BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE
O PROTAGONISMO JUDICIAL
Por David Emanuel Coelho |
É flagrante o aumento do protagonismo do judiciário brasileiro nos últimos ano: ele tem exercido claramente um poder de tutela, ao mediar os conflitos e intervir no jogo político (embora não politicamente).
Há,contudo, um elemento específico em suas atuais pretensões tutelares: elas são inspiradas por uma visão francamente reformista, que se alastra entre juízes e promotores de justiça. Não se trata, obviamente, de algo generalizado, mas sim concentrado num grupo articulado e ruidoso.
Este fato é completamente inédito na História brasileira, em que o papel de tutela sempre coube às Forças Armadas. Desde o início nossa república foi uma república da espada, com os fardados várias vezes excedendo suas prerrogativas para dirimirem crises, exercerem repressão de classe ou mesmo mudarem o status quo político.
Uma das razões para isto foi o fato de que, durante muito tempo, o Exército (com maior destaque do que as outras Armas) era a única instituição organizada em todo o território brasileiro num nível minimamente eficiente, o que o fazia encarnar, de algum jeito, os interesses nacionais de uma forma universal.
Uma das razões para isto foi o fato de que, durante muito tempo, o Exército (com maior destaque do que as outras Armas) era a única instituição organizada em todo o território brasileiro num nível minimamente eficiente, o que o fazia encarnar, de algum jeito, os interesses nacionais de uma forma universal.
Não foi à toa o surgimento, em seus quadros, do chamado movimento tenentista. Nascido na década de 1920, tal movimento era constituído por jovens oficiais desgostosos da vida política e social da antiga república e que aspiravam a um projeto reformista. Os tenentistas atacavam a corrupção do regime político, a baixa eficiência do estado, a concentração de poder nas mãos das oligarquias e a falta de visão nacional dos governantes.
Os 18 do forte Copacabana, heróis do tenentismo |
No entanto, enquanto militares, os tenentistas utilizavam uma via autoritária e francamente truculenta para tentarem impor seu reformismo.
O tenentismo acabaria por se cindir em dois: o de esquerda, com destaque para Luiz Carlos Prestes; e os de direita, incluindo apoiadores do Estado Novo e futuros expoentes da ditadura militar.
O atual protagonismo judicial lembra aspectos do tenentismo. Obviamente, são fenômenos diferentes, de épocas diferentes, mas que carregam em si similaridades. A principal é o espírito reformista, o desejo de intervir nas instituições políticas visando seu saneamento. Poderíamos dizer que ambos fazem parte de um fenômeno passível de ser denominado tutela reformista.
A tutela reformista só surge, porém, quando os tradicionais mecanismos de representação da sociedade burguesa estão de tal modo paralisados e comprometidos que já não são mais capazes de absorver demandas populares, nem de tocar possíveis modificações de sua própria estrutura e dinâmica.
Isto geralmente acontece por um impasse nas disputas entre classes e frações de classes, quando ninguém consegue mais se entender. Nesta hora, um poder razoavelmente imune às disputas sociais acaba emergindo como poder de tutela. A imunidade provém da própria organização interna deste poder, normalmente organizado em estrutura hierárquica, com um corpo profissional não eleito e alinhado aos princípios gerais da sociedade burguesa.
Prestes (o 1º sentado, da esq. p/ a dir.) junto com outros comandantes da coluna que levou seu nome |
Na prática, a tutela reformista irá tratorar oposições, aniquilando o velho e abrindo caminho para o novo, mas – e isto é fundamental entender – o fará dentro dos limites do regime burguês. É como se a tutela reciclasse a sociedade capitalista, a fazendo entrar em novo patamar histórico.
O Brasil atual é um cenário evidente de exaustão de um modelo de regime burguês. Os poderes tradicionais – executivo e legislativo – são incapazes de levar adiante qualquer mudança efetiva. As práticas fisiologistas disseminaram-se tanto que estão levando o regime político à paralisia e à autofagia.
Neste contexto é que emergem setores do judiciário e do MP buscando sanear a vida pública, destravar os poderes e, em suma, reformar.
Não acredito que se deva duvidar da sinceridade do desejo reformista de juízes e promotores. O fato de se expressarem em termos autoritários e, até mesmo, messiânicos, não modifica o caráter de sua atuação. Os tenentistas também possuíam tons semelhantes, mas eram animados por sentimentos sinceros.
Nisto, erram grosseiramente petistas e satélites ao denunciarem a Lava-Jato como sendo um ato do imperialismo internacional ou uma trama novelesca de uma suposta elite. Esquecem que só há tutela porque há uma sanção e tal sanção é concedida pelo conjunto da sociedade civil.
Lava-Jato: procuradores do MPF em Curitiba. |
Desconsideram o fato de que o combate à corrupção no Brasil já possui uma história de 18 anos, com atuação massiva do MP, judiciário e PF; e que, antes, jamais houve qualquer tentativa de impedir o avanço do protagonismo judicial.
Pelo contrário, grande parte da esquerda e do PT agiram como francos incentivadores do trabalho saneador destes órgãos, tanto que Lula nunca se cansava de dizer: “Jamais se combateu tanto a corrupção quanto em meu governo”.
Ora, fato é que o combate à corrupção era tolerado enquanto circunscrito ao baixo clero do poder institucional. Bastou ele chegar ao alto escalão para o discurso mudar. Era, porém, tarde demais e as forças judiciais já haviam se instalado no imaginário social enquanto um poder sancionado.
O que virá depois? Difícil saber, mas não há dúvidas que tal protagonismo levará a um novo limiar histórico, mas este limiar não será um radicalmente novo e sim, tão somente, uma nova fase da desumanidade capitalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário