sábado, 14 de outubro de 2017

A ONDA AUTORITÁRIA E O AMBIENTE DE EXCEÇÃO INSTAURADO PELA LAVA-JATO

Por Celso Lungaretti
Para o bem e para o mal, sou um homem de convicções sólidas. Não corro atrás de cada novidade lançada no mercado das ideias nem me importo em ter multidões contra mim quando a minha convicção íntima é de que estou certo.

Os dois posicionamentos mais importantes da minha militância política foram definidos bem lá atrás:
— há meio século engajei-me na luta contra o capitalismo pela via revolucionária, ou seja, visando substituir a exploração do homem pelo homem por uma sociedade que concretizasse simultaneamente os ideais supremos da humanidade através dos tempos, a justiça social e a liberdade;  
— ao sair das prisões militares, há quatro décadas e meia, decidi que nenhum ser humano merecia, em circunstância nenhuma, ser reduzido à condição de vítima indefesa sobre a qual bestas-feras têm poder de vida e de morte. Então, descartei para sempre a chamada ditadura do proletariado, mesmo na versão atenuada exposta por Lênin em O Estado e a Revolução (de que os poderes discricionários assumidos pelos revolucionários para proteger seu regime nascente seriam extintos progressivamente, com o desmantelamento das burocracias tornadas obsoletas e a entrega do poder efetivo ao povo).
Pois a trágica experiência histórica do século passado foi conclusiva no sentido de que as nomenklaturas não se suicidam, enraízam-se cada vez mais e lutam encarniçadamente pela manutenção de seus privilégios, tornando-se mesmo uma espécie de nova classe numa sociedade que não deveria ter mais classes.
O culto à personalidade na URSS de Stalin: repulsivo!

Compreendi que as revoluções vitoriosas, ou desde o início dão aos cidadãos resgatados da escravidão capitalista condições propícias para afirmarem-se como os sujeitos de uma sociedade livre, ou eles permanecerão, enquanto o regime durar, como objetos do despotismo (esclarecido ou bestial) das nomenklaturas e dos guias geniais dos povos.

Na prática, isso me colocou na contramão de duas fortes tendências da esquerda: 
— a dos desiludidos com os verdadeiros ideais econômicos do marxismo, que passaram a apostar no capitalismo de Estado como alternativa ao capitalismo liberal, como se fizesse diferença para os trabalhadores serem explorados por essas burocracias podres que a Operação Lava Jato escancarou ou pelos patrões propriamente ditos;  
— a dos desiludidos com os verdadeiros ideais políticos do marxismo, que desistiram de conduzir o povo à revolução e passaram a apostar na infiltração no aparelho de Estado construído pelo capitalismo para a ele servir, como se uma ou outra vitória nas urnas assegurasse algo além de uma ilusão de poder que explode como uma bolha quando os verdadeiramente poderosos decidem dispensar serviçais problemáticos, trocando-os por vassalos mais competentes no cumprimento de suas ordens.
E, na verdadeira terra arrasada que o debate político se tornou quando a esquerda majoritária renegou seus profetas sem sequer ter a coragem política de admiti-lo explicitamente, as pregações de ódio foram insufladas ao máximo, para desviar as atenções da falta de propostas realmente consequentes para o enfrentamento dos gravíssimos desafios atuais.

A consequência é esse autoritarismo tosco e revanchista que sataniza medíocres políticos profissionais como se estes fossem responsáveis por fracassos catastróficos como o impeachment de Dilma Rousseff sem reação significativa nenhuma, parecendo mais um doce arrancado da mão de uma criança.

Para desviar a atenção do que realmente importava, evitando que fossem colocados em xeque os monumentais erros estratégicos e táticos cometidos pelo petismo e seus aliados (que deveriam ter sido avaliados e corrigidos mediante um rigoroso processo de autocrítica), os pais da derrota recorreram a uma manipulação ardilosa: direcionaram todo o ódio contra os liliputianos Michel Temer e Aécio Neves, como se um passe de mágica os tivesse transformado em ogros gigantescos, cuja destruição deveria se dar inclusive chocando o ovo da serpente do autoritarismo.

Ou seja, para manterem aos trancos e barrancos sua hegemonia no campo da esquerda e darem sobrevida à fracassada política de conciliação de classes, não só iludiram seus públicos-alvo (o verdadeiro inimigo é e sempre será o capitalismo, não os capachos de ocasião do dito cujo) como estão ajudando popularizar o autoritarismo, parecendo ignorar que, sejam quem forem os inicialmente prejudicados pela abertura de precedentes negativos, adiante os principais alvos da arbitrariedades seremos sempre nós, os que marchamos na contramão do sistema.

Daí eu estar reproduzindo aqui algumas considerações extremamente pertinentes e oportunas de André Singer, ex-secretário de Imprensa do Lula quando este era presidente da República, um petista que mantém a integridade de suas convicções e não abdica do espírito crítico, a despeito de seu partido se reger cada vez mais pelo utilitarismo amoral:
"Faz sentido (...) acreditar num viés da corte, a qual foi dura quando os incriminados eram o petista Delcídio do Amaral ou o pemedebista Eduardo Cunha, mas arrefece quando chega a vez do peessedebista Aécio. O problema é que, como tenho afirmado aqui há mais de um ano, não se encontra na Constituição a figura do afastamento do mandato por parte do Judiciário.
Por André Singer
Significa dizer que o STF inventou uma legislação, acoplando-se ao ambiente de exceção instaurado pela Lava Jato. A arbitrariedade dos juízes da operação ao decretarem prisões desnecessárias, como ficou claro no caso do ex-ministro Guido Mantega, em setembro de 2016, tornou-se corrente.
As graves consequências dessa onda de excepcionalidade foram sentidas em toda a sua magnitude com o suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina 15 dias atrás, fato menos noticiado do que o devido. 
Em suma, há argumentos para defender que a opção tomada pela corte em favor da Constituição, embora possa de imediato beneficiar uma corrente partidária em detrimento de outras, talvez ajude o país a barrar os mecanismos de exceção em curso e, quem sabe, a encontrar o caminho de volta à verdadeira democracia. 
Os que acompanham com atenção a onda autoritária, agora acrescida da censura às artes, sabem que não será fácil. Percebem igualmente que, nessa batalha, será preciso juntar todos os que estejam do lado das liberdades e garantias individuais. Inclusive os ministros do STF decididos a dar um passo atrás".

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