicamente, já que são a negação da essência humana em desenvolvimento.   

Mais: o tempo histórico é diferenciado do tempo da existência de uma única pessoa, daí a nossa existência individual ser significativa apenas quando ela dá um contributo para a grandeza do ser no seu mais alto significado, capaz de demonstrar a sua interação com a natureza que o criou e que dele espera uma resposta virtuosa.

Cada vida humana não vale apenas pelo que conseguiu usufruir, mas pelo legado que deixa para os pósteros. Esta é a função mais dignificante de um revolucionário diante das injustiças sociais. 

O injustiçado judeu morto pela idiossincrasia nazista e anonimamente enterrado numa vala comum juntamente com centenas de outros, contribui como um pequeno átomo para a formação de uma consciência universal sobre a nossa pequenez e grandeza concomitantes, e a necessidade de superação dos resquícios de nossa irracionalidade em processo de superação.

Os que lutam pela afirmação do ser humano como tal devem estar temorosos do que virá para o Brasil nesses próximos quatro anos. É claro que eu também estou. 

Mas compreendo a vitória eleitoral do Boçalnaro, o ignaro, como um estágio da decadência do capitalismo que coloca na mente de muitos brasileiros (39,2% do universo total de eleitores) a falsa impressão ou vã esperança de que a intensificação do mal pode consertar as consequências do mal que ele mesmo criou.  
Cedo evidenciar-se-á a incapacidade de provimento dos sonhos desses cidadãos ávidos por mudanças. aí, esse velho travestido de novo logo mostrará as rugas de sua verdadeira identidade mumificada, porque já não há nenhuma possibilidade de um novo (e falso!) milagre brasileiro como aquele com o qual a ditadura militar mais recalcitrante enganou o nosso  povo no período 1964-85, até cair de podre.  

Em que pese o grau de dificuldades e restrições que decerto serão impostas às nossas ações emancipacionistas, devemos avaliar que aos capitalistas mais assumidos agora caberá a tarefa de administrarem o inadministrável, ou seja, dar retorno ao povo apesar da falência econômica social e política em curso; tal prova dos nove poderá ser educativa, dependendo da nossa capacidade de conscientização e ação. 

Mais do que nunca, entendo que não nos cabe a tarefa de salvar o capitalismo decadente a partir do aparelho de Estado, senão denunciar a sua disfunção social e sua verdadeira função de manutenção de uma ordem institucional injusta, porque mantenedora de um modo de produção social injusto na sua raiz.

Não é a partir de eleições burguesas que educaremos o povo, pois se isto fosse factível estaríamos noutro patamar de conscientização após mais de um século de eleições, e não nós tornaríamos susceptíveis do engodo eleitoral do atraso representado por quantos ora se assenhoreiam do poder político com ideias totalitárias. 

Impõe-se, portanto, a conclusão de que:
— ao invés de cortejarmos o poder político burguês, devemos negá-lo; 
— ao invés de acionarmos o eterno pêndulo da ineficácia que entroniza no poder político burguês, em alternância, governos de esquerda e de direita que se se diferenciam politicamente mas são iguais na sua essência ontológica (a mediação pela forma-valor), devemos negar tal participação; 
— ao invés de legitimarmos o poder político burguês parlamentar com a nossa participação sempre minoritária, devemos negá-lo como instância pertencente e subjugada a uma escória eleita a partir da manipulação eleitoral do poder econômico, dominador e influente no Brasil mais profundo.     

O ano de 2019 servirá para que confrontemos a falência estatal de várias unidades da Federação e da União Federal, sem termos a incumbência de tomarmos medidas impopulares que objetivem manter as contas públicas em dia, tais como zerar o déficit previdenciário existente a partir de uma lógica social que desemprega e torna a equação atuarial previdenciária impossível de ser administrada senão com a restrição de direitos de quem trabalhou anos a fio contribuindo mensalmente com descontos nos seus salários e agora se vê na iminência de ter a sua aposentadoria adiada para o pós-morte.

Ademais, servirá:
 para não aceitarmos o ajuste fiscal com a redução dos gastos públicos em demandas sociais e a priorização dos gastos da máquina pública opressora; 
— para que não sejamos nós a pagar quase R$ 500 bilhões de juros aos agiotas internacionais que vivem de renda às custas dos nossos sacrifícios sociais;
— para que cobremos a pacificação num país com números de violência urbana típicos de uma nação em guerra civil (consequência da impossibilidade de convivência social fraterna com 50% da população ganhando salários inferiores a dois salários-mínimos (conforme o Ibope) e 13,7 milhões de pessoas reduzidas ao desemprego crônico;
— para sabermos como se vão prender os miserabilizados pelo capital, muitos dos quais induzidos ao crime numa proporção tal que torna o Estado incapaz de processá-los e encarcerá-los (ou teremos de aceitar o assassinato como política de Estado para evitarmos os custos proibitivos do encarceramento?);  
— para termos oportunidade de cobrar uma política educacional eficiente na forma (escolas públicas bem aparelhadas e professores dignamente remunerados) e com conteúdo curricular que exalte as melhores virtudes humanas; 
— para podermos cobrar do Sistema Único de Saúde ações capazes de prover a necessidade de atendimento médico a uma população que vem morrendo nas portas dos hospitais e unidades de atendimentos médicos.

Agora que se pretende inaugurar a era da corrupção-zero a partir de uma onda moralizante (e hipócrita), veremos se o capitalismo é capaz de prover as demandas sociais a partir do gerenciamento estatal dos seus próceres mais assumidos.  

A roda da História, neste exato momento, fez uma inflexão de recuo, mas devemos aglutinar forças para que isso represente apenas uma tração maior no sentido do impulso do progresso social e humano. 

As condições para a aferição da verdade histórica estão mais colocadas do que nunca, de forma que o entusiasmo totalitário de hoje deverá representar a desilusão de amanhã. 

Com isto, abrir-se-á espaço para o inexorável avanço da roda da História e do seu encontro com a verdade, que é sempre relativa e em eterno estágio de mutação. (por Dalton Rosado) 

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