"O bitcoin fará com os bancos o que
o e-mail fez com o correio postal"
(Rick Falkvinge, empresário de TI)
De repente, como mais um pretenso milagre virtual cibernético, aparece uma forma de dinheiro que afirma não estar vinculado à emissão de moedas pelos Bancos Centrais dos Estados nacionais. Uma meia verdade, e como toda meia verdade, termina por ser uma mentira inteira.
Trata-se do bitcoin, que viralizou (para usar uma expressão da internet) como moeda capaz de facilitar a vida mercantil e, ao mesmo tempo, proporcionar ganhos fáceis aos que aderirem à sua compra. Eu disse compra, porque o principal modo de se obter bitcoin é adquirindo-o com moeda oficial vigente que, teoricamente, lhe empresta lastro existencial.
Daí podermos afirmar, logo de início, que o bitcoin é uma representação virtual de moedas oficiais que representam a abstração valor (esta última, teoricamente, com lastro na produção de mercadorias, que são por sua vez, ao mesmo tempo, concretas e abstratas).
O bitcoin é, portanto, uma abstração virtual representativa de outra abstração.
Sendo o próprio dinheiro uma abstração meramente virtual, ainda que tornada real nas mercadorias sensíveis e serviços, o bitcoin é o suprassumo da abstração, ainda mais virtual, porque só existe eletronicamente (não há papel-moeda bitcoin).
Sendo o próprio dinheiro uma abstração meramente virtual, ainda que tornada real nas mercadorias sensíveis e serviços, o bitcoin é o suprassumo da abstração, ainda mais virtual, porque só existe eletronicamente (não há papel-moeda bitcoin).
"Uma abstração virtual representativa de outra abstração" |
Passemos pois à análise, com lupa de aumento e sob o critério da isenção científica, da substância constitutiva e significado da moeda bitcoin.
Qualquer moeda é (ou deveria ser) a representação do valor. Tanto a moeda que representa o valor como o próprio valor são, ambos, abstrações numéricas que representam (ou deveriam representar) trabalho objetivado, cristalizado nas mercadorias sensíveis ou serviços; estes, por se tratarem de uma forma de relação social aceita e que interfere materialmente na vida das pessoas, transformam-se em abstrações reais, materializadas.
As moedas e o valor são abstrações porque meramente numéricas e resultantes da contabilização mental que lhes emprestam uma forma específica de relação social; são reais porque terminam por se consubstanciar numa relação social materializada nas mercadorias e serviços que servem ao consumo humano concreto, independentemente do seu caráter abstrato.
Nesse sentido o bitcoin nada mais é do que uma convenção de síntese de valor numérico contido em todas as moedas que são socialmente aceitas e que integram a sua cesta de valores, podendo facilitar as relações mercantis internacionais e nacionais reduzindo custos de operações na circulação.
Trata-se de um serviço eletrônico (de risco), pura e simplesmente.
Anúncio de uma concessionária de veículos |
É falacioso se dizer que a emissão de bitcoin tem vida própria como valor, independentemente da emissão de moedas pelos Bancos Centrais nacionais unificadas; afinal, não passa de um grande fundo de moedas nacionais e até mesmo do dólar estadunidense, a moeda internacional, como se tivesse o poder de emissão monetária.
A emissão de bitcoin não tem nenhuma relação com emissão de dinheiro novo, mas é uma emissão de título de crédito extraoficial que, uma vez aceito, passa a circular no mercado, tal qual uma nota promissória ou outro título de crédito qualquer, ainda que tenha a aparência de moeda com poder de compra (passando, assim, a tê-lo efetivamente).
O bitcoin está sujeito às intempéries próprias às emissões de moedas de cada país, que mais dia menos dia evidenciar-se-ão como títulos de créditos insolváveis.
Em muitas comunidades são adotadas moedas que circulam em âmbito restrito, mas todas elas, tal como o bitcoin (que é muito mais abrangente, complexo e sigiloso), têm lastro em moedas oficiais.
Como sabemos, já hoje as moedas nacionais são emitidas sem a correspondência na produção de mercadorias, posto que, na composição do PIB dos países, os setores primário (agronegócio) e secundário (industrial) da economia são únicos produtores de valores novos que autorizam a emissão de moeda devidamente lastreada, representando parcela bem menor nesse indicador do que o setor terciário (serviços), que não produz valor novo.
Dinheiro de fantasia conhecemos desde a meninice... |
Não é nenhuma novidade a afirmação de que impera a emissão de moeda sem lastro no sistema produtor de mercadorias, causando inflação (mais dinheiro sem mercadorias produzidas), principalmente para os países periféricos do capitalismo, cujas moedas emitidas sem lastro não são acreditadas no mercado internacional.
Há, contudo, uma diferença: a moeda bitcoin, ao invés de ser inflacionária como o são todas as outras que compõem a sua cesta monetária, é deflacionária, ou seja, ela se valoriza a cada dia, mas de modo artificial, não passando de um mecanismo de mercado sujeita às oscilações que lhe são próprias.
Tal fenômeno, aparentemente mágico, decorre do simples fato de que, como sua aquisição é limitada ao volume de bitcoins programado para circulação, e sendo eles cada vez mais procurados, incide sobre tal moeda a chamada lei da oferta e da procura, que provoca a oscilação de aumento de suas capacidades de compra (aumento de preços, não de valor, que é coisa diferente), ensejando uma ilusão aos desavisados.
A cada vez maior procura do bitcoin faz aumentar o seu preço relativamente às moedas que compõem a sua cesta de lastro monetário, numa evidência da artificialidade do processo, que deverá evidenciar-se inconsistente e causar mais uma fissura no já artificial sistema financeiro internacional quando as moedas que representa perderem a capacidade de compra.
Como o bitcoin compõe-se, além das moedas fortes, também, com moedas fracas, ou seja, dos países periféricos do capitalismo, a perda de capacidade de compra dos bitcoins tende a ocorrer antes mesmo da queda das chamadas moedas fortes (o dólar estadunidense e o euro, p. ex.).
A microeletrônica não produz estragos apenas na lógica do sistema produtor de mercadorias a partir da prescindência do trabalho abstrato, único produtor de valor válido e novo no universo da vida mercantil.
Há efeitos colaterais de grande significado que estão a demonstrar as contradições e irracionalidade do capitalismo desenvolvido como modo de mediação social dito moderno. Um deles é exatamente o surgimento da moeda bitcoin e sua magia ilusória e insubsistente.
Mas há benefícios por ela proporcionados que servem como chamarizes aparentemente convincentes para o seu uso, ainda que conspirem contra o próprio sistema no qual ela está inserida.
É evidente que a vida social mercantil, a partir de um sistema virtual comandado por computadores e celulares computadorizados em conexão com a comunicação via satélite (internet), facilita-lhe a operacionalização, dada a sua agilidade.
O comércio virtual de mercadorias, no que diz respeito à sua contratação (compra e venda), é um mercado abstrato por excelência, ainda que possa se materializar nas mercadorias e serviços, pois os valores de uso de ambos permanecem inalterados.
O comércio virtual de mercadorias, no que diz respeito à sua contratação (compra e venda), é um mercado abstrato por excelência, ainda que possa se materializar nas mercadorias e serviços, pois os valores de uso de ambos permanecem inalterados.
Uso do bitcoin dificulta fiscalização da cobrança de impostos |
A agilidade dos procedimentos mercantis num mundo em que time is money é outro fator contributivo para o uso dos serviços via moeda bitcoin.
Tal forma de mercantilização se passa em boa parte fora do controle do Estado, que, assim, não pode fiscalizar a cobrança de impostos advindos dessas atividades. A sonegação de impostos, que tanto mal faz à estrutura estatal de sustentação da ordem capitalista, é um dos motivos do sucesso da moeda bitcoin, mas, paradoxalmente, é uma das ameaças a sua aceitação legal e tende a ser criminalizada como atividade marginal pelas razões que passamos a expor.
Além de propiciar a sonegação de tributos, a moeda bitcoin tem a possibilidade de proporcionar aos seus detentores o anonimato quanto à titularidade da propriedade, tal como as contas dos bancos suíços nos quais o depositante é identificado por um código secreto.
O setor mais gravemente atingido é o financeiro, na medida em que os bitcoins não circulam dentro das contas bancárias, e isto deverá acarretar um problema a mais para um sistema já combalido.
É evidente que os detentores de capitais advindos de atividades ilícitas (corrupção com o dinheiro público, tráfico de armas e entorpecentes, jogos de azar, etc.) têm na moeda bitcoin um porto seguro para a guarda dos seus valores.
Fico a imaginar o que faria o ex-ministro Geddel Vieira Lima com a possibilidade de comprar, incógnito, bitcoins com o dinheiro ilícito que possuía guardado em malas num apartamento.
Geddel Vieira deveria é ter comprado bitcoins |
Não vai tardar muito para que os Estados nacionais capitalistas regulamentem a emissão, aquisição e propriedade dos bitcoins, o que representará uma grave ameaça ao seu funcionamento e circulação.
O sistema capitalista (economia real e o sistema financeiro) e suas instituições estatais fazem água por todos os lados e a moeda bitcoin é mais uma das muitas invencionices fadadas ao malogro: os pulos do gato propiciados pelas novas possibilidades eletrônicas não bastam para salvar do naufrágio um mundo mercantil em fase de dessubstancialização irreversível da própria forma-valor.
(por Dalton Rosado)
2 comentários:
Bolhas especulativas são constantes nos mercados, desde o tempo das tulipas holandesas até o bitcoin atual.
Ocorre que o bitcoin é apenas mais um produto que utiliza o protocolo Blockchaim.
E a revolução não é o bitcoin,/ a mais recente tulipa mundial,/ mas o protocolo Blockchaim,/ este sim, é genial!
Ele será o próximo intermediário financeiro no planeta, pois permite transações confiáveis eliminando intermediários.
Já estão sendo pensadas aplicações que substituam os cartórios, a conferência de assinaturas numa lista (app Mudamos) e todo tipo de certificação.
Na economia solidária ele poderá ser utilizado como uma planilha que contabiliza os créditos e débitos de maneira totalmente honesta.
Por exemplo: eu lavaria o carro do meu vizinho, ele lança esta ação na minha conta pessoal, em seguida, vou tomar um cafezinho e desconto um pouco do crédito que recebi pela lavagem.
Percebeu?
Viu a horizontalidade?
Viu a morte do cobrador de impostos?
Viu que, se o governo governa bem, eu posso lançar créditos da minha conta para ele, ou não?
Caro SF,
a microeletrônica propiciou avanços tecnológicos antes inimagináveis. Com ela os cálculos computadorizados, a racionalização de procedimentos, a robotização, a comunicação via satélite, etc., tornaram dispensáveis em maior parte não apenas o trabalho humano produtor de valor (uma abstração segregacionista e sutilmente escravagista em qualquer setor da economia, aí incluído o setor terciário, de serviços) o que por si só já decreta a falência futura do capitalismo, como decretou a falência do Estado (seu instrumento de regulação e coerção social) e de todo o sistema financeiro.
Os serviços eletrônicos vieram para ficar, e substituem outros serviços. Tudo contribui para a necessidade da criação de uma nova forma de relação social, de produção, não mediada pelo valor (dinheiro e mercadorias).
Ora, se as moedas são representação do valor e este último entrar em colapso, é evidente que as moedas também deixarão de ter valor (como já aconteceu em períodos e regiões de grande inflação, como na Alemanha em 1923, em 1933, e durante o final da II guerra mundial).
Um abraço e obrigado pela boa contribuição. Dalton Rosado.
Postar um comentário