sábado, 21 de julho de 2018

CONDENAÇÃO DE 23 MANIFESTANTES DE 2013 E 2014 REVELA QUE O PODER ESTÁ CADA VEZ MAIS BRUTAL CONTRA QUEM O QUESTIONA

vladimir safatle
UMA PERSONALIDADE DISTORCIDA
Sininho está entre os 23 condenados
"A ré tem uma personalidade distorcida, voltada ao desrespeito aos Poderes constituídos, o que pode ser constatado, no tocante ao Judiciário, por ter descumprido uma das medidas cautelares impostas pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (proibição de frequentar manifestações e protestos), o que acarretou a decretação de sua prisão preventiva... 
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"Já o desrespeito ao Poder Executivo pode ser evidenciado, p. ex., pelo enfrentamento aos policiais militares nas passeatas e ao Ocupa Cabral (é inacreditável o então governador deste estado e sua família terem ficado com o direito de ir e vir restringido). O desrespeito ao Poder Legislativo, por sua vez, pode ser verificado, p. ex., pelo Ocupa Câmara."

Estes são trechos da sentença do juiz Flavio Itabaiana contra 23 manifestantes que participaram das manifestações de 2013 e 2014, condenando-os a penas de cinco e sete anos de prisão em regime fechado por formação de quadrilha, corrupção de menores, dano qualificado e lesão corporal.

Nenhum policial foi condenado por incitação à violência, por infiltração em grupos de manifestantes com o intuito claro de iniciar confrontos, por lesão corporal contra manifestantes que ficaram cegos ou tiveram ferimentos graves.

Mas há uma condenação de manifestantes que lutavam contra aumentos abusivos de tarifas de transportes, contra o esvaziamento da democracia parlamentar, contra os gastos com a Copa do Mundo e a corrupção.
"Psicologismo mais rasteiro a serviço da servidão"

De toda forma, a pérola escrita pelo referido juiz expõe, de forma didática, a matriz do pensamento autoritário nacional, assim como o caráter meramente formal da democracia que impera em nossas terras.

Ao que se vê, na sociedade que o senhor Itabaiana defende, alguém que desrespeita "Poderes constituídos", que se manifesta em frente à casa de um governador corrupto, que não admite ser limitado em seu direito de se manifestar e protestar só pode ter uma "personalidade distorcida".

Nesse caso, podemos nos perguntar o que seria uma personalidade não distorcida. Alguém para quem os ditos Poderes nunca devem ser criticados de forma aberta e através de manifestações populares? Alguém que faz deferência quando um governador passa na rua?

No entanto, a "personalidade distorcida" em questão é exatamente aquela que a democracia produz, ou deveria produzir. Como dizia Condorcet na aurora da Revolução Francesa: "A função da educação pública é tornar o povo indócil e difícil de governar".

Um povo indócil faz barricada, impede o direito de ir e vir dos governantes, quebra vidraças de banco quando precisa se fazer ouvir, pois sabe que para um poder surdo essa é a única linguagem compreensível.

Esse poder só ouve àquilo que não o coloca em questão, a quem, no fundo, procura reforçá-lo. Ou seja, a capacidade de se colocar contra o poder, de não se submeter à violência estatal e ao seu braço armado, é algo que só existe naqueles que entenderam o que afinal está em jogo quando se fala em emancipação e liberdade social.
"Esses 23 manifestantes são claramente presos políticos"
A democracia nunca viu problemas em aceitar essa indocilidade do povo, pois ela sabe que o poder deve temer o povo que ele julga representar, e não o inverso.

Mas, no Brasil, uma das funções principais do Poder Judiciário é procurar, de todas as formas, criminalizar a revolta, nem que seja utilizando um vocabulário digno do psicologismo mais rasteiro à serviço da servidão.

Esses 23 manifestantes que correm o risco de prisão a partir de agora são claramente presos políticos.

À parte a morte acidental de um cinegrafista por um rojão disparado por manifestantes —fato que merece uma análise isolada—, o único crime em questão é a existência política insubmissa.

Algo que em nossas terras parece ser cada vez mais imperdoável. Mas faz parte de um poder cada vez mais ilegítimo ser cada vez mais brutal contra todos aqueles que efetivamente o questionam. (por Vladimir Safatle)
"Si acaso esto es un motivo/ presa también voy, sargento" (Violeta Parra)

5 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Os petistas dizem que a justiça é parcial (apenas para o Lula, mas não
é para o Pallocci, Cunha e Cabral), o Celso diz aqui que a justiça é burguesa pois mandou prender manifestantes, o ultra-direititas dizem que o Supremo é comprado. Ou seja, estamos na m..., ninguém confia em ninguém. Salve-se quem puder!

celsolungaretti disse...

É importante dar o crédito a quem merece: quem disse que a Justiça está fazendo o serviço sujo da burguesia foi o Vladimir Safatle. Eu, evidentemente, concordo com ele.

Henrique Nascimento disse...

Não quero aqui nem discordar ou concordar com você e o Vladimir. Apenas quis salientar o ponto ao qual chegamos: desconfiança generalizada. Credibilidade zero.

Mas em um ponto devo concordar: a justiça ficaria melhor na fita se condenasse também os policiais. É bom lembrar que as manifestações populares ocorrem nos quatro cantos do mundo e de fato na grande maioria dos casos ninguém é condenado em participar de manifestações.

celsolungaretti disse...

Henrique,

a perda de credibilidade do Judiciário é o resultado óbvio de sua politização. Ele passou a sacrificar o rigor jurídico às razões de Estado e até a interesses menores de forças políticas e empresariais. Estamos vendo o resultado.

Henrique Nascimento disse...

Por coincidência, juízes da mais corte do Perú, denominada de Consejo Nacional de la Magistratura (o nosso STF), foram pegos fazendo negociatas obscuras. Bom lembrar que o Perú acabou de ter um presidente que renunciou (PPK), outro que está preso (Humala) e outro que está foragido (Toledo). Todos envolvidos com negociatas envolvendo a Odebrecht. Fico imaginando o nosso Gilmar, Toffoli, Lewandowski,.....

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